O norte nota-se no falar e regista-se nos longos brincos de filigrana que ostenta orgulhosamente. Vem de uma terra, Póvoa de Lanhoso, onde o ouro era trabalhado por todos. Na sua aldeia chegou a haver cem ourives, agora restam três.
Aurora Dias, 39 anos, cresceu a ver partir os da sua terra. Resistiu até ter 41 familiares na Suíça – para três em Portugal. Resistiu enquanto pôde. Acabaria por ser o desemprego na fábrica de cablagens, onde trabalhava com o marido, a mudar-lhe a vida.
Começou por planear um mês de limpezas na Suíça. Foi sozinha, deixou marido e filha. Porque era para voltar. Mas a retribuição suíça, mais de três mil euros, era demasiado atrativa para trocar pelo quase nada de salário traduzido nos 560 euros conseguidos como auxiliar numa escola.
Comparação puxa comparação e o destino traçou-se para Aurora, Lola para os amigos. Começou a limpar birus (escritórios), que lhe chegaram a dar seis mil euros em seis semanas. Agora é ama de cinco crianças – todas filhas de portugueses – e a tarefa rende-lhe 2200 euros limpos todos os meses.
O marido instalou-se com ela e pouco depois estava a trabalhar numa confissaria (pastelaria). À noite limpam juntos uma universidade de Zurique e arrecadam mais 800 euros mensais. “Dá para pagar a prestação da casa em Portugal”, resume.
Podíamos continuar a falar das profissões e das limitações que o 9º ano nocturno e a falta do alemão no currículo têm significado. Mas o mais importante da vida de Lola está para além do trabalho remunerado.
Devota de Nossa Senhora, faz parte de um grupo de Caminheiras que ajudam quem lhes pede. Principalmente imigrantes em dificuldades na Suíça. Mas não só.
Frigoríficos, televisões, camas, colchões, roupa, enlatados. Nada se desperdiça e tudo se guarda. De tal maneira que Lola já precisou de pedir emprestada uma segunda arrecadação a um vizinho.
Faz isto porque não aguenta ver os outros sofrer. E porque assim lhe ditam os ensinamentos católicos. Protestantes, os suíços do bairro onde vive Lola impediram durante 17 anos a entrada de imagens de santos na igreja. “No altar não se põe nada”, justificavam. Acabariam por ceder ao pedido da comunidade lusa, mas apenas com o compromisso de não ficarem vestígios de santos depois de usarem o templo.
Todos os domingos, as Caminheiras embrulham a Nossa Senhora numa toalha e rumam à igreja de Zurique, onde se juntam centenas de portugueses. Comprada por todos, a imagem pertence a quem a quiser. Aos fins de semana é “entregue para adoção”. Serve a quem “esteja com uma doença ou outros problemas e queira rezar junto à Nossa Senhora”.
Tal como os mais de 70 mil portugueses que vivem na área consular de Zurique, Lola tenta cumprir as regras suíças. Hoje não falha um horário nem um compromisso. Mas a aprendizagem fez-se à custa de 1400 euros – todo o dinheiro que pagou em multas de velocidade nos primeiros seis meses que viveu na Suíça
Adaptou-se. Como comprova o molho de cartões de visita espalhados em cima da mesa da cozinha. “De pessoas que contacto todos os dias para ajudar outros portugueses a arranjar emprego.”
Embora longe de Portugal, Lola sente diariamente o desespero dos compatriotas. Se não fosse pelos sacos de comida que distribui todas as semanas, seria pelo casal de madeirenses com um miúdo de 18 meses que apareceu a pedir ajuda depois de perceber que os 2 500 euros que traziam no bolso não davam para mais de duas semanas ou pela família com a filha de 12 anos fora da escola há dois ou, ainda, pelo casal a dormir no carro com os dois filhos gémeos. “Vêm em desespero”, conclui. Pior ainda desde “o burburinho do fecho das fronteiras”.
Quem não sabe, aprende depressa sobre o que pode esperar dos suíços: “Não fazem favores a ninguém, mas também não os pedem. Dão trabalho e pagam.”
É disso que 1 500 portugueses vão à procura todos os meses na Suíça. Mas quando o rigor helvético lhes falha, é à porta de Lola que vêm bater. “Anjo da guarda” para alguns, “Madre Lola de Zurique” para a maioria.