É a primeira mulher a presidir a Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), uma liderança que acontece num dos momentos mais importantes para a instituição. Luísa Salgueiro, 54 anos, jurista e autarca socialista à frente da Câmara Municipal de Matosinhos, encabeçou o processo de negociações com o Governo que veio estabelecer as regras das duas áreas mais estruturais do processo de descentralização – a Saúde e a Educação. Uma vitória que, ainda assim, sabe a pouco, para esta acérrima defensora da regionalização, cuja concretização está longe de estar definida.
Sempre foi uma grande defensora da Regionalização. Exasperou-a a posição do líder do PSD que acaba por bloquear o processo?
Quer o senhor Primeiro-ministro, quer o senhor Presidente da República, quer os participantes no processo, entenderam que deveríamos consolidar a descentralização e, de acordo com o calendário eleitoral, usarmos o ano de 2024 para realização do referendo. Mas também já ouvimos o líder eleito do maior partido da oposição dizer que com o PSD não há Regionalização. Parece-me que face a esse cenário, com o PSD a não acompanhar um referendo em 2024, a mim, pessoalmente, parece-me difícil que seja possível avançar para essa reforma nos próximos anos… Vamos ter de aguardar.
O país fica a perder?
Para pessoas que pensam como eu, que acreditam que a Regionalização é a solução necessária para a evolução e desenvolvimento do país, sim, o país fica a perder. Eu defendo a criação de regiões no sentido de as dotar de capacidade de decisão a nível sub-nacional, com mecanismos, recursos e equipas próprias, para podermos ter decisões políticas a um nível mais perto das pessoas, neste caso a um nível regional. Não sendo alcançável para já, temos que nos focar em fazer a melhor descentralização possível para que, quando for o momento, retomar a discussão da regionalização na melhor situação possível.
Que papel deve assumir a ANMP nesta altura em que descentralização está no centro das atenções?
Sim, a descentralização está em foco. E uma das razões por que está a avançar é porque existe uma reforma muito desejada pelos municípios e que serve melhor o país e os cidadãos. E que felizmente tem evoluído nos últimos dias em sentido favorável e está agora em condições de continuar a desenvolver-se com vista a que se materializem as opções que já estão vertidas em lei há algum tempo. Quanto à Regionalização, como disse, não está no melhor momento porque é uma reforma que recomenda um forte consenso entre os partidos para que possamos ouvir a população e não é o que se verifica atualmente. Sem os dois maiores partidos convergirem creio que o cenário fica muito mais difícil.
O acordo com o Governo em relação às verbas para a reabilitação das escolas vem reforçar o poder camarário…
As escolas passaram para a gestão das câmaras desde o dia 1 de abril mas o Governo continua a assegurar a reabilitação das escolas que precisem de intervenção de fundo, enquanto que a manutenção corrente fica a cargo dos municípios. E para esses dois tipos de intervenção ficaram definidas regras diferentes. Assim, no que diz respeito à manutenção, o Governo transferirá para as câmaras verbas que resultam da aplicação dos seguintes critérios: na área coberta, as escolas que tenham menos de 10 anos de idade, o Governo comparticipará 4€ por m2 para manutenção; nas escolas que tenham entre 10 e 20 anos, a comparticipação será de 6€/m2; e naquelas que tenham mais de 20 anos, enquanto não forem reabilitadas integralmente, o Governo comparticipará com 8€/m2 para manutenção. E na área descoberta são 50 cêntimos por m2.
Quantas escolas necessitam de reabilitação profunda?
As escolas que foram classificadas como necessitando de reabilitação profunda são 491 (identificadas pelo Governo), mas esse mapa pode ainda ser ajustado mediante verificação do Ministério. Portanto, trata-se de uma intervenção de fundo nessas escolas e só quando essas escolas estiverem intervencionadas é que a responsabilidade passará para os municípios.
Estas 491 escolas estão distribuídas equitativamente a nível geográfico ou há regiões que concentram um maior número de estabelecimentos em mau estado?
Elas estão distribuídas por todo o país. Todas as regiões têm um número significativo de escolas. Tenho ideia que, para além destas, há mais de 100 escolas com mais de 20 anos que não foram consideradas, o que significa que algumas ainda poderão ser incluídas aqui.
