Star Wars, Dragon Ball, Guerra dos Tronos, Batman, Spider-Man… Os exemplos são quase infindáveis. O que antes fazia as delícias de um nicho da população faz agora parte da vida de praticamente toda a gente. Uma prova é que a Sonae fechou uma parceria com a loja de cultura pop belga Road Sixty Geek e já implementou em 20 hipermercados Continente produtos do universo geek como t-shirts, figuras ou Funko POPs de séries, filmes ou videojogos.
Em entrevista à Exame Informática, David Kauffman, 44 anos, fundador da Road Sixty Geek e com um passado na indústria dos videojogos, explica a parceria e revela o trajeto de uma marca que já conta com 80 lojas em França, Bélgica, Luxemburgo e Roménia.
Exame Informática: Como alguém que tem trabalhado na área de cultura pop, consegue identificar um momento ou uma era em que gostar de coisas geek se tornou mais ‘cool’ ou mainstream em vez da desconfiança que recaía em quem gostava de Star Wars, por exemplo, nos anos 80?
David Kauffman: Acho que temos cada vez mais entretenimento nas nossas vidas e a Internet também ajuda a espalhar a cultura pop a grande velocidade, algo que não tínhamos nos anos 80. Nessa altura, tínhamos videojogos, mas muito básicos quando comparados com as superproduções de hoje. Também não tínhamos streaming, que é algo muito bom para a cultura pop. Acho que a multiplicação de métodos de entretenimento encoraja-nos a sermos fãs de alguma coisa. Durante a pandemia, as horas passadas no streaming, tal como nos videojogos, explodiram. Portanto, quem não era fã antes, passou a sê-lo e adotou uma nova forma de consumo. É também por isso que a cultura pop está mais forte do que nunca. Hoje vemos os números a explodir. Também há muitos fabricantes a dar resposta a estas necessidades de produtos. E vemos a ligação entre os fãs, as marcas e os fabricantes.
Como surgiu a oportunidade para a Road Sixty Geek entrar em Portugal? Foi um convite da Sonae ou algo que vocês já estavam ativamente à procura?
Foi um pouco mais complicado. Já tínhamos presença na Bélgica, Luxemburgo, Roménia e França e eles viram-nos em França e quiserem ter uma conversa comigo para tentar imaginar um conceito da Road Sixty para Portugal. Não queremos ‘copiar e colar’ tudo o que fazemos, por exemplo, na Bélgica, França ou Portugal, queremos ter em conta as especificidades do mercado. Sei que alguns licenciamentos são muito populares na Bélgica, mas que não o são em Portugal. Por exemplo, aprendi duas coisas muito recentemente: o Halloween em Portugal não é tão popular como em França ou Bélgica, o que foi uma grande surpresa para mim; e o Natal começa muito cedo em Portugal, com as compras a começarem já em novembro. Estas diferenças culturais fazem-me estar a aprender constantemente como o mercado funciona.
Como funciona o vosso modelo de negócio nesta parceria com o Continente?
É muito simples. Tentamos oferecer um modelo ‘tudo em um’ e ajudar na seleção dos produtos, no licenciamento, na identificação do momento do ano mais ajustado para o lançamento de algo relacionado com um filme, série ou manga… Economicamente, não me pagam por esse trabalho, faço-o com um parceiro de distribuição.
É possível quantificar o valor deste mercado? Não só a nível de Portugal, como também globalmente?
Não temos números mundiais, não é como o setor dos videojogos que entrega muitos dados, porque temos muitos mais produtos do que os videojogos – temos revistas, figuras, roupa… é impossível monitorizar tudo. Mas com o nosso conceito, em três anos, vemos, por exemplo, que em França ou na Bélgica os números duplicam todos os anos, o que já pode dar uma ideia da dimensão do negócio e especialmente do potencial. O negócio está melhor do que nunca também pelo facto de ser algo mais comportável do que brinquedos ou videojogos. Os videojogos são muito caros para PS5 ou outras consolas. Os brinquedos também são muito caros e neste negócio pode-se comprar uma revista, uma figura pequena, um Funko ou algo assim. Acho que é uma das razões para ser um dos setores em rápido desenvolvimento.
