“Quem quiser criar um facto político prejudicial a Marcelo acaba por ter de defrontar um ‘catedrático’ nessa matéria… “

“Quem quiser criar um facto político prejudicial a Marcelo acaba por ter de defrontar um ‘catedrático’ nessa matéria… “

No seu novo livro Os Presidentes, a Política e os Media – Uma História do 25 de Abril,(D. Quixote), Francisco Rui Cádima, professor aposentado do departamento de Ciências de Comunicação da NOVA FCSH, reflete sobre a conturbada relação entre os políticos e os órgãos de Comunicação Social, com especial foco na atuação dos presidentes da República eleitos, de Ramalho Eanes a Marcelo Rebelo de Sousa. Embora muito diferentes, em quase todos existe um padrão de conflitualidade, pontual ou contínua, com a Imprensa. A única exceção é Marcelo Rebelo de Sousa. O livro vai além dos aspetos políticos mediáticos e apresenta-nos um fresco impressivo da História da nossa democracia, vista através da sua representação nos média, uma abordagem original e aliciante, tanto para os agentes políticos e mediáticos como para o grande público.

Na relação com os média, há um padrão comum a todos os presidentes da República (PR) eleitos, ou eles são completamente diferentes?
É possível encontrar um padrão. Por um lado, são muito diferentes uns dos outros na sua perceção dos órgãos de Comunicação Social (OCS), na sua gestão da informação e na sua relação com eles. Por outro lado, os presidentes que fizeram os dois mandatos – o atual ainda vai no início do segundo – vivem determinados momentos em que se organizam criticamente relativamente aos média, numa lógica de confronto. Cada qual à sua maneira.

E sentem-se verdadeiramente injustiçados, ou alguns dão mais o desconto, interpretando as tensões como fazendo parte do jogo?
Talvez Jorge Sampaio tivesse sido o Presidente com mais fair-play e até algum “cavalheirismo” e empatia com o sistema de média. Outros foram muito mais bruscos. Mário Soares teve o seu clímax em junho de 1991, na mensagem que dirigiu à Assembleia da República, acusando a RTP de governamentalização [durante um dos governos de Cavaco Silva]. É um momento fortíssimo, em que ele desanca a direção de informação, quando se antecipava a entrada das televisões privadas.

Mas encontrou razões objetivas para essa crítica de Soares, ou ele estava meramente a fazer política?
Na mensagem, são identificados números em que ele tenta demonstrar a prevalência dos tempos do governo nos alinhamentos da informação. Mas é uma mensagem opinativa, que não se apoia num estudo específico e fundamentado. Mas talvez pudesse ter-se apoiado. Na verdade, no livro, descrevo alguns elementos que corroboram essa tese presidencial, com base nos anuários estatísticos da RTP, em que verificamos os tempos de emissão dedicados ao governo, Presidente e oposição. E, de facto, a “maioria absoluta” dos tempos é sempre do governo ou do PSD.

Mas essa denúncia surge no segundo mandato. Será que não se passaria o mesmo antes? O timing do Presidente não foi político?
Sim, é verdade. A denúncia tem muito que ver com o tempo político. No primeiro mandato, há uma relação muito mais amistosa entre o primeiro-ministro e o Presidente. Ele radicaliza o discurso, nessa mensagem, mas também nas Presidências Abertas, muito feitas a pensar no impacto mediático, e no patrocínio ao congresso Portugal, Que Futuro [uma reunião de críticos do cavaquismo, com a participação de figuras dos partidos da oposição].

Mas, nas tensões entre os PR e os OCS, há momentos de altos e baixos ou há um contínuo? Ou isso varia, consoante o inquilino de Belém?
Todos eles têm os seus momentos de afirmação confrontacional com os média, em determinados momentos. Com uma única exceção: Marcelo Rebelo de Sousa. Ele não faz parte deste paradigma. O que nos resta saber, no segundo mandato de Marcelo, é se vai aparecer um momento de confronto. E aí, na minha previsão, a resposta, em princípio, é “não”! Em todos os outros registaram-se altos e baixos. Ramalho Eanes entra na ressaca do PREC, com órgãos de informação muito ideológicos. A RTP estava sob a influência dos comunistas e da extrema-esquerda, durante o tempo em que esteve como presidente da televisão, antes de chegar a Belém. E, como PR, mantém sempre um nível elevado de confrontação com o sistema de média.

