Aquilino Ribeiro falava em dez maneiras de confecionar a truta. Convém citar: “Trutas que pediam boca que as soubesse apreciar”. Ou ainda: “Haveria deleite maior que contemplar as trutas, no deflúvio matutino, com a água do córrego a cair no batedoiro dos seixos, oxigenada da frescura do orvalho e do azul do céu”. O livro é, claro, A Casa Grande de Romarigães, romance de 1957 para o qual Aquilino Ribeiro encontrou inspiração numa casa situada na aldeia de Romarigães, muito perto de Paredes de Coura.
Em Paredes de Coura é possível encontrar esta espécie de memórias literárias com sabor. O restaurante é conhecido, chama-se O Conselheiro e está situado no largo da câmara. O senhor Vilaça, 73 anos, é o dono e, na verdade, não é menos conhecido que o restaurante. Regressou há 22 anos a Paredes de Coura, de onde é originária toda a sua família. E desde então que, com todo o gosto, prepara inúmeras variedades de truta: da truta de escabeche à truta salmonada grelhada, passando pela truta com frutos secos e pela truta com molho de cebolada. As melhores trutas vêm do rio Coura, “o rio mais truteiro do universo”, como escrevia Aquilino. O senhor Vilaça apresenta um banquete aquiliano e fá-lo com sapiência. À medida que enumera os ingredientes de cada receita, diz de cor passagens gastronómicas das obras do escritor.
E que o banquete não se fique pelas trutas. Também há o petisco do farnel, um cesto farto que, entre outras coisas, inclui pão, morcela assada, salpicão cru, linguiça assada, pataniscas de bacalhau e bolo do tacho. “Pitéusinhos que nos fazem esquecer das misérias humanas”, resume Aquilino. Sem esquecer os “infalíveis” bolinhos de bacalhau, que na ficção “estavam de morrer por mais”. Falta ainda a feijoada com “muita molhanga e pimentinha” e “as rijas pançadas de broa rural, rilhadas a paroquiar Corno de Bico”. No final, um arroz doce “com polvilhamentos de canela sobre brancuras de jaspe”, seguido de um café com biscoitos. Haja apetite. E erudição.
