Que importância tem a habitação para as famílias portuguesas? E há ou não riscos de se estar a entrar numa bolha imobiliária? Qual o impacto da proibição de registos de alojamento local em Lisboa? E que futuro há para o mercado de arrendamento de longo curso? Questões primordiais que têm marcado de forma vincada a evolução do mercado imobiliário português nos últimos anos e que a Fundação Francisco Manuel dos Santos tentou esclarecer ao lançar o estudo “O Mercado Imobiliário em Portugal”. Uma análise feita a várias dimensões e assegurada por uma larga equipa de nomes sonantes da área económica como Vera Gouveia Barros ou Luís Aguiar-Conraria, entre outros. Um trabalho coordenado pelo economista Paulo M. M. Rodrigues e que respondeu via email a algumas das dúvidas da Visão Imobiliário.
![](https://images.trustinnews.pt/uploads/sites/5/2022/08/220824_2048_Paulo-Rodrigues-1-1080x1080.jpg)
– No universo das residências habituais, a habitação própria permanente cresceu de 45,1% para 73,2% e o arrendamento caiu de forma acentuada dos 48% para 19,9%, entre 1960 e 2011, dado relembrado no estudo. E ainda, que em 2017, em Portugal, a percentagem de famílias com mais do que uma habitação que arrendava qualquer das habitações secundárias era de 13,4%, enquanto na Zona Euro, este valor atingia os 41,4%. Estamos num ponto sem retorno no que concerne ao mercado de arrendamento?
Em Portugal tradicionalmente a compra de casa própria tem sido um fenómeno, diria que, cultural, por ser um investimento seguro, ou por “em vez de pagar uma renda a um senhorio pago ao banco e ao fim de alguns anos a propriedade é minha”, ou por outra razão qualquer, a compra de casa própria tem sido sempre encarada pelas famílias como um objetivo importante. Julgo, no entanto, que com as novas gerações possamos estar a assistir a uma alteração de comportamentos dada a maior ênfase que se começa a dar à mobilidade laboral.
Por outro lado, é importante dar-se uma maior atenção ao mercado de arrendamento, é importante criar incentivos ao arrendamento e mecanismos de segurança quer para o senhorio quer para o arrendatário. Estes mecanismos serão importantes para incentivar e aumentar o investimento em imobiliário para arrendamento. Sem um aumento de oferta e incentivos de apoio ao arrendamento (a ambas as partes – senhorios e arrendatários), julgo que este segmento do mercado imobiliário poderá continuar por não ter a dinâmica desejada.
– Na sua opinião, e não querendo obrigá-lo a fazer muita futurologia, que riscos poderão acarretar as famílias portuguesas perante o atual cenário de endividamento de crédito bancário e probabilidade de subida das taxas Euribor (sendo que mais de 90% dos créditos estão sujeitos a taxas variáveis)?
É uma pergunta que recentemente, desde que se começou a falar da subida da inflação, tem vindo gerar alguma apreensão e preocupação. É preciso considerar, como é referido num dos capítulos do livro (Capítulo 1), que a habitação é a forma dominante de aplicação de poupança – representando cerca de 80% da riqueza total das famílias em Portugal. Isto permite que haja famílias que embora tendo uma riqueza total bastante acima da média, estão também mais vulneráveis a choques idiossincráticos e/ou agregados por via de deterem uma boa parte da sua riqueza em ativos ilíquidos e que não podem ser usados no curto prazo para evitar quedas acentuadas de bem-estar. Nesse sentido, um aumento das taxas de juro poderá vir a criar alguns condicionalismos financeiros a estas famílias. Naturalmente, que o impacto do aumento das taxas de juro não será exclusivo a estas famílias, mas a todas as famílias/pessoas que tenham créditos bancários para a aquisição de casa.
