William Tian, que lidera o negócio de consumo da Huawei na Europa Ocidental, explica, em entrevista, as razões que levaram a Huawei a perder quota de mercado nos smartphones e avança como o crescimento da marca se vai fazer em outros segmentos de mercado. O executivo da marca chinesa, que falou connosco na sede da Huawei em Lisboa.
A Huawei passou de um crescimento exponencial no mercado dos smartphones para uma queda rápida. O que aconteceu?
Fomos alvo de bloqueios americanos, primeiro no 5G e depois nos chipsets. Esta é a razão que nos impede de fornecer mais smartphones ao mercado. A razão não foi a falta de procura por parte dos consumidores. Os consumidores continuam apaixonados pelos smartphones da Huawei e anseiam por novos modelos. Mas não temos a capacidade de responder à procura pelas razões mencionadas. Felizmente estamos a crescer em outras categorias. Temos a estratégia 1+8+N para disponibilizar a Seamless AI Life, que temos estado a implementar muito bem. Por exemplo, na área do áudio, os nossos recém-lançados Freebuds 4 e Freebuds 4i ajudaram-nos a crescer, do ano passado para este, mais de 150% no segmento de áudio no mercado português. Nos wearables, o crescimento foi de mais de 25%. Já estamos no Top 2 do mercado nos wearables. Um sucesso similar ao que tivemos nos smartphones há dois anos, o que prova que podemos liderar em categorias como áudio, wearables e monitores.
Os bloqueios que indicou significam que a Huawei vai deixar de desenvolver os seus processadores de alto desempenho?
Definitivamente não. Continuamos a ter um orçamento enorme para pesquisa e desenvolvimento de novos chipsets. E continuamos a trabalhar com os nossos parceiros industriais, nomeadamente com os nossos fornecedores, para desenvolver e produzir chipsets. Podem contar connosco: vamos ter os nossos fornecedores e vamos ter os nossos chips.
Mas, entretanto, a Huawei vai recorrer a processadores de outros fabricantes, como aconteceu com o novo MatePad 11, que usa um processador Snapdragon da americana Qualcomm?
A Huawei defende um ecossistema aberto, que permita a colaboração entre empresas. Criamos os nossos produtos e componentes, incluindo chipsets. Mas trabalhamos com vários parceiros, com diferentes fornecedores de componentes. O mundo da tecnologia é muito integrado. Não há nenhum fabricante que possa viver sozinho, que não dependa de outras empresas.
Já mencionou a vossa estratégia 1+8+N, onde o 1 representa o smartphone, que é central a todo o sistema. Como tal, não há o risco de a queda de vendas nos smartphones afetar os outros segmentos?
É verdade que o smartphone é ainda um dos dispositivos mais importantes para nós e, por isso mesmo, vamos continuar a desenvolver novos modelos. Mas, se olhar para o mercado, o crescimento das vendas dos smartphones era muito grande há dez anos, mas agora está a atingir o teto. O mercado já está maduro. Por outro lado, o mercado IoT, que inclui áudio e wearables, está a crescer muito rapidamente. Basta considerarmos que praticamente toda a gente já tem smartphone, mas apenas uma em cada quatro ou em cada cinco pessoas com smartphone já usa dispositivos IoT. Podemos prever que no futuro toda a gente vai usar wearables ou dispositivos de áudio. A tecnologia está a evoluir rapidamente. Por exemplo, agora os wearables já permitem muito mais do que monitorizar apenas os passos que damos. Já medem a pulsação cardíaca, o nosso perfil de sono… E no futuro serão capazes de apresentar verdadeiros indexes gerais da nossa saúde. Voltando à sua pergunta, a resposta é sim, vamos continuar a nossa estratégia 1+8+N. Não vamos desistir dos nossos smartphones. Vamos regressar. Por outro lado, estamos a desenvolver a outras categorias muito rapidamente.
A abertura que indicou para trabalhar com parceiros significa que os vossos dispositivos IoT vão funcionar sempre com outros smartphones?
Sim, é o que já acontece atualmente. O nosso Watch 3 funciona com outros smartphones Android e até com o iPhone através da app Huawei Health.
Mas isso não é contraditório com a ideia de ecossistema próprio que a Huawei está a desenvolver, incluindo até um sistema operativo, o HarmonyOS?
Acreditamos em plataformas abertas, na colaboração entre as várias marcas. Por exemplo, o Watch 3 já funciona com o HarmonyOS. A integração entre software e hardware permite uma experiência excelente. Quando juntamos diferentes dispositivos HarmonyOS é como se criássemos um superdispositivo. Por outro lado, os nossos dispositivos, como smartphones, wearables, monitores e áudio, podem trabalhar com todos os outros aparelhos. Podemos potenciar a experiência de quem usa o nosso ecossistema, mas também garantimos o funcionamento com outros sistemas.
