Desenha casas de sonho, de milhões de euros e a maioria dos seus clientes são portugueses. Um mercado imune à recessão, com uma procura que está longe de dar sinais de contenção, diz arquiteto João de Sousa Rodolfo, fundador do ateliê Traçado Regulador. “Se uma moradia com piscina e um bom jardim, com boa aparência é luxo, então nós temos muito luxo comprado por portugueses”, diz o arquiteto. O ateliê, que tem neste momento 98 projetos em curso em vários pontos do país, celebra este mês 25 anos de existência.
Há um ‘antes’ e ‘depois’ da pandemia na forma como desenha as suas moradias, uma das suas imagens de marca?
A forma de expressão da nossa arquitetura não se alterou, o que se alterou foi uma nova exigência dos clientes relativamente ao modo de habitar a sua casa. Isto é, aquilo que nós sugeríamos em termos de forma de habitar, que era uma grande relação com o exterior, passou a ser reconhecido pelos clientes como algo útil. Porque a pandemia gerou o teletrabalho, uma maior permanência na habitação e essa relação com o exterior passou a ser quase obrigatória. E depois a própria vivência com o espaço interior da casa. Surgiram novas funções que levam a que a casa passe a ser multifuncional: a casa é também ginásio, escritório, local de convívio ainda mais frequente… A vivência da casa tornou-se mais intensa e, portanto, existe uma maior exigência.
Isto significa que os seus clientes estão dispostos a investir mais?
Sim, estão disponíveis a investir mais. Mas também existe outro fenómeno – muitos clientes trocaram o centro da cidade, cujas casas adquiriram um valor excessivo – os preços de Lisboa galoparam desde 2016 – para um espaço na periferia e portanto podem ser mais exigentes em termos das características espaciais da nova habitação.
Tem vários projetos na Aroeira, Quinta do Perú, etc. Suponho que assista a uma grande procura por terrenos nestas zonas, daí os valores altíssimos que estão a ser praticados.
Sim, essa procura existe, a escassez é cada vez maior e o futuro não augura nada de bom. Em 2014 foi aprovada a nova Lei de Bases da Política de Uso do Solo que extingue a classificação de solo urbanizável, onde assentavam o desenvolvimento dos loteamentos. Ora, extinguindo-se esta categoria e revendo-se os PDMs – estão neste momento todos em revisão e alguns com essa revisão já concretizada – deixa de haver espaço urbanizável e passa a existir apenas espaço urbano, logo, limita-se muito o crescimento dos aglomerados urbanos. Isto era algo perfeitamente razoável em 2014, quando existiam 770 mil fogos devolutos, segundo os resultados dos Censos de 2011. Ou seja, a lógica nessa altura é que não haveria razão para construir mais fogos porque existiam muitos mais do que famílias portuguesas que deles necessitavam. E isso fazia sentido nessa altura. Mas o que aconteceu com a pandemia foi algo imprevisto: a deslocalização de uma significativa parte da população que passa a habitar a urbe de uma maneira diferente e que levou a uma nova procura de terrenos fora das grandes urbes. E agora estamos nesta situação em que existe uma procura de lotes e não existe oferta.
Não existe mesmo? Ou é uma questão de valor?
Foram todos vendidos. O que resta são lotes sujeitos a operações especulativas, segundas e terceiras transações de quem comprou para vender a seguir. De raiz, os lotes estão todos vendidos. Nessas duas urbanizações que referiu não há um único lote à venda pela entidade promotora e as segundas transações também já vão escasseando. E há sítios onde se compra o lote para demolir a moradia existente e construir uma nova, temos várias situações dessas. Moradias com 20, 30 anos ou mais, normalmente sem qualidade arquitetónica, que apresentam algum estado de degradação e a opção dos clientes é a de demolição porque muitas vezes fica mais barato do que reabilitar.
Quantas tem nessas condições?
Em 98 processos em curso, nessas condições temos uns 5 projetos.
Em que locais?
Geralmente acontecem mais em zonas consolidadas, como em Oeiras, Cascais, Estoril, zonas muito procuradas, com alto valor.
Tem projetos de reabilitação no centro de Lisboa? As restrições aos Vistos Gold e ao Alojamento Local impactaram o seu ateliê?
Sim, dos 98 processos, cerca de 20% são para reabilitar. Temos no Largo de Santa Bárbara um quarteirão quase inteiro, faltam-lhe apenas dois edifícios, ou seja, temos um quarteirinho… E também projetos na Rua do Salitre, na Rua de Santo António da Glória, perto da Avenida da Liberdade, entre outros… O projeto de processo de construção é um processo longo. E, portanto, estes processos começaram há algum tempo. É a elaboração do projeto, a aprovação – que na câmara de Lisboa é um pesadelo – a conclusão do concurso de empreitada (também difícil nos tempos que correm) … Ou seja, estes projetos foram produzidos com um propósito que já não é atual porque efetivamente as regras mudaram. Agora, se me pergunta se a procura ficou afetada? Eu diria que não. A procura em Lisboa é de tal maneira grande, que qualquer coisa que se construa, vende-se de imediato. E vende-se para habitação permanente.
