A Nokia acaba de estrear Nokia X com três novos terminais – o Nokia X, o Nokia X+, e o Nokia XL. Estes dispositivos funcionam com base no Android Open Source Project (AOSP), um projeto de código aberto que é liderado pela Google. Este anúncio chega três anos depois do famoso discurso da “plataforma explosiva” ser proferido por Stephen Elop, CEO da Nokia, depois de decidir abandonar o sistema operativo Symbian e adotar o Windows Phone como a principal plataforma, acabando ainda com o MeeGo, pelo meio.
Três anos depois, a Nokia decide enveredar pelo Android para expandir o raio de ação para os smartphones de muito baixo custo, mas levanta também uma questão importante: Será esta uma estratégia pragmática ou a Nokia está a apoiar-se numa nova “plataforma explosiva”?
Este é um movimento bastante racional, e a Nokia, ao contrário de outras marcas em apuros, não olha a meios para fazer o que for preciso para sobreviver, mesmo se isso exigir uma viragem de 180 graus na sua estratégia. A Nokia não está a crescer tão rapidamente como esperava nos smartphones Lumia com Windows Phone; o portfolio Asha não está apta a competir com smartphones que correm Android e que estão à venda a preços muito baixos nos denominados mercados emergentes; e os Windows Phones não estão posicionados para dar resposta aos segmentos de preços muito baixos, que vão crescer nos próximos anos, em particular nos denominados mercados emergentes. E esta nova família de dispositivos pode dar resposta a estes desafios.
Ao lançar um dispositivo AOSP, a Nokia fica em condições de chegar a um número de utilizadores bastante maior. No final de 2013, o Android tinha uma base de 1,2 mil milhões de utilizador no mundo, o que corresponde a um 69% dos utilizadores de smartphones, e é expectável que chegue a um total de 2,5 mil milhões de utilizadores em 2017, o que corresponde a uma quota de mercado de 71%. Este crescimento virá, essencialmente, dos mercados emergentes e dos dispositivos de baixo custo. A Nokia pode competir com algumas das marcas de baixo custo que usam Android, mas tendo uma marca bastante mais forte. Em contrapartida, a Nokia dispõe de serviços para conectar a plataformas como Nokia Here, ou notificações ou compras que podem ser feitas dentro de apps. A Nokia também está a lançar uma estratégia ligeiramente diferente para as apps, recorrendo ao modelo freemium. Os utilizadores podem descarregar e instalar todas as aplicações de graça e apenas pagarem mais tarde, e nem é preciso referir sequer as faturas dos operadores de telecomunicações, permitindo a compra de apps sem o uso de cartões de crédito, que a maioria das pessoas de Ásia e África não usa.
Há três anos, este anúncio teria feito muito mais sentido que hoje. E teria dado à Nokia uma posição completamente diferente daquela que hoje detém, sob controlo da Microsoft. Hoje, Nokia e Microsoft já vão correr mais riscos com o lançamento de uma telemóvel Android.
A Nokia já não é uma companhia independente. Qualquer decisão que tome tem impacto na Microsoft. Esta decisão (de lançar a nova família Nokia X) foi tomada, provavelmente, antes da aquisição da Nokia pela Microsoft, ainda durante a liderança de Steve Ballmer. Por quanto mais tempo Satya Nadella, novo CEO da Microsoft, vai suportar uma estratégia que recorrer ao sistema operativo do seu principal concorrente para potenciar os seus negócios? Quando uma companhia usa um produto ou um serviço de um concorrente para fazer crescer o seu negócio está potencialmente a enfraquecer a sua posição e imagem no mercado. Estes novos dispositivos ameaçam o negócio do Windows Phone, da Microsoft, e pode passar uma mensagem errada para os consumidores. Afinal de contas, não há melhor prova de reconhecimento de falhanço que a adoção da principal tecnologia de um concorrente. Claro que esta estratégia tem o potencial para dar à Nokia resultados a curto prazo, mas será que vai compensar a longo prazo? Se estes dispositivos forem extremamente bem sucedidos, como é que a Nokia e a Microsoft vão migrar esses utilizadores, que provavelmente se estão a estrear no uso de smartphones, para telemóveis Windows Phone?
De uma perspetiva de execução de estratégia podemos levantar algumas questões sobre o grau de sucesso que o Nokia X vai ter. Os utilizadores não deparar-se com interface gráfica do Android a que já estão habituados; os serviços da Google não estão (e não podiam estar) disponíveis, e usar várias contas de utilizador a partir do smartphone também não ajuda a providenciar uma experiência inigualável. Além disso, os utilizadores vão ter de instalar mais do que um app store para poderem aceder às aplicações que procuram, que poderá ser um importante revés, nos mercados desenvolvidos, onde o Google Play é a marca dominante das apps para Android.
Apesar de ter um bom portfolio de dispositivos e de ser pragmática, esta estratégia não faz muito sentido nesta altura, tendo em conta que a Nokia é detida pela Microsoft. Os riscos de passar uma mensagem errada para o mercado (clientes, programadores e utilizadores) não pagam os potenciais resultados a curto prazo.
Francisco Jerónimo, Diretor de Pesquisas da IDC para o Mercado Móvel Europeu
