Quando a algarvia Teresa Carreiro, cofundadora da Critical Manufacturing, chegou ao Instituto Superior de Engenharia do Porto (ISEP) para estudar Engenharia Informática encontrou muitos rapazes e poucas raparigas. Trinta anos e vários programas de incentivo depois, a realidade não se alterou muito. “O ponteiro mexe muito pouco. Nas empresas andamos entre os 12 e os 18%, é uma barreira que tem sido difícil de ultrapassar”, nota. “Muitas das minhas colegas de curso divergiram para outras áreas”. Já Inês Lynce, que assumiu a direção do Programa Carnegie Mellon Portugal em 2021, nos tinha feito uma comparação semelhante, entre o que viveu quando entrou no Técnico, em 1993, e aquilo a que assiste atualmente enquanto professora em cadeiras da área da Informática.
“Há quinze, vinte anos, as empresas começaram a querer contratar mulheres e publicaram anúncios específicos, ofereceram benefícios direcionados (como oferecer cabeleireiro, o que hoje seria impensável!) mas isto não resolveu o problema”, recorda Teresa Carreiro.
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Pode dizer-se que já muito tem sido feito – em todo o mundo – para atrair raparigas para as carreiras mais técnicas, em particular para a área da programação. Programas como o Girls in Tech ou o Women in Tech exibem percursos que possam servir de inspiração e até a UNICEF produziu um relatório que analisa a situação a nível mundial e aponta soluções para combater a disparidade.
Desde a fundação da OnRising, em 2017, hoje Velv, que a promoção da diversidade é uma das palavras de ordem na empresa de software. O que se traduz em vários indicadores: 60% das chefias são mulheres, 45% dos clientes são internacionais, 50% dos colaboradores são internacionais, de dez nacionalidades. Mas quando chegamos à taxa de mulheres programadores não fugimos muito do habitual: 15 por cento.
Menina não entra
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Para Vitória Pádula Correia a chegada à Velv tem sido uma “experiência de redenção”, depois de diversos episódios em que se sentiu discriminada e diminuída relativamente às suas competências por ser “mulher e tatuada”, conta. O primeiro embate acontece aos 14 anos quando aderiu ao Clube de Robótica da escola estadual no Rio de Janeiro que frequentava. No clube, o sentimento geral era de que aquilo não era para meninas. “Era um ambiente de ‘não vão durar muito nesta área’”, recorda. Nesta altura acabou por trocar a robótica pelo latim, mas quando chegou o momento de escolher um curso voltou ao interesse da adolescência e escolheu Eletrónica. A entrada no mercado de trabalho no Brasil da era Bolsonaro não foi muito diferente e chegou a ser preterida num processo de seleção apesar de ter tido a nota mais elevada. A viver em Lisboa desde 2019, Vitória já se habituou a ser a única mulher na equipa de desenvolvimento.
“Temos falado muito sobre a forma de atrair talento no feminino, é um trabalho difícil”, admite a diretora de Recursos Humanos da Velv, Nádia Ferreira. Mesmo assim, acredita que o facto de existirem várias mulheres nos cargos de direção transmite segurança e indicia que se trata de um lugar onde “se podem sentir bem.”
36% de desigualdade
A disparidade não se fica pelo acesso às carreiras técnicas. Um relatório lançado pela Fundação José Neves, por ocasião do Dia Internacional da Mulher, mostra que em 2020 o salário médio dos homens licenciados foi de 2211€, um valor 36% superior ao salário médio das mulheres com licenciatura (1629€). Uma ténue melhoria relativamente ao ano de 2010, em que a diferença era de 42 por cento. Esta redução deve-se, em grande medida, ao crescimento mais acentuado do salário médio das mulheres licenciadas no período pós-crise financeira. Entre 2017 e 2020, este crescimento foi de 2,8% para os homens e de 5,4% para as mulheres, aponta o Insight. Treinadores, instrutores e árbitros de desportos; chefes de cozinha; diretores gerais e gestores executivos de empresas; diretores das indústrias de construção e de engenharia civil são as atividades em que a diferença é mais acentuada. Apenas seis das 129 profissões qualificadas, que constam na plataforma Brighter Future, garantem às mulheres um salário médio superior ao dos homens com licenciatura: professores do ensino básico (1º ciclo); educadores de infância; realizadores, encenadores e produtores de cinema, teatro, televisão e rádio; técnicos em redes, sistemas de computadores e Web; biólogos, botânicos, zoólogos e especialistas relacionados; especialistas do trabalho social.
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Marta Silveira, licenciada em engenharia de gestão industrial, pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, está habituada a ambientes com muito mais homens do que mulheres. Na empresa da área dos semicondutores em que trabalhou durante três anos a proporção era de 20 em 200, além do habitual predomínio masculino nos cursos de engenharia. Mas para a engenheira esta nunca foi uma questão relevante, nem um obstáculo. E não terá sido o género que a condicionou na altura em que decidiu enveredar por uma carreira ainda mais técnica, frequentando o curso SWitCH, promovido pelo ISEP e pelo Porto Tech Hub, para reconversão de carreiras. Nem quando dois meses antes de terminar a formação de nove meses começou a ser contactada por empresas em busca de talentos. “Mais importante do que os números é sentir que tenho voz, que a minha opinião conta, sentir-me valorizada pelas minhas competências”, reforça a programadora da B6 Software Solutions. Nesta empresa especializada em programação para a área da cultura/espetáculos, Marta encontrou um equilíbrio muito maior do que até então: em dez colaboradores, quatro são mulheres. Mas, sublinha, “nunca tomaria uma decisão [na escolha da empresa onde trabalhar] baseada na questão do género.”
Admitindo que não tem fórmulas mágicas, Teresa Carreiro diz que é importante aumentar a autoconfiança das raparigas. Têm de acreditar nas suas capacidades, para deixarem de padecer da “síndrome do impostor”, como nota Vitória. “Na programação as mulheres são menos tolerantes consigo próprias, têm a preocupação de não danificar a imagem.”
Além de retratar o problema, a Unicef deixa no seu relatório algumas recomendações para o combater:
– Disponibilizar mais recursos para o ensino das STEM (Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática) aos educadores
– Verificar a representatividade de género nos currículos STEM
– Aumentar a exposição a role models
– Ultrapassar os habituais estereótipos de género