A maior fatia dessa intervenção virá do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR)…
Sim, o Governo compromete-se a financiar toda esta operação através de verbas do PRR, do PT 20-30 e de empréstimos do Banco Europeu de Investimentos. As autarquias estão agora em condições para começar a preparar os processos e poder, a partir do próximo ano, dar início aos processos de abertura das empreitadas porque todo este programa tem de estar executado até 2030.
Os equipamentos de saúde irão receber um financiamento maior. O que ficou exatamente definido?
A manutenção dos centros de saúde é também da responsabilidade do Estado. Vão ser feitas candidaturas aos vários instrumentos de financiamento para, de acordo com o mapeamento que é feito pelo Ministério da Saúde, ser feita a intervenção nos equipamentos. Também é atribuída uma comparticipação aos municípios para a manutenção dos espaços cobertos e espaços descobertos. A situação é idêntica à da área da Educação, mas os valores para a área da saúde são superiores.
Neste caso, o Governo comparticipará com €9 por m2 para edifícios com menos de cinco anos, €11 para edifícios entre os cinco e dez anos, €14 para aqueles entre os 10 e os 19 e 17 euros para mais de 19 anos.
Numa notícia recente, referia-se que a ANMP estava a exigir mais capital ao Governo tendo em conta o impacto da inflação na economia. O que saiu das reuniões com a ministra da Coesão Territorial a propósito desta questão?
Nós estamos a discutir as regras e os princípios que norteiam a descentralização. Temos estado a negociar as regras para a transferência dos recursos. Depois, quanto à questão da inflação, naturalmente terá que existir uma atualização dos preços em função da atualização dos níveis de inflação, ano a ano. As atualizações decorrerão da aplicação das normas legais previstas na Lei Quadro da Descentralização.
Em que zonas do país são mais gritantes as carências habitacionais?
É difusa por todo o país, mas estão claramente concentradas nas duas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto. Aí se concentram os casos mais graves. Ao nível de concelhos estamos a falar de Lisboa, Porto, Loures, Almada e Amadora.
A distribuição de verbas poderá ser proporcional à gravidade das carências?
Bem, as verbas não dependem do número de pedidos, dependem dos projetos em execução, das candidaturas que são apresentadas. E, portanto, os municípios que viram aprovadas as suas Estratégias Locais de Habitação, estão a candidatar-se aos financiamentos que existem para executar essas opções, depende agora da capacidade de execução dos próprios municípios.
E em termos de habitação, é preciso fazer distinção entre a habitação social e a habitação municipal…
No conceito de habitação social clássico não cabem todas as respostas que temos, pois os novos programas de Renda Acessível não se encaixam na tradicional designação de habitação social, são novas formas de respondermos às carências que existem. Habitações onde residem cidadãos que beneficiam de um apoio ao arrendamento, em que os municípios comparticipam o valor da renda mensal. Portanto, eu acho que o conceito de habitação social deve ser revisto, é mais uma política social de habitação do que uma política de habitação social.
Os programas de renda acessível deixaram de ser exclusivas das duas maiores cidades do país e começam a expandir-se um pouco por todo o país, certo?
Primeiro devemos ter presente que hoje em dia quando falamos de políticas de habitação não estamos a falar só para as pessoas com maior vulnerabilidade económica. Estamos a falar também para uma classe média que tem emprego, que tem rendimentos, mas que não são suficientes para suportar os encargos de habitação uma vez que os preços das rendas têm vindo a subir. Por outro lado, a política das taxas de juro praticadas até há pouco potenciava a aquisição de casa própria e não estimulava o mercado de arrendamento. Portanto, o país confronta-se com uma situação em que há muitas casas devolutas, é necessário fazer reabilitação de fogos que estão vagos, há muita necessidade de habitação, as cidades metropolitanas têm assistido a uma forte pressão de preço médio por m2 e, portanto, quando se fala em políticas de habitação tem que se pensar em tudo isto. É necessário que haja políticas de apoio ao arrendamento, subsidiando o próprio arrendamento; é necessário que haja políticas de promoção de Renda Acessível, fixando uma renda média em função das características do local para que as famílias possam suportar essas rendas; e no final é necessário também habitação para as pessoas que não podem pagar as rendas do mercado porque são famílias ou pessoas com particular vulnerabilidade económica. As estratégias locais de habitação têm de ser vistas de uma forma integrada.