Nos últimos 20 anos, a produtividade (valor do trabalho gerado por recursos consumidos) na construção tem crescido, à média anual, três vezes abaixo da produtividade da economia global, estimando-se que, caso o índice da construção igualasse ao da economia global, pela sua importância no PIB, o valor acrescentado seria de aproximadamente 1.5 triliões de euros, o equivalente a satisfazer cerca de metade das necessidades mundiais de infraestruturas.
O sub-desempenho do setor deve-se a vários motivos, tais como: a elevada fragmentação e volatilidade do mercado; a estratégia do preço mais baixo; a falta de regulação, fiscalização, formação, qualificação e inovação; e a práticas desadequadas ou antiquadas ao nível da gestão e execução dos projetos e obras. Em particular, apesar da adoção, ao longo do tempo, de soluções construtivas mais eficientes recorrendo a novas técnicas e materiais e capazes de garantir mais segurança e conforto, na prática, a forma de construir não tem mudado, significativamente, desde a segunda revolução industrial, ou seja, desde há mais de 100 anos.
Continuamos com um tipo de construção essencialmente executada in situ e de caráter linear, em que cada tarefa só pode ser iniciada depois da anterior terminar; com operações manuais nem sempre seguras, propícias a erros e que requerem demasiada mão-de-obra para planear, gerir e executar; com elevadas necessidades de aprovisionamento e excessivos desperdícios de materiais, energia e água; com demasiada dependência das condições atmosféricas; e com muito potencial impacto negativo no meio ambiente (ar, água e ruído). Esta realidade gera várias ineficiências, particularmente ao nível do controlo de qualidade, custos e prazos das obras, que dificilmente cumprem o pretendido.
Posto isto, atendendo ainda à crescente necessidade de edifícios e infraestruturas e à anunciada escassez de recursos (mão-de-obra, matérias-primas e energia), urge agir para incrementar a produtividade e a eficiência do setor, adotando medidas de caráter multifatorial relacionadas com processos de contratação, gestão, execução e supervisão de projetos e obras, que considerariam, recomendavelmente, a industrialização da construção.
A industrialização é um processo segundo o qual, mediante a melhoria ou substituição de instrumentos, técnicas e/ou métodos de produção, os setores produtivos tornam-se mais eficientes e geram mais riqueza, contribuindo assim para a evolução da economia e da sociedade. Embora desde o século 18, aquando da primeira revolução industrial, haja referência a várias evoluções na construção, relativamente, por exemplo, à produção e aplicação de novos materiais, à utilização da energia disponível, e à qualidade e conforto das habitações, um tema ainda pouco explorado, mas que já remonta à idade antiga (centenas de anos a.C.) e detém elevado potencial produtivo (possivelmente até 5 vezes mais face ao processo tradicional), é o da pré-fabricação.
A pré-fabricação consiste em fabricar elementos construtivos fora do local da obra, em ambiente controlado, que depois são transportados e montados in situ. Estes elementos podem ir, por exemplo, desde pilares ou vigas em aço ou betão armado a painéis de fachada envidraçados ou placas de gesso. No limite, aludindo ao conceito de construção offsite (pré-fabricação mais pré-montagem), que abrange a chamada construção modular, podemos ter partes de edifícios (e.g. quartos, cozinhas e casas de banho), ou mesmo edifícios, inteiramente construídas previamente, incluindo estruturas, instalações e acabamentos, para posterior ligação no local, com possibilidade para futura expansão, redução ou relocalização.
Neste sentido, pode referir-se como exemplos recentes os edifícios pré-fabricados mais altos do mundo, o Avenue South Residences (200m de altura), em Singapura, e o AC Nomad Hotel by Marriot (100m de altura), em Nova Iorque; ou até o hospital Huoshensha (25.000 m2 de área bruta), na China, que foi construído em 10 dias. Não obstante, de entre os segmentos com mais casos de pré-fabricação, onde a repetitividade é um fator comum e significativo, destaca-se o retalho e a logística, além de infraestruturas como pontes e viadutos.
Os potenciais benefícios da pré-fabricação, impactando positivamente nos custos e prazos do ciclo de vida dos ativos construídos, passam, entre outros, por reduzir as necessidades de mão-de-obra, ao utilizar processos mais automatizados; por racionalizar o uso de materiais, de forma mais precisa e consistente; por aumentar a qualidade, segurança e rapidez dos trabalhos, que são essencialmente executados em condições mais regradas, uniformizadas e controladas, incluindo proteção contra variações meteorológicas, e com possibilidade de sobreposição de tarefas; e por diminuir o impacte ambiental, com soluções mais sustentáveis, ao reduzir o desperdício material e energético e ao facilitar a reciclagem e reutilização (desmontagem e montagem em novos locais) das peças pré-fabricadas. Este conceito enquadra-se na filosofia denominada de Lean Construction, que procura minimizar o tempo e os recursos utilizados nos ciclos de produção.
