Hoje, a lei que regula as telecomunicações em Portugal não faz qualquer menção quanto à possibilidade de redistribuir um acesso à Net por Wi-Fi. "A lei é omissa quanto ao assunto. Logo, os operadores são livres de permitir ou aplicar restrições", explicou fonte da Autoridade Nacional das Comunicações (Anacom) quando inquirida pela Exame Informática.
Atualmente, basta ligar um computador num centro urbano com maior densidade populacional para descobrir uma rede Wi-Fi na vizinhança. A maioria desses acessos está protegida por sistemas criptográficos mais ou menos complexos, mas nada invalida que dois ou mais vizinhos aceitem partilhar um acesso à Net por Wi-Fi – sem terem de instalar calhas ou furar paredes, pois as normas 802.11 a/b/n distinguem-se precisamente por dispensarem qualquer cabo para distribuírem acessos à Net num raio de algumas dezenas de metros.
Os operadores tentam salvaguardar-se desta facilidade de redistribuição de acessos à Net com cláusulas contratuais que tentam impedir a partilha por Wi-Fi. Na PT, as Condições gerais de prestação de serviços de comunicações electrónicas estipulam que a utilização do serviço deve ser feita para "uso próprio, não podendo este ser cedido a terceiros, nem utilizado para exploração comercial".
O mesmo contrato da PT, que foi aprovado pela Anacom, acrescenta que "o cliente é responsável pela utilização do(s) serviço(s), a qual, ainda que efetuada por terceiros, com ou sem autorização do cliente, se presume, para todos os efeitos contratuais e legais, efetuada por este".
Na Zon, o contrato também impede a partilha do acesso à Net com vizinhos ou amigos e responsabiliza os assinantes por qualquer uso indevido. O que pressupõe que o cliente "se compromete a não utilizar os produtos, serviços, equipamentos e quaisquer outros materiais complementares/acessórios aos mesmos de forma ilícita. Salvo autorização expressa e prévia da Zon TV Cabo, os produtos, serviços e equipamentos e quaisquer outros materiais complementares/acessórios àqueles disponibilizados pela Zon TV Cabo são para uso próprio do cliente, não podendo ser cedidos a terceiros para fins comerciais ou outros, com ou sem benefícios".
Luís Pisco, jurista da associação de defesa dos consumidores Deco, considera razoável a inserção destas cláusulas que, no limite, podem impedir que uma simples visita use um acesso à Net doméstico: "Não desvirtua o serviço e permite respeitar o normal funcionamento dos operadores. Em contrapartida, só é legítimo exigir a um operador que garanta determinada qualidade de serviço se puder controlar minimamente os acessos e as instalações que são feitas".
O mais curioso é que os contratos poderão não ter muito mais força que aquela que o papel lhes confere: hoje, os operadores de telecomunicações não têm forma de fiscalizar uma eventual partilha de acessos à Net através de redes Wi-Fi – porque os custos dessa fiscalização são pura e simplesmente incomportáveis, tecnicamente falíveis e juridicamente questionáveis, se não mesmo proibidos.
Face a esta limitação, os operadores apenas podem reiterar que qualquer caso de pirataria, excesso de tráfego, ou atividades ilícitas são da exclusiva responsabilidade de quem assina o contrato – mesmo nos casos em que a segurança é negligenciada ou o utilizador é alvo de uma intrusão. Além disso, os operadores sabem que nem todos os utilizadores terão interesse em partilhar os respetivos acessos à Net porque receiam degradar a qualidade do serviço.
À semelhança da Deco, nunca chegou à Anacom qualquer reclamação ou pedido de alteração legislativa com o objetivo de tornar legal ou ilegal a partilha de acessos à Net por Wi-Fi.
Face ao atual cenário, os operadores têm preferido tirar partido das condições técnicas das redes sem fios para lançar novos serviços. Um exemplo: o Zon&Fon permite que assinantes da Zon revendam acessos à Net a utilizadores que não aderiram ao serviço ou partilhar gratuitamente os mesmos acessos com quem já faz parte do grupo de clientes que hoje conta com mais de 300 mil hotspots no País.
Com base na facilidade de partilha de acessos por Wi-Fi, os operadores têm vindo a apostar em soluções que fomentam o negócio. O que abriu caminho a condições contratuais específicas para cibercafés, empresas, clubes e edilidades, que determinam não só a indicação dos fins do acesso público, como também a identificação dos utilizadores e a distribuição de passwords a quem acede à Net por Wi-Fi.
Ainda nos acessos para grupos, há operadores que já disponibilizam pacotes comerciais para condomínios inteiros com custos repartidos – mas esta opção não está restrita ao Wi-Fi e geralmente contempla também serviços de TV e telefone.
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