Quando chegou a Portugal, em 2019, a Cloudflare tinha uma equipa de 14 pessoas. Cinco anos depois, esse número cresceu para mais de 350 colaboradores. Nas palavras de Matthew Prince, cofundador e CEO da Cloudflare, a sede em Portugal – que é simultaneamente a sede europeia da empresa – é a que mais tem vindo a crescer a nível internacional.
Na inauguração do novo escritório da empresa em Lisboa, um evento que contou também com a presença de Pedro Reis, ministro da Economia, o responsável deixou claro que a ambição é continuar a crescer, com vista à contratação de mais 400 pessoas ao longo dos próximos três anos.
Embora reconheça o que o país tem feito para acolher a empresa, Matthew Prince não escondeu que existem “neste momento, três coisas que estão a fazer com que Portugal fique para trás”, com a abordagem do governo perante a imigração a encabeçar a lista.
Recorde-se que, em 2020, o CEO da Cloudflare já tinha apontado críticas à burocracia nesta área. Dois anos depois, em entrevista à Exame Informática, as queixas ainda se mantinham. A esperança era de que surgissem mudanças significativas no horizonte à medida que entrávamos na fase pós-COVID. “Mas penso que não está definido se esse será o caso”, afirmou na altura.
Pouco mudou desde então, com o responsável a apontar para a burocracia e para os longos tempos de espera na aprovação de vistos como grandes entraves à entrada de talento estrangeiro qualificado.
Mas esta não é a única área onde desafia o governo português a fazer mudanças. A par das incapacidades do aeroporto em Lisboa, com atrasos que considera inaceitáveis para um país que não é apenas um sítio onde se passam férias, mas sim um local onde se fazem negócios, Matthew Prince aponta ainda para lacunas no sistema de educação.
Se, por um lado, o país tem feito um bom trabalho a treinar engenheiros, o responsável defende que o mesmo não se tem aplicado à formação de gestores de produto: “temos de os importar, o que nos leva novamente aos dois primeiros problemas”.
Já em declarações à Exame Informática, à margem do evento, o responsável defendeu que, se estes três problemas fossem resolvidos, a empresa conseguiria contratar o dobro das pessoas que tem em mente e até trazer para cá outras empresas.
“Muitos dos meus colegas e outras empresas entram em contacto comigo porque sabem que estou a viver em Portugal há dois meses e perguntam «Como estão as coisas? Sabes, estamos a pensar em expandir-nos para a Europa e Portugal está na lista». Eu digo que há coisas boas aqui e há coisas más”, contou.
Como realça, esta diáspora é composta por “pessoas incrivelmente talentosas e que passaram os últimos 8 a 10 anos – quiçá mais, porque muitos saíram em 2008/2009 e, portanto, estão fora há 14 ou 15 anos – a treinar na Google, Microsoft, Facebook, Apple e Amazon e são algumas das mentes técnicas mais brilhantes do mundo. E querem regressar ao país”.
Portugal é mais do que um ‘back office’
A Cloudflare tem escritórios um pouco por todo o mundo, mas, como conta Matthew Prince, apenas alguns se especializam em áreas como engenharia e desenvolvimento de produtos. O escritório em Lisboa é uma dessas localizações, mas a empresa emprega pessoas de todo o país.
“Muitas empresas, em particular, muitas multinacionais, vêm para cá e usam Portugal como um ‘back office’, enquanto que a nossa abordagem é diferente no sentido de termos alguns dos problemas técnicos mais complexos e interessantes do mundo a serem resolvidos pela equipa que trabalha neste escritório”.
O Cloudflare Radar, por exemplo, é um dos produtos desenvolvidos a partir da capital portuguesa. Como detalha John Graham-Cumming, CTO da tecnológica e líder do escritório de Lisboa, o Cloudflare Radar reúne uma “tremenda quantidade de dados sobre o que se está a passar na Internet” (e através dele) podemos segmentar essa informação em diferentes formas
A plataforma de analítica de dados continua a evoluir e o objetivo passa agora por tornar as interações mais intuitivas e por trazer novas formas de consultar os dados. O ‘segredo’ está na Inteligência Artificial e a empresa já está a implementar funcionalidades que recorrem a esta tecnologia.
Por exemplo, uma das coisas que a empresa quer fazer é dar aos utilizadores a possibilidade de entrarem na ferramenta, fazerem perguntas no seu idioma e de obterem gráficos sobre essas questões instantaneamente. “Um grande passo em frente é fazer algo que as pessoas possam, por si próprias, pesquisar sem precisarem de ter grandes conhecimentos de data science”, realçou John Graham-Cumming.
Se a IA tem marcado o sector da tecnologia, outra das tendências que se fazem sentir neste mundo é a do regresso cada vez mais ‘apertado’ aos escritórios. Para Matthew Prince esta é “uma situação que está a evoluir para toda a indústria”. “Penso que algum tipo de versão de trabalho híbrido acabe por prevalecer e algumas equipas ficarão completamente em remoto”.
Mas, segundo o responsável, a questão torna-se mais complicada quando falamos de empresas que tentam aplicar uma única política a nível transversal sem considerarem as necessidades das diferentes equipas, que podem precisar de uma maior flexibilidade consoante o tipo de tarefas que desenvolvem.
Encontrar um equilíbrio é desafiante, mas uma coisa é certa para a empresa: incentivar é melhor do que punir – motivo pelo qual investiu em tornar o escritório mais apelativo para quem lá trabalha, “O que temos visto é que, sem mudanças de regras, a utilização média aumentou dramaticamente”.
Na sua visão “ninguém quer estar num escritório feio, desconfortável e solitário, porque depois sentes-te sozinho, aborrecido e que estás a perder tempo. Por outro lado, se tiveres a possibilidade de trabalhar num sítio confortável, em que podes trabalhar com pessoas que respeitas e com quem podes aprender, e que em sintas orgulho, isso é muito mais encorajador”.