Ele escolheu uma grande figura do jornalismo para a assessoria de imprensa, Joaquim Letria… As assessorias de imprensa têm verdadeira influência sobre os presidentes, ou eles ultrapassam essa lógica e ganham “vida própria”?
No caso de Joaquim Letria, é difícil perceber o que se passou, porque não há muitos documentos que nos esclareçam, ao contrário do que acontece com Soares, Sampaio e Cavaco, em que os próprios assessores escreveram livros sobre esse período: respetivamente, Estrela Serrano, João Gabriel e Fernando Lima. Temos, pelo menos, as versões deles. E mesmo na biografia de José Pedro Castanheira de Jorge Sampaio há muita informação sobre esta dinâmica. Mas é possível dizer que, no caso de Soares, pelo menos, o Presidente ultrapassa as “baias” dos assessores, segue os seus instintos e a sua própria vontade. Já Marcelo é um caso especial.

Porque vem de dentro do sistema mediático?
Exatamente. Integra o sistema, conhece-o bem, domina-o. Sampaio dava muitos ouvidos aos consultores e assessores, Soares foi mais livre, Cavaco teve algumas complicações com a sua assessoria de imprensa, nomeadamente no caso das escutas. Mas Marcelo tem esse outro lado de experiência na marcação da agenda, desde que foi jornalista.

Com os média, António Costa é prudente e calculista. Sabe que uma linha insignificante no currículo de um candidato pode transformar-se numa manchete desagradável…

Isso é uma mais-valia ou contém riscos?
Até agora não teve quaisquer problemas. Não há sinais de que o feitiço se possa virar contra o feiticeiro. Este último episódio, em que decidiu anular a audiência com o primeiro-ministro, depois de os nomes do novo Governo terem sido revelados pela Imprensa, decorreu em direto. Enfim, quem quiser criar um facto político prejudicial a Marcelo acaba por ter de defrontar um “catedrático” nessa matéria…

Há um “respeitinho” dos média pelos presidentes mais populares?
Não estou muito à vontade para responder. Não fiz a investigação pelo lado das assessorias.

Se o fax de Macau tivesse acontecido com Cavaco, em vez de Soares, não teríamos tido muito mais notícias desagradáveis para o Presidente?
Ah! Nesse aspeto, nem é apenas uma questão de reverência relativamente ao Presidente A ou B. Aí, prevalece, um pouco, um tom na Comunicação Social, em que o discurso de esquerda passa melhor e o discurso de direita passa menos bem. Até recentemente isto era muito visível. Mas, ultimamente, têm aparecido mais meios ligados ao espetro político à direita, o que pode aqui introduzir algumas mudanças.

Embora Marcelo venha da área da direita e tenha gozado da mesma tolerância mediática…
Sim, mas isso terá que ver com o tipo de relações que se estabelecem entre os Presidentes e os jornalistas. Enquanto, com Eanes, não conseguimos detetar, por parte do Presidente, em pessoa, nenhum movimento proativo no relacionamento com os jornalistas, as empatias, a criação de amizades, as reuniões, os telefonemas, com Mário Soares é ao contrário: telefona, janta, almoça, etc. Cavaco não o faz, mas Marcelo, aparentemente, volta a fazê-lo…

Pode dizer-se que o episódio das escutas (de que fala, no livro) é o clímax de uma gestão desastrada no relacionamento de Cavaco com os média? Foi o próprio PR que agiu desastradamente? O seu assessor de imprensa? Má-fé dos jornalistas?
É uma questão difícil. Posteriormente, todos procuraram lavar as mãos. Mas este é o momento mais crítico de Cavaco, no plano da gestão do universo mediático. Como foi o caso Emaudio para Mário Soares. [Projeto de comunicação social patrocinado por figuras ligadas ao PS e ao PR, acusado de servir de facilitador].

