O Orçamento de Estado de 2013 (OE2013) já estipulava que os organismos do Estado deveriam privilegiar o uso do software livre (e portanto gratuito; o que é diferente de software de código aberto ou open-source, que pode ser pago, mas disponibiliza os códigos). O Orçamento de Estado de 2014 (OE2014), que foi entregue pelo Governo na Assembleia da República há uma semana e meia, mantém o estatuto preferencial pelo software gratuito – e continua sem fazer qualquer referência à cedência dos códigos – mas acrescenta quatro alíneas, que estipulam que a escolha do software deve ter em conta os custos totais de utilização (licenças, acrescidas de manutenção, upgrades, etc.) e que as aquisições devem ser aprovadas pela Agência de Modernização Administrativa (AMA).
A Associação Portuguesa de Software (Assoft), que representa os produtores de software proprietário, duvida da legalidade da diretiva que consta no OE2014 e admite recorrer aos tribunais, caso o estatuto preferencial do software livre seja aplicado em concursos ou aquisições feitas por organismos do Estado. «O Estado não deve ter opções preferenciais por tecnologias ou marcas. E isto porque o Estado deve fomentar a concorrência para ter a melhor relação custo/qualidade. Além disso, parece-me que a não neutralidade do Estado pode violar as normas da concorrência», defende Luís Sousa, presidente da Assoft, quando questionado pela Exame Informática.
Luís Sousa confirma que desde o OE2013 que o software livre assumiu estatuto preferencial, mas garante que esse estatuto não tem sido levado à prática: «O que aconteceu foi um atraso na implementação de novas soluções, devido à obrigação, que cada organismo passou a ter de respeitar, de comprovar qual é a solução com custo total mais baixo».
O responsável da Assoft assume a intenção de questionar o Governo sobre esta matéria, apesar de garantir que nenhum dos membros da associação de produtores de software ter sido, até à data, preterido com base na preferência pelo software livre. Mas a Assoft admite recorrer à justiça, caso algum dos seus associados seja eliminado com base na diretriz que dá estatuto preferencial ao software livre.
Luís Sousa considera que o estatuto atribuído ao software livre é apenas «uma referência política». «Sem a referência ao software livre, nada haveria de mal. O texto do orçamento passava a apenas a definir que deveria ser adotada a solução com a melhor relação custo/qualidade. Não vejo outro objetivo (no estatuto do software livre), senão objetivos políticos», acrescenta. A pressão causada pela crise e respetivos cortes orçamentais, e a tentativa de levar os produtores de software a reduzirem custos das licenças são alguns motivos que a Assoft admite estarem na origem da diretriz incluída no OE2014.
Apesar de promover a adoção do software livre, o OE2014 não faz menção à interoperabilidade e à segurança das soluções adotadas. «Estes dois requisitos é que deviam estar acautelados, e não a preferência por uma tecnologia», remata Luís Sousa.