Projeta casas de sonho para um segmento de luxo. Qual é o peso dos seus clientes nacionais versus os estrangeiros?
Em relação ao perfil de clientes, temos o cliente particular que quer a casa para si e o cliente-empresa ou cliente-investidor que encomenda o projeto para vender depois. E entre estes, temos fundos estrangeiros, entre os quais franceses, libaneses… E também temos clientes particulares estrangeiros. Mas eu diria que no total, os nossos clientes estrangeiros deverão pesar à volta de 15%.
É errada a ideia que muitos têm de que o luxo é comprado maioritariamente por estrangeiros?
De facto essa ideia não corresponde à realidade no nosso ateliê… Também é difícil definir o que é o setor de luxo, onde é que ele começa… Mas eu diria que para mais de 90% das pessoas que olham para as casas que fazemos, as que publicamos, iriam classificá-las como ‘casas de sonho’. Se uma moradia com piscina e um bom jardim, com boa aparência é luxo, então nós temos muito luxo comprado por portugueses. De facto, a maioria dos nossos clientes são portugueses. Temos feito casas acima dos 1000 m2, em diversas localizações, para portugueses. Portanto, não corresponde à verdade que este tipo de arquitetura seja um exclusivo dos estrangeiros, longe disso.
Qual é o valor médio dos projetos? Qual o projeto mais caro que fez até hoje?
Fazemos projetos de habitação coletiva, unidades fabris, hotelaria, moradias, equipamentos sociais… Mas se falarmos só em moradias, o valor médio neste momento diria que está entre 1,5 e 2 milhões de euros. Mas há moradias bastante mais baratas do que isto, entre 800 mil e um milhão. E há outras muitíssimo mais caras, que podem ir aos 5 ou 6 milhões, mas essas são mais raras. Estamos a falar do valor da construção, sem o terreno.
Houve um acréscimo grande de valores em relação ao momento pré-pandemia? Pode exemplificar?
Houve um crescimento de preços colossal! Em 2017, construía-se a 1100€ o metro quadrado, temos orçamentos com estes valores… Neste momento, a mesma moradia pagaria hoje praticamente o dobro! A primeira fase do crescimento teve a ver com uma procura muito maior do que a oferta em termos do número de empresas de construção existentes e mão de obra qualificada. Se o empreiteiro tivesse dez obras, optava por aquelas que tinha maior margem e isso já acontecia mesmo antes da pandemia; depois, com a pandemia, os custos de transportes subiram, começaram a escassear as matérias-primas e entretanto veio a guerra e com ela o aumento dos preços de energias e o consequente aumento dos materiais. Tudo isto somado deu um boom de preços nunca visto. Claro que o mercado se encarregará de reestabelecer o equilíbrio e penso que isso vai acontecer entre seis meses a um ano porque todo este processo tem alguma inércia. Nós aqui somos um bom diapasão do mercado pois lançamos concursos de empreitada. E neste momento voltamos a ver muitas empresas interessadas em concorrer, a esforçar-se para conquistar as obras, por isso prevê-se alguma baixa de preços no mercado… Eu diria que o mercado já está a funcionar no sentido do nivelamento de preços…
O mercado de luxo está imune à crise, ao aumento da inflação?
Definitivamente sim. Mas volto a frisar: depende do que entendemos como luxo. No investidor médio, sim, a inflação afeta, sobretudo a nível psicológico. Mas aqui no ateliê não temos registado qualquer diminuição da procura, continua elevadíssima.
Os clientes portugueses preocupam-se em investir numa casa sustentável?
Sim, a sustentabilidade começa a ser uma grande preocupação dos clientes naquilo que é mais visível – a questão da eficiência energética. Os edifícios são altos consumidores de energia e a produção energética gera uma pegada de carbono, talvez a mais significativa de todas. Se dermos algum grau de auto-suficiência energética às casas, diminuímos a pegada carbono. A eficiência energética é, assim, transversal a todos os clientes e todos exigem a criação de condições para a auto-consumo, nomeadamente o fotovoltaico. Mas em outros aspetos ainda não: há alguns clientes que nos perguntam sobre materiais, por exemplo, o betão, que é algo que, na sua origem consome imensa energia na sua produção e gera uma dramática pegada de carbono…Há clientes que não pretendem que utilizemos o betão e que façamos mais construção em madeira, que utilizemos outras técnicas que são menos impactantes no Ambiente, mas esses já são mais raros…