Com o lançamento do HarmonyOS reforçou-se a ideia de a Huawei como alternativa às plataformas da Google e da Apple. Acredita, realmente, que há espaço para uma terceira plataforma, considerando que outros gigantes da tecnologia, como a Microsoft, tentaram sem sucesso?
Sim, definitivamente. Porque o HarmonyOS não foi criado apenas para os smartphones. Foi desenhado para o IoT, nesta era do IA e do 5G. Como disse há pouco, o mercado dos smartphones está maduro, não está a crescer, mas outras categorias estão a crescer rapidamente. A visão da Huawei é conectar todos estes dispositivos. Permitir que todos estes dispositivos funcionam perfeitamente em conjunto. O HarmonyOS é um sistema operativo para o IoT. E não nos podemos esquecer que, globalmente, a Huawei tem 700 milhões de utilizadores. Um número que continua a crescer todos os dias. Há fortes razões para acreditarmos que podemos trazer uma melhor experiência para estas centenas de milhões de utilizadores. E trabalhamos com parceiros de várias áreas, como máquinas para cozinhar, máquinas de limpeza, dispositivos smart home… Trabalhamos com eles para permitir que possam ligar-se perfeitamente aos nossos dispositivos. Esta é a força do HarmonyOS.
Criar um ecossistema e um novo sistema operativo traz grandes desafios, como a localização. Por exemplo, um assistente digital que fale o nosso idioma ou mapas com informação contextual. A Huawei está preparada para responder a todos estes desafios?
Definitivamente. E começo com um exemplo. Há dois anos identificámos as três mil apps mais importantes. Isto para todo o mundo. Hoje, mais de 95% dessas apps estão disponíveis na nossa App Gallery. O que significa que os utilizadores da Huawei já têm acesso a 95% das apps mais populares. Incluindo em Portugal. Os 2 milhões de utilizadores de smartphones Huawei em Portugal já têm acesso às apps locais mais populares, como as apps bancárias. Sim, é um trabalho desafiante, mas temos respondido muito bem.
Mas vou dar-lhe o meu exemplo. Acordei e usei o relógio despertador inteligente que tenho ao lado da cama para saber, via Assistente Google, o estado do tempo e consultar a agenda; em seguida fui verificar o trânsito e planear a viagem para aqui via Google Calendar e Google Maps; e, no carro, usei o Android Auto para seguir as indicações de navegação e ouvir música no Spotify. Nada disto seria possível num smartphone Huawei sem serviços Google. Vamos ter soluções alternativas da Huawei para tudo isto?
Volto a insistir na nossa ideia de plataforma aberta. Não vamos desenvolver tudo sozinhos. Trabalhamos com parceiros de conteúdos, de serviços… Mas também temos um assistente digital com voz. Vamos lançar este serviço em outros mercados, passo a passo. Já estamos a comercializar smart speakers, como o que usou hoje de manhã, no mercado chinês e vamos expandir para outros mercados. Já temos o Petal Maps para ajudar na navegação… Estamos a desenvolver estas funcionalidades passo a passo. Na China estamos a desenvolver soluções para trazer para o carro todos os conteúdos, o ecossistema e as apps. Isto significa que quando nos sentarmos no carro vamos ter uma experiência similar ao do smartphone, mas num ecrã maior e em segurança. Estamos a trabalhar, na China, com grandes nomes da indústria automóvel, incluindo marcas europeias. Não posso revelar nomes, mas estamos a avançar também nesta área. Uma vez mais, primeiro para os consumidores chineses, mas depois para os outros mercados.
E qual é a importância do mercado português para a Huawei?
O mercado português é, definitivamente, muito importante para nós. Os portugueses têm uma mente aberta. Estão sempre entre os primeiros a adotar os novos produtos da Huawei. Para nós, Portugal é um mercado pioneiro para a Huawei.
Como se comparam as vendas em Portugal com o resto da Europa?
Claramente acima da média. A nossa equipa portuguesa está a trabalhar afincadamente e tem conseguido desenvolver muito bem os segmentos do áudio, dos wearables e do PC nos últimos dois anos. Já somos top 2 no mercado dos wearables em Portugal, com uma quota de mercado de quase 25% e um crescimento de 25% do ano anterior para este. No segmento dos auriculares, o crescimento foi de 150% relativamente ao ano passado.
A Huawei não tem sido afetada pelas falhas de fornecimento nos semicondutores?
Temos um fornecimento estável para os produtos +8, como os wearables, áudio, monitores, PC… Atualmente, a nossa única restrição no fornecimento permanece nos smartphones pelas razões já discutidas.