Massimo Banzi, CEO da Arduino, tem as nuvens como único limite. Depois de dois anos mais ou menos tumultuosos, a Arduino prepara-se para atacar em força o IoT e o cloud computing. Em breve será lançado um novo pacote de software e hardware, que se mantém em segredo.
Por que regressou à liderança da Arduino?
Não vou entrar em muitos detalhes. A Arduino tem cinco fundadores. Quatro tiveram problemas com um dos fundadores, por ter tentado fazer coisas que não gostámos. Durante dois anos houve um processo no tribunal – nós processámos um dos fundadores. Durante o processo arranjámos forma de resolver esta situação e, em julho, comprámos os 100% da Arduino – e o outro fundador foi fazer outra coisa. Os fundadores originais queriam decidir o que fazer com o Arduino.
Apesar de toda a tecnologia e de todos os métodos mais ou menos científicos, a personalidade continua a ser um fator importante na gestão de uma startup…
É importante que as pessoas envolvidas realmente queiram saber do produto e da comunidade. Nos últimos dois anos nem sempre foi o caso. Tivemos situações em que a outra parte em litígio nos obrigou a aceitar o CEO; e essa pessoa também não foi totalmente honesta no que toca aos seus graus académicos. Nós sentimos que realmente queiramos saber da comunidade; preocupamo-nos com o impacto que o Arduino tem no mundo; e sim, queremos claramente gerir uma empresa que faz dinheiro, mas não é o único objetivo.
E hoje o que pode dizer do impacto que Arduino tem tido no mundo? Há cinco anos toda a gente falava do Arduino… agora raramente se encontram notícias!
Há muitas couisas que podem ser ditas sobre isso. O Arduino tem produzido um enorme impacto no mundo. Um exemplo: o nosso site tem quase 40 milhões de utilizadores num único ano. O que significa que 40 milhões de pessoas vêm ao nosso site, pelo menos, uma vez por ano. Em média, cada uma destas pessoas passa seis minutos no nossp site – o que leva a crer que haverá quem passa mais de meia hora no website- Há milhões de placas Arduino oficiais e há muitos milhões de cópias compatíveis. E há muitas pessoas no mundo que fazem dinheiro com tecnologias Arduino. Permitimos que muitas pessoas façam negócios, criem inovação. Isto teve impacto no mundo, inquestionavelmente. A Arduino está numa situação em que ajudou muitas pessoas…
… Mas será que fez o suficiente para si própria?
É uma empresa que fez bastante dinheiro. Neste momento, suporta 50 pessoas em diferentes escritórios. Em três anos provavelmente seremos 100 pessoas. Hoje o Arduino faz parte do dia-a-dia da vida de milhões de pessoas… é usado nas escolas e no trabalho. Obviamente, fala-se menos do Arduino como uma novidade e há menos discussão sobre o que Arduino tem feito e sobre o que as pessoas estão a fazer, e o impacto que geram. Estamos a fazer um grande trabalho…
Esse trabalho está relacionado com a aposta no cloud computing?
Sim, essa a ideia, há 12 anos o objetivo era explicar às pessoas o que era um microcontrolador. Hoje, a ideia é encontrar uma forma de mostrar a todas as pessoas que, apesar de não terem experiência, podem criar um projeto conectado, através do conceito da Internet das Coisas (IoT). Muitas pessoas estão a construir projetos de IoT, mas esses projetos geralmente exigem muita experiência e conhecimentos técnicos em computação, hardware, conectividade. A questão é saber como é que se cria um sistema que torna muito simples criar aplicações de IoT. E para isso criamos uma plataforma de Cloud que é conhecida por Create, onde as pessoas, com o browser podem programar para o Arduino; e podem correr código em qualquer Arduino que esteja conectado à Internet. Na última semana anunciámos uma ferramenta, que permite programar computadores ou gateways de IoT da Intel, usando Arduino. O que nos permite seguir a lógica do Fog Computing. E torna possível usar o conhecimento no Arduino para desenvolver soluções em computadores mais potentes que o Arduino.
Portanto, torna-se possível usar placas da Intel com programação do Arduino! A Arduino não estará a arriscar-se ao fazer um acordo com um potencial concorrente bem maior?
Temos parcerias com toda a gente… com a Microsoft, com a ARM, com a Intel, com a Samsung. Temos parcerias com várias marcas. Trabalhamos em open source e isso também pode produzir vários problemas. Se por vezes trabalharmos com a Intel ou com a ARM, melhor. A ideia é que a nossa plataforma possa ser usada para programar o que se quiser: de computadores muito pequenos a computadores muito grandes. O objetivo é disponibilizar estas ferramentas, especialmente a pequenas empresas, que não têm todo dinheiro que precisariam para lançar projetos IoT. E isto torna tudo muito mais simples para a implementação de soluções.
Vão manter-se como uma empresa de software e hardware… não há qualquer perspetiva de abandonarem o hardware?
Não, de modo algum. Sempre que desenhamos um produto, temos sempre hardware e software, implementação e formação. Para que esta visão seja possível, as pessoas precisam de hardware simples, que seja fácil de implementar; precisam de software que seja totalmente compatível com este hardware e que seja fácil de criar projetos e lançá-los no mundo real. Para isso temos sempre de fazer hardware, software, manuais, formação… tudo num pacote único.
E qual o próximo pacote que se segue?