E no caso de Sampaio? Será mais saliente o caso TVI vs. Marcelo Rebelo de Sousa? Quando Marcelo foi afastado, por influência do governo de Santana, pediu logo uma audiência em Belém…
Sim, sim. Mas se, nos outros casos, há acontecimentos suscetíveis de comprometer os presidentes, o caso TVI vs. Marcelo vem de fora. São situações que não estão diretamente relacionadas com ele. Da Cimeira das Lajes ao caso TVI. E Sampaio tem um lado interessante; dizia-se que tinha má relação com o audiovisual, mas chega ao debate com Marcelo [campanha autárquica para a Câmara de Lisboa, 1989] e ganha.

Isso teve que ver com a experiência de advogado de barra?
Teve mais que ver com o à-vontade e com uma estratégia de sinceridade. E, depois, tem uma frase muito eficaz, quando diz que Marcelo “é um rapaz simpático”… Nessa altura, o staff fica surpreendido – e até expressa alguma euforia. Sampaio era muito espontâneo, tinha sentido de Estado e um forte sentido de ética.

E isso é rentável, do ponto de vista mediático?
Não. Quem enchia mais páginas, quem tinha mais capacidade de arrastar os jornalistas eram os que ajudavam a captar audiência, o que é importante, sobretudo, em termos televisivos. Não era o caso de Sampaio. Soares garantia melhor isso. Marcelo é parecido.

Direita ou esquerda: qual é mais controladora?
Nunca pensei nesses termos. É uma questão transversal a todos os partidos. O que há é períodos de grande conflito e de tensão. Do PREC, com o controlo pela esquerda revolucionária, aos tempos dos governos de Mário Soares e ao regresso da direita ao poder, com a AD. Já no período do cavaquismo, embora o antigo primeiro-ministro diga que foi o período com menos intervenção governamental, verifica-se que os números da televisão pública são muito favoráveis ao PSD e ao seu governo.

E com os canais privados há alguma reconfiguração? É que a governamentalização é atribuída, sobretudo, a órgãos estatizados…
No início da era da concorrência, a questão da informação televisiva foi sempre referida como de abertura: mais canais, mais pluralismo, mais escolha, mais voz a quem a não tinha. É um padrão desse período. E as Presidências Abertas de Soares, muito críticas para com o cavaquismo, no segundo mandato, exploram claramente o advento dos canais privados.

O “boneco” de Soares na pantalha televisiva tem algumas semelhanças com o do atual Presidente?
São dois animais político-televisivos: Soares, o “bochechas”, é mais bonacheirão. Mas Marcelo chega ainda mais próximo do homem da rua. Cada um à sua maneira, são dois homens de comunicação de grande impacto. O audiovisual gosta deles.

E não gosta dos outros?
Eanes era uma figura avessa ao dispositivo televisivo. Cavaco também foge das câmaras. Já Sampaio esteve no meio-termo. Era um homem mais cerebral e tentou passar através do seu desempenho.

Proponho que juntemos uma sexta personagem ao seu livro: como vê o posicionamento do primeiro-ministro – que pode estar no cargo dez anos – face aos média?
Para responder, vale a pena revisitar uma história do António Costa responsável de campanha de Jorge Sampaio, em 1996. Numa entrevista, Sampaio confessou que, nas presidenciais de 1976, tinha votado em Otelo. Costa ficou furioso. Estava convencido de que isso iria prejudicar a candidatura. Isto significa que António Costa, já nessa altura, era um homem prudente, em termos mediáticos. Atento a pormenores que para outros seriam quase insignificantes, como uma linha no currículo de um candidato. Para ele, isso pode transformar-se logo numa manchete desagradável. Ele caracteriza-se por uma grande gestão da comunicação, muito calculismo e muita atenção ao que pode ser percecionado como negativo pela opinião pública. Mas considerá-lo-ia dentro desse grupo de animais político-televisivos, como Mário Soares ou Marcelo Rebelo de Sousa.

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