Esta forma de construir, todavia, pode ser condicionada por motivos de padronização e volume (e.g. a quantidade de formas ou unidades repetidas é insuficiente para conseguir economias de escala e justificar a decisão); de planeamento e alterações (e.g. âmbito mal definido ou inconstante, algo frequente na construção, ou falta de precisão na fabricação, sabendo que uma necessidade de alteração tardia, em particular perante uma produção em massa, pode revelar-se complicada e muito prejudicial em termos de custos e prazos); de financiamento (e.g. maior dificuldade das entidades credoras em acompanhar o progresso da construção, que acontece fora do local da obra, e assim validar pagamentos); de transporte e entrega (e.g. condicionantes e custos associados à circulação, armazenamento, elevação e colocação de peças de grande peso e dimensão); de normalização e aptidão (e.g. défice de regulamentação específica e falta de conhecimento, experiência, preparação e vontade de donos de obra, projetistas, fornecedores e empreiteiros para o dimensionamento, fabrico e execução de soluções pré-fabricadas); e, muitas vezes, de perceção (e.g. preconceito de que a pré-fabricação necessariamente limita a criatividade ou está associada apenas a soluções temporárias e de baixa qualidade).
Um aspeto a relevar, frequentemente questionado, é o licenciamento de edificações pré-fabricadas. Em geral, incorporando bens imóveis (com ligação permanente ao solo) e destinando-se à utilização humana, segundo o Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE), requer-se a normal autorização camarária. Alguns municípios são mais restritivos ao fazer prevalecer apenas a condição de utilização humana, continuando assim a requerer a aprovação segundo os trâmites normais para, por exemplo, casas móveis.
O sucesso da industrialização da construção, em particular da pré-fabricação, depende intimamente de significativas adaptações de processo e de mentalidade, num setor que se caracteriza como sendo tradicionalista e resistente à mudança. Para tal requer-se uma gestão da mudança em 3 níveis chave: governo, organização e ativo.
O governo deverá criar sistemas de incentivo para empresas e centros de investigação; estabelecer normas e regulação para a contratação, dimensionamento e execução com estruturas pré-fabricadas, abrangendo assim toda a cadeia de valor; e promover a colaboração entre universidades e empresas, no sentido de adaptar os modelos de ensino e de negócio à evolução do ambiente construído, que precisa de novas competências, para funções novas e existentes, de caráter mais tecnológico.
Para as empresas do setor será importante o apoio da gestão de topo, passando por iniciativas intra- e inter-organizacionais, até atingir um estágio de melhoria continua. Isto requer pessoas, tecnologia, formação e qualificação, de modo adequado às necessidades e aos níveis de maturidade do negócio e do mercado, considerando que a forma de planear, projetar e construir, com base em padronização e modularidade, é diferente.
Ao nível do ativo, é crucial definir os requisitos contratuais e os incentivos financeiros mais apropriados para promover a integração de todas as fases (integração vertical) e de todos os intervenientes (integração horizontal) no ciclo de vida do empreendimento, mitigando assim riscos como os que resultam de práticas unilaterais e da heterogeneidade de competências e capacidades. A valorização da metodologia BIM (Building Information Modelling), que, por meio de modelos tridimensionais com toda a informação relevante, permite simular a realidade da construção a vários níveis e favorecer a colaboração, é de supra importância para suportar a implementação de sistemas industrializados. Destarte, os donos de obra, devidamente assessorados, ao decidir o quê, como e quem contratar, têm um papel crucial.
Pós-segunda guerra mundial, com o início da era digital, e mais fortemente no final do século 20, com o advento da quarta revolução industrial, setores como o automóvel e a aeronáutica têm vindo a capitalizar sobre novos métodos e tecnologias (e.g. robótica e automação) para incrementar significativamente a sua produtividade. Porém, na construção, o progresso tem sido limitado, sendo inclusive uma das indústrias menos digitalizadas da economia global, somente à frente de atividades como a agricultura e a mineração. Basicamente, de forma preocupante, não se tem conseguido construir mais e melhor com os mesmos recursos, ou o mesmo com menos recursos, aproveitando a evolução tecnológica.
Como em tudo na vida, não há soluções, mas alternativas e custos de oportunidade, apresentando-se a pré-fabricação, enquadrada e favorecida agora no âmbito da transformação digital, como uma alternativa potencialmente mais atrativa face às práticas tradicionais, dependendo do contexto. Resta-nos perguntar se queremos continuar a ser percebidos como um setor arcaico, pouco cativante e competitivo, sem capacidade para evoluir?