Muitas das coisas são ainda segredo. Há alguns anos começámos a trabalhar num produto conhecido como MKR, com placas de Arduino muito pequenas, que têm sempre um qualquer tipo de conectividade… seja Sigfox, seja Lora ou GSM. Esta família produtos vai continuar a desenvolver opções de conectividade. Quem quer quiser desenvolver um projeto tem estes modelos, que já sabe que são compatíveis. O objetivo da Arduino é pegar em tecnologia complexa e torná-la simples, para que se possa tornar uma ferramenta criativa. Isto pode ser aplicado hoje ao hardware e amanhã ao IoT, … mas pode aplicar-se a qualquer tecnologia complexa. Até ao Linux, que é uma tecnologia complexa. Estamos a trabalhar para que seja muito simples as pessoas trabalharem com máquinas Linux, sem ser necessário ser um especialista. Podemos aplicar a “magia” do Arduino para tornar o Linux mais simples.
E não vão lançar mais nada?
No passado, fazíamos anúncios e depois descobríamos falhas e o lançamento já não era feito nas datas que se previam. E as pessoas criticavam… agora temos por regra, só anunciarmos quando as coisas estão prontas para sair. Um mês antes, no máximo. O que posso dizer é que há muitas tecnologias que as pessoas acham complicadas e que o Arduino tornou simples… para que as pessoas possam criar, inovar.
Que simplificação é essa?
Por exemplo, quando se quer usar um dispositivo como o Raspberry Pi em projetos IoT, é necessário arranjar um sistema operativo, ler um sem número de instruções, software para instalar, programar… é necessário procurar constantemente coisas na Internet para depois a juntar e criar uma solução. Com o trabalho que fizemos com a Intel, se quisermos criar uma máquina Linux, apenas é necessário conectar um cabo ir ao nosso site e clicar «next», «next», «next», e o nosso software automaticamente instala os sistemas operativos e todos os softwares que são necessários para criar um projeto IoT. Depois de cinco minutos, já é possível programar e enviá-lo para qualquer ponto do mundo onde esteja essa placa…
Ainda é uma coisa para geeks… Será que essa fronteira da geekolândia nunca será eliminada?
O problema é que geeks são uma pequena percentagem de pessoas muito inteligentes, e que conseguem ir a um site ler instruções e descarregar o sistema operativo; e depois ir a outro site, ler instruções e descarregar outro software ou linhas de comando em Linux. Eles fazem isto e podem usar qualquer software porque sabem como fazê-lo. Mas 90% das pessoas que podem beneficiar desta tecnoçlogia não sabem como fazê-lo…
… O que tem de mudar? As crianças terão de aprender a programar, mesmo que não queiram ir para a indústria das tecnologias? Ou será necessário criar novas linguagens de programação?
A indústria precisa de criar ferramentas mais simples. Há muitos anos programar um computador exigia um conjunto de especialistas com batas brancas. Agora, muita gente usa Excel ou Open Office para fazer modelos matemáticos muito complexos – e não são programadores, mas estão a programar. Há 30 anos, uma empresa teria de contratar um conjunto de programadores para trabalhar com códigos; hoje, há quem o faça com o Excel. O problema é que a indústria necessita de fazer ferramentas que tornem simples usar as tecnologias…
… e as crianças devem ou não aprender essas ferramentas nas escolas?
Temos um conjunto de programas para introduzir as tecnologias nas escolas. Em Espanha, temos um projeto que envolveu mais de 20 mil alunos. Há quem queira ensinar as crianças a programar… mas o problemas é que ensinar as crianças a programar é como ensinar a usar um martelo. É uma ferramenta! O que é que vamos realmente ensinar? Temos de ensinar a programação como uma ferramenta criativa, que pode ser usada na robótica ou na música.
Mas esse ensino deveria ser obrigatório ou opcional?
Penso que deve haver aulas que ensinam as tecnologias aos miúdos. Não é preciso começar logo com a programação. Se calhar faz mais sentido mostrar como é que a Internet funciona. Ou o que significa ser um cidadão digital… devemos ensinar tecnologias, mas como sendo um meio criativo, para inventar alguma coisa. Caso contrário é apenas mais uma disciplina… os miúdos sentam-se nas aulas a assistir e não sabem por que estão ali, nem sabem por que é que aquela matéria é importante para as respetivas vidas.
A Arduino ainda tem a pretensão de ser uma das maiores empresas de tecnologias do mundo?
O meu sonho não é ser uma nova Google. A empresa já dá lucro; queremos contratar mais pessoas porque queremos trabalhar com várias tecnologias. Se tivermos cuidado com o produto e com a comunidade, então o dinheiro virá. Mas se o objetivo principal for só o dinheiro, então deixamos de ter cuidado com o produto e com a comunidade, e as pessoas, deixam de querer saber.
Mas acredita que a Arduino conseguirá sair do segmento da prototipagem?
Claro, há um sem número de empresas que usam Arduinos em automação, ou em produtos finais. Há uns anos havia várias empresas grandes que usavam uma placa Arduino nos produtos que vendem, porque é uma solução standard que funciona com qualquer tecnologia. Estas aplicações não são daquelas coisas que costumam aparecer em blogues. Um exemplo, houve alguém fez um vídeo com uma bola física para jogar Pokémon Go e consegue mais de 5000 visualizações… mas depois podemos ter um vídeo com um dispositivo com Arduino que deteta o cancro e apenas tem 1000 visualizações. O problema é que as coisas divertidas são sempre mais populares. Mas se mostrarmos aplicações em produtos, em ferramentas, em coisas do dia-a-dia… concluímos que é fantástico.