Parece um cenário cada vez mais inevitável – a criação de um euro digital, uma versão totalmente desmaterializada do euro tal como o conhecemos, por parte do Banco Central Europeu. Hélder Rosalino disse nesta terça-feira, num evento promovido pela startup Coding Libra, que “o euro digital pode ser uma revolução monetária quase sem precedentes”.
O Banco Central Europeu (BCE) já publicou um primeiro relatório sobre a criação do euro digital, documento que vai estar em consulta pública até janeiro do próximo ano. Disponível desde outubro, o relatório já recebeu mais de cinco mil contribuições, “o que revela o interesse e a importância do tema”, sublinha o administrador do Banco de Portugal (BdP).
Por agora só existe um estudo, mas no verão do próximo ano a ideia do euro digital pode começar a ganhar forma. Entre julho e setembro vai realizar-se um conselho de governadores dos bancos centrais da zona Euro e do qual pode sair a ‘luz verde’ para que se passe da teoria à prática – avançar para uma fase de criação de soluções técnicas que permitam identificar os problemas associados à emissão do euro digital.
A mesma moeda, um formato diferente
O euro digital será muito diferente de outros ativos digitais, como o Bitcoin por exemplo. No caso do euro digital, a emissão da moeda seria feita pelo BCE e, por isso, existiria uma garantia constante do valor da moeda – o euro digital valerá o mesmo que o correspondente em moedas ou notas. Como tal, é uma moeda digital sem risco associado, já que “representa uma responsabilidade do banco central”.
O euro digital será guardado numa carteira (wallet) digital e poderá ser usado, acima de tudo, para fazer pagamentos em loja. E se estiver a pensar que o dinheiro que tem num depósito no banco, por exemplo, já é uma espécie de euro digital, o administrador do BdP faz uma distinção: esse dinheiro é considerado uma moeda eletrónica. E no caso do euro digital, o saldo não é garantido por um banco, mas sim pelo BCE (tal como se tiver uma nota de 20 euros, esse valor não faz parte do seu saldo no banco).
“É para substituir notas e moedas físicas? Não. O euro digital deve complementar, não substituir o numerário, nem substituir os depósitos junto do banco central”, explica Hélder Rosalino.
Como será executado este euro digital ainda é uma incógnita, pois só após o fim da consulta pública é que será avaliada a melhor forma de concretizar esta ideia, mas existem alguns requisitos já definidos: deve ser um meio de pagamento simples, confiável e tem que atender a questões relacionadas com a privacidade. Neste último capítulo, há quem defenda que deve ser de uso totalmente anónimo – tal como acontece com o dinheiro físico, já que é quase impossível saber quem utilizou que moedas e notas – e há quem defenda alguma rastreabilidade.
Uma ameaça crescente
Mais do que o aparecimento do fenómeno das criptomoedas, é o facto de 80% dos bancos centrais a nível mundial estarem a estudar a hipótese de terem moedas digitais próprias que está a fazer soar o alarme junto do BCE. “O que justifica euro digital? A necessidade de garantir a independência da economia europeia, o papel do euro pode ficar em causa se outras moedas ganharem predominância”, adianta o responsável do BdP.
Além das moedas de outros bancos centrais – os EUA também já estão a estudar a hipótese de criar um dólar digital e a China está mesmo a testar o renminbi digital –, existe o ‘perigo’ das moedas criadas por entidades privadas, como é exemplo a Libra do Facebook.
“Se a Libra do Facebook conseguir ver a luz do dia, se for uma stablecoin [moeda associada a ativo pouco volátil] fiável, se tiver por trás um conjunto de ativos estáveis e se o risco de perder o dinheiro que está na wallet é baixo, e se em cima do risco baixo ou muito baixo forem acrescentadas funcionalidades, poder usar essas moedas numa rede social como o Facebook ou o Instagram, com um conjunto de vantagens associadas a essa utilização, pode retirar espaço às moedas dos bancos oficiais”, alertou Hélder Rosalino.