Portugal pode vir a afirmar-se como uma das principais alternativas para a deslocalização de indústrias. Segundo o «Impacts», o estudo da Savills que analisa as grandes tendências no imobiliário à escala global, “Portugal é o segundo país mais atrativo para instalar indústrias numa lógica de nearshoring, apenas atrás da República Checa e à frente de economias como Áustria, Taiwan, Reino Unido, Japão, Canadá, Finlândia, Polónia ou Suécia”, o Top 10 das melhores localizações.
E o que é o “nearshoring”? A palavra resulta da junção das palavras nearshore e outsourcing e na prática significa a contratação de uma equipa de colaboradores que trabalha geograficamente próxima da casa-Mãe. Esta deslocalização de meios ocorre quando é possível contratar profissionais qualificados a um custo inferior ao que seria pago no local onde está a sede da empresa.
Segundo o estudo da Savills, “a pandemia, as tensões geopolíticas e a crescente importância da sustentabilidade para os consumidores estão a mudar a forma como a sociedade pensa sobre a globalização e as cadeias de abastecimento que foram previamente organizadas para minimizar custos”.
Os investidores nos mercados financeiros procuram cada vez mais empresas com bons critérios de Sustentabilidade, o que está a pressionar os fabricantes para melhorar seu desempenho ao nível do parâmetro ESG – Environmental (Ambiente), Social (Social) e Governance (Governança Corporativa) – e a forçá-los a reconsiderar as cadeias de abastecimento. Uma das consequências é aumentar a produção para locais mais próximos dos locais de consumo, o nearshoring, em detrimento do modelo seguido nos últimos anos de produção offshoring, onde os custos de mão de obra são mais baixos mas onde os critérios de sustentabilidade são ainda muito baixos.
A Covid-19 demonstrou que uma cadeia de abastecimento complexa e dispersa pode ser interrompida, enquanto a invasão russa da Ucrânia pode, nas palavras do FMI, “alterar fundamentalmente a ordem económica e geopolítica” a longo prazo.
A reconexão com as cadeias de abastecimento nacionais e regionais parece agora mais importante do que nunca. “Portugal tem feito um caminho muito relevante nas diferentes vertentes ESG, o que a par com outros parâmetros levam a sermos neste momento uma das melhores alternativas para deslocalizar investimentos na indústria”, sublinhou Pedro Figueiras, Associate Director de Industrial e Logística da Savills, lembrando que “o segmento de Logística já estava a assistir a um forte crescimento de investimento”.
Globalização
A “era dourada” da globalização começou com a adesão da China à Organização Mundial do Comércio (OMC) em 2001, que deu ao mundo um acesso direto a cerca de mil milhões de trabalhadores com baixos custos associados, lembra a Savills. O valor do comércio global aumentou de 6,5 mil milhões de dólares para 17,6 mil milhões entre 2000 e 2020. No entanto, a globalização atingiu um pico antes da crise financeira mundial e, desde então, estagnou.
“Se a crise financeira global expôs a fraqueza da globalização financeira, a guerra comercial entre a China e os EUA expôs limites políticos, enquanto a pandemia demonstrou falhas na globalização das cadeias de abastecimento. As perturbações nos portos, aeroportos e transportes marítimos conduziram a um aumento acentuado do custo de transporte de mercadorias em todo o mundo”, realça-se no estudo.
Esta “turbulência” levou a um aumento da procura de resiliência da cadeia de abastecimento, que pode ser integrada de três formas: “a mudança da gestão de inventário just-in-time para a gestão de inventário just-in-case, que prioriza a gestão de risco; a localização de operações-chave perto do ponto de venda; e o aumento da transparência e da monitorização para atingir a flexibilidade, através da tecnologia”, sublinha a Savills.
À conquista dos EUA
As exportações chinesas para os EUA bateram um novo recorde em 2021. No entanto, podemos estar próximos ponto de inflexão, onde as megatendências globais estão a alterar os incentivos a favor do nearshoring.
Uma combinação de salários crescentes na China e avanços tecnológicos está, cada vez mais, a negar a realidade do offshoring e, importa também referir que no país, os custos de trabalho aumentaram cerca de 250% desde a sua adesão à OMC. Também os custos de expedição
Outro fator a ter em conta são as tecnologias da quarta revolução industrial: robótica, impressão 3D, máquinas inteligentes e a IoT (Internet of Things ou a interconexão digital entre equipamentos, veículos, imóveis, etc), que estão a reduzir a participação do trabalho na produção. Um relatório de Mckinsey estima que 87% das horas em atividades executadas por trabalhadores da produção são automatizáveis.
China sob pressão
A política é outro fator que está a moldar as decisões de localização das empresas, especialmente as que estão afetas ao setor de tecnologia. “As políticas comerciais da China têm sido alvo de grandes pressões políticas sendo que, na revisão de outubro de 2021 da política comercial da China pela OMC, os países membros levantaram mais de 2.500 objeções às práticas comerciais desleais no país, aumentando 16% em relação à revisão de 2018. Os governos estão cada vez mais dispostos a utilizar a política industrial para incentivar a produção nacional”, refere o estudo.
Por outro lado, os consumidores e as empresas, nas economias desenvolvidas estão mais focados em questões ambientais, sociais e de ESG. A deslocalização prejudicou o ambiente: em grande parte, transferiu a produção para economias com padrões ambientais mais fracos, menor eficiência energética e maior consumo de combustíveis fósseis.
Os fabricantes estão sob pressão para melhorar o seu desempenho no âmbito da ESG, o que os obrigará a reconsiderar cadeias de abastecimento globalizadas. Uma pesquisa da PWC realizada em setembro de 2021 descobriu que cerca de 80% dos investidores consideravam as políticas ESG importantes na tomada de decisão de investimento e 50% estavam dispostos a mudar de empresa caso esta não tomasse medidas suficientes neste sentido.