– Muito se falou (e ciclicamente se fala) de uma eventual bolha imobiliária em Portugal. Citam no estudo o exemplo das «cidades-fantasma» em Espanha que resultaram da bolha nos preços de habitação nos anos anteriores a 2007. Nesse período, a construção ultrapassou a procura de habitação, o que levou à existência de habitações não ocupadas e não utilizadas. Algo que nunca aconteceu em Portugal. Podemos então depreender que por cá até agora nunca houve risco de bolha imobiliária?
A questão das «cidades-fantasma» em Espanha é uma consequência do período especulativo que se viveu nesse país entre 2000 e 2006, quando a procura por casas aumentou devido à entrada de um grande número de imigrantes. Em Portugal também existiram períodos de exuberância nos preços das casas antes de 2007 mas foram fenómenos de relativa curta duração.
– Diz o estudo e passo a citar “considerando Lisboa como mercado principal, todos os 15 concelhos circundantes da Área Metropolitana de Lisboa foram testados para efeitos de contágio. Da análise, observam-se efeitos positivos e crescentes para Sintra, Mafra, Cascais e Oeiras, entre 2016 e 2019. Estes quatro concelhos são os que apresentam os coeficientes de contágio mais fortes no período considerado. Os efeitos de contágio de Lisboa para a Lourinhã, Odivelas, Amadora, Vila Franca e Loures, atingiram o seu máximo em meados de 2018”. Ou seja, não só os concelhos mais próximos e/ou com acesso ao comboio ou metro…
É uma boa questão. Ainda não nos debruçámos em pormenor sobre as razões específicas do aumento dos preços nos vários municípios, contudo com o aumento dos preços das casas e das rendas em Lisboa, é natural que a procura se tenha deslocado. Os acessos são claramente um aspeto importante, contudo infelizmente não temos informação sobre os determinantes da compra de imóveis nos vários municípios. Possivelmente, os municípios com melhores acessos terão maior procura por parte de pessoas cujo local de trabalho é em Lisboa.
– Aponta ainda o estudo que “a análise desagregada relativa aos 18 distritos e 278 municípios de Portugal Continental também sugere a existência de um crescimento extraordinário dos preços para a generalidade dos distritos”. A que se deve esse ” crescimento extraordinário” desta forma tão generalizada?
No período considerado no estudo, para além da evolução positiva dos determinantes clássicos que tipicamente são utilizados para compreender a evolução dos preços da habitação, como por exemplo, o rendimento disponível, as taxas de juro, o emprego, outras variáveis como o turismo e o investimento residencial tiveram um papel importante. Atendendo a um longo período de taxas de juro baixas o imobiliário apresentava-se como um investimento alternativo (i.e. forma alternativa de poupança) aos depósitos a prazo, dado apresentar uma taxa de rendibilidade superior.
– Em relação ao Alojamento Local e ao seu impacto no mercado residencial é salientado que “a proibição de novos registos não é suficiente para reverter o aumento de preços dos anos do boom turístico”. Mas acrescentam depois que “após a implementação da proibição parcial de novos registos em Lisboa, venderam-se menos cerca de 20% de casas e houve uma redução de 9% dos preços dos imóveis nas zonas onde a proibição entrou em vigor”. Pode pf explicar?
De acordo com análise realizada, a proibição parcial de novos registos em Lisboa originou uma redução dos preços na zona em estudo, contudo a quebra dos preços registada foi inferior ao crescimento observado nos anos anteriores como consequência da procura turística.
– Também sublinha-se que “apesar dos efeitos consideráveis do turismo e do alojamento local de curta duração no mercado imobiliário, estes fenómenos não parecem ser suficientes para explicarem, por si só, o aumento dos preços da habitação”. Que outros fatores estão subjacentes?
O turismo e o alojamento local de curta duração são claramente variáveis importantes na evolução recente dos preços da habitação. Originando nalguns casos aspetos positivos e negativos. Os negativos são a gentrificação de algumas áreas e os positivos a reabilitação e valorização de zonas urbanas. Este último aspeto para além de potencialmente promover o alojamento local, promove também o investimento em imobiliário para outros fins.