Está-se a assistir a uma transformação profunda nos transportes como nunca vimos antes. Essa transformação está a acontecer também na aviação civil. Vamos assistir ao aumento massivo do tráfego aéreo nos próximos anos, não apenas no que existe hoje, mas também devido a novos veículos e novas procuras.
Estima-se que os voos comerciais vão duplicar nos próximos 20 anos, apenas contando com o que existe hoje. Mas a tecnologia aeronáutica continua a evoluir, produzindo não apenas melhores aeronaves, mas também novos tipos de mobilidade, aumentando a eficiência, reduzindo custos e ajudando na inovação. Alguns casos interessantes são o Uber Elevate e o Amazon Prime Air.
Novas procuras estão a chegar, relacionadas com veículos autónomos e não tripulados, vulgarmente conhecidos por drones. Estes vão usar o espaço aéreo de formas completamente diferentes e inovadoras. O volume de tráfego esperado é avassalador: dos poucos milhares por dia que temos atualmente no mundo inteiro vão passar a vários milhões em poucos anos!
Tudo isto vai trazer novas classes de clientes e utilizadores ao mercado da aviação. Esta Era da Aviação Digital vai trazer imensas oportunidades: mais mobilidade, menos congestionamento, novas formas de pensar o espaço urbano, novos produtos e serviços, mais inovação. O céu é o limite, literalmente! Há espaço para todos, certo?
Mas esta visão também acarreta imensos desafios. O espaço aéreo precisa de ser gerido, para o bem-estar de todos. Precisamos de mais zonas para aterragem e partida de aeronaves – mais importante ainda precisamos de manter a segurança das pessoas. Veículos tripulados e não tripulados precisam de coexistir pacificamente.
Os sistemas atuais de gestão e controlo de tráfego aéreo são bastante eficientes, mas são sistemas fechados, inflexíveis – não estão preparados para os novos desafios. São feitos por profissionais e para profissionais. Os novos utilizadores do espaço aéreo, bem como as novas autoridades que irão querer regular esse mesmo espaço, não são profissionais da aviação.
Está na hora de encontrar novas soluções com capacidade de unir profissionais e não profissionais, de gerir novos processos, procedimentos e regulamentações. Essas soluções devem permitir uma escala massiva de diferentes tipos de aeronaves com diferentes tipos de operadores, diferentes capacidades, tanto tripuladas como autónomas – sem comprometer a segurança das pessoas e à prova de ciberataques. Estas soluções não podem causar problemas nos sistemas existentes. Precisam de ser revolucionárias, mas não disruptivas.
Tal como noutras transformações digitais que temos assistido noutras áreas, irá haver uma mudança gradual, começando por interligar os sistemas existentes com novos serviços e infraestruturas na cloud. A Aviação Digital vai trazer a escala, a capacidade e a flexibilidade que precisamos, bem como a criação de novos modelos de negócio, permitindo a coexistência com os modelos antigos.
Na nova Era da Aviação Digital qualquer pessoa que queira voar, poderá fazê-lo. Qualquer pessoa ou entidade que precise de uma autorização para voar, também o vai poder fazer. Esta tem de ser uma época de oportunidades e não de problemas.
Mas o que é que isto tudo significa para os dias de hoje, para as companhias aéreas, aeroportos, militares e controladores de tráfego aéreo? Bem, significa mais procura por cima de recursos já por si sobrecarregados. Significa melhorar o modelo atual com tecnologia e automatização. Significa interligar sistemas e partilhar informação. O que por sua vez significa combater ameaças cibernéticas. Significa manter um equilibro entre restringir acessos e abertura total. Significa usar informação global para antecipar e gerir eventos locais. Significa colaborar de novas formas. Mas também significa que as coisas vão piorar para todos nós, antes de começarem a melhorar.
O problema é que a aviação civil é um sistema global composto por operadores locais altamente interdependentes entre si. Um problema num determinado local causa um efeito dominó noutros locais. À medida que a procura aumenta mais rapidamente do que a oferta, a forma como trabalhamos hoje vai-nos falhar com cada vez mais frequência. Isto já está a acontecer um pouco por todo o lado.
Usemos alguns exemplos que acontecem no dia a dia da aviação civil. Imaginem um determinado aeroporto que subitamente tem um problema meteorológico, como, por exemplo, nevoeiro denso. Hoje em dia, grande parte dos aeroportos tem sistemas eletrónicos que permitem que os pilotos aterrem sem visibilidade, apenas com a ajuda de instrumentos. Por sua vez, os controladores de tráfego aéreo também estão apoiados por radares e outros sensores que permitem manter a operação sem visibilidade. Mas, apesar disso, é preciso aumentar as margens de segurança entre partidas e chegadas – causando atrasos.
As companhias aéreas, por sua vez, são pressionadas para reduzir os preços. A sua frota de aeronaves precisa de ter a maior lotação possível e de estar muito pouco tempo em terra – um avião parado só traz custos. Por isso os aviões passam o dia de aeroporto em aeroporto, parando apenas o tempo necessário para carregar e descarregar passageiros. Um atraso numa partida vai atrasar a chegada – atrasando a próxima partida desse mesmo avião num efeito dominó (dica de passageiro frequente: evite os voos ao fim do dia, são os mais afetados por este efeito dominó. Use sempre que possível os primeiros voos do dia).
As companhias aéreas nem sempre têm visibilidade das ações dos controladores. Por exemplo, um controlador pode atrasar uma partida sem dar oportunidade de escolha da companhia. Esta pode querer atrasar outro voo e trocar a ordem de partida, precisamente porque tem um efeito dominó na sua frota mais reduzido. Mas os sistemas existentes não facilitam este tipo de colaboração.
Outro exemplo são as operações no aeroporto, que estão divididas entre a parte Land (terminais, check-ins, handling e portas de embarque) e a parte Air (partidas e aterragens e tudo o que envolve o movimento da aeronave no chão). A interligação entre os sistemas Land e Air também é limitada e pode ser uma causa de frustração entre operadores.
Todos estes exemplos são ineficiências dos sistemas atuais. As novas operações, tais como as imaginadas pela Uber Elevate ou Amazon Prime Air, ultrapassam a capacidade atual de resposta. Não tenho dúvidas que o futuro passa pela transformação digital do espaço aéreo, para que todos nós possamos desfrutar de mais e melhores serviços.