É possível identificar que tipo de produtos ou temas despertam maior interesse nas pessoas?
Sim, claro, isso é algo muito importante para nós. Mais uma vez, depende do país, não queremos vender o mesmo produto e o mesmo licenciamento se estivermos na Bélgica ou em Portugal. Por exemplo, para ser concreto, as vendas de Pokémon em Portugal são loucas, foram inacreditáveis. Na Bélgica, o Harry Potter é mais forte. Há diferenças também a nível de produtos. Por exemplo, em Portugal gostam dos Funko, enquanto na Bélgica a categoria preferida são as figuras com um preço elevado, objetos muito associados a colecionáveis.
Já consegue identificar algum hábito de consumo típico dos portugueses?
Ainda é muito cedo para dizer, mas o facto de estarmos nos hipermercados Continente permite-nos ter acesso a múltiplos perfis. Nesta fase, identificámos três perfis diferentes: o responsável familiar que está a fazer as compras alimentares e quer dar uma alegria a um membro da família, algo do género de compra por impulso; as crianças, porque já são fãs do merchandising e da cultura pop; e, menos óbvio, pessoas na casa dos 30 a 35 anos que procuram algo nostálgico que lhes lembre a infância. Não queremos apenas vender produtos e ser mercantis, queremos oferecer a possibilidade de sonhar com a cultura pop e de viver esse sonho. Queremos criar sentimentos com os produtos, porque normalmente vendemos personagens icónicas de que alguém é fã, não estamos a vender batatas ou tomates, significa algo.
A vertente do licenciamento consiste na maior parte do seu trabalho? Por exemplo, nesta parceria com o Continente, trata sozinho do licenciamento para Portugal?
Conversamos bastante com a Sonae, não queremos decidir tudo. Mas o licenciamento é uma grande parte do nosso negócio, precisamos de estar ligados à Disney, Amazon, Netflix, etc., e de ter uma boa ideia das expetativas e necessidades para fazermos parcerias. Por exemplo, posso dizer que, dentro de algumas semanas, teremos uma grande parceria com a Disney Portugal e que a vamos replicar na Bélgica e França. Teremos provavelmente também uma parceria com a Netflix em Portugal. É superimportante, porque se não tivermos o suporte dessas empresas não poderemos contar com o aconselhamento delas sobre lançamentos a longo prazo. Temos de fazer parte deste ecossistema, mesmo que, por vezes, seja difícil.
Pessoalmente, qual o seu género de item ou tema preferido desta cultura pop?
É fácil, é o Homem de Ferro. Também sou fã de Star Wars, porque foi a minha primeira saga de ficção científica, era uma criança e fiquei muito impressionado. Também estive no setor de videojogos durante muito tempo, o que me ajudou com a cultura pop. O meu super-herói preferido é o Homem de Ferro, mas antes era o Batman, quando eu era mais pequeno e lia as revistas ou via as séries na televisão. Vejo muita coisa através de streaming, mas também na perspetiva de produto, que nos permite descobrir heróis… Adoro manga também, Dragon Ball, One Piece… Sou um público muito bom para esse tipo de coisas. (risos)
Quais são as ideias que tem para o futuro da Road Sixty Geek?
Há duas formas de olhar para o futuro. A boa é expansão geográfica, porque é importante continuar a crescer. A outra é que, quando atingimos um certo nível, há muitas pessoas a querer fazer o mesmo e copiar-nos. Mas já estamos a falar com outras pessoas e outros mercados para expandir o conceito. E, claro, em Portugal talvez possa haver outras ambições, veremos como irá resultar e depois talvez abramos a nossa própria loja ou em parceria com a Sonae. A implementação nas 20 lojas é muito recente, pelo que precisamos de ver como o público português irá reagir.