O dia 28 de junho de 2015 ainda hoje é recordado com contornos de triste efeméride entre aficionados das apostas on-line. Foi nesse dia que a legislação que visava a liberalização das apostas on-line entrou em vigor e, numa situação de contrassenso, acabou por suspender, temporariamente, o uso de sites de apostas em Portugal. O motivo da suspensão era plausível: o Serviço de Regulação e Inspeção de Jogos (SRIJ), que depende da Turismo de Portugal, tinha de aprovar um regulamento para as operações dos sites de apostas. O regulamento chegou a estar agendado para o final de 2015, mas só durante a primeira metade de 2016, começaram a surgir os primeiros casinos com licenças em Portugal. No póquer e nas bolsas de apostas on-line o panorama foi um pouco diferente. Desde 28 de junho até hoje, não houve um único site legal a operar em Portugal: Até que a PokerStars anunciou hoje o recomeço da atividade depois de receber a respetiva licença do SRIJ, durante a passada sexta-feira.
O póquer voltou – mas os aficionados não se dão por satisfeitos. «Recentemente, apelámos a um boicote aos jogos de póquer e apostas que sejam feitos apenas entre portugueses. Os jogos que apenas podem ser jogados por portugueses são menos interessantes, porque têm menos pessoas e menos prémios», explica Paulo Rebelo, especialista em apostas on-line que preside à Associação Nacional de Apostadores Online (ANAON).
O site do PokerStars congratula-se pelo regresso às operações em Portugal, mas, por enquanto, terá de limitar as operações a jogadores portugueses – pelo menos até ao SRIJ aplicar um segundo regulamento que permitirá que apostadores estrangeiros venham a Portugal jogar nos sites que aqui se encontram licenciados.
Em causa está a aplicação do conceito de “partilha de liquidez”. Segundo a gíria das casas de apostas, é a “partilha de liquidez” que permite a uma casa de apostas receber apostadores vindos do estrangeiro. O SRIJ colocou em consulta pública um regulamento que poderia abrir caminho à “partilha de liquidez”, mas ainda não enviou o documento para apreciação da Comissão Europeia.
«Prometeram-nos um regulamento que permitia a “partilha de liquidez”, mas a consulta pública acabou em maio e sabemos que o documento ainda não foi enviado para a Comissão Europeia», acrescenta Rui Barbosa, fundador e dirigente da ANAON, alegando um atraso no SRIJ na incorporação de sugestões de casas de apostas, jogadores e associações do segmento e na elaboração de uma versão final de regulamento.
Face ao atraso registado nas casas de apostas, as dúvidas voltam a adensar-se: «Não sabemos quantos jogadores estão interessados neste modelo (de jogos limitados a portugueses) e também não sabemos se este modelo é positivo», sublinha Rui Barbosa, fundador e dirigente da ANAON, justificando a decisão de apelar ao boicote das apostas on-line limitadas em Portugal.
Com a legislação que entrou em vigor em junho de 2015, apenas os sites licenciados à luz dos regulamentos aprovados pelo SRIJ podem operar em Portugal. Apesar de ter como destinatárias as casas de apostas, a iniciativa legislativa acabou por ter o efeito prático de impedir todos os portugueses de fazer apostas on-line, uma vez que nenhum site detinha licença para operar em Portugal. A atribuição das primeiras licenças para os jogos de casino e de póquer (como o PokerStars que regressou ao ativo hoje) pode ajudar a transformar o atual cenário, mas não impediu muitos aficionados de enveredarem por práticas ilegais, que contemplam apostas em sites estrangeiros não licenciados.
No final de novembro, a revista Exame Informática deu a conhecer, numa reportagem, alguns jogadores que decidiram emigrar para países que já tinham a “partilha de liquidez”. Essa terá sido apenas a opção tomada pelos jogadores mais intensivos, que obtêm maiores margens de lucro. Muitos outros mantiveram-se em Portugal e não se terão coibido de jogar na Internet, em sites estrangeiros sem as devidas licenças, através de diferentes estratagemas ou falhas no controlo de acessos.
Paulo Rebelo não tem dúvidas de que há uma grande percentagem de jogadores de póquer e bolsas de apostas que, nos últimos tempos, enveredou por sites especializados sem licença para operar em Portugal: «Estamos num mercado on-line que é global. Não é muito difícil encontrar formas de um português dizer que é de outro país só para poder registar-se num site. As pessoas que jogam nesses sites acabam por deixar lá os impostos. É uma prática que a ANAON não defende, mas sabemos que há muita gente a fazê-lo».
No póquer, é possível organizar torneios com poucas dezenas de jogadores (uma mesa começa com oito a dez jogadores), mas nas bolsas de apostas, em que os jogadores apostam a probabilidade de uma ocorrência durante um determinado período de uma partida desportiva (probabilidade de a equipa X marcar golo nos próximos cinco minutos), o modelo de negócio funciona numa escala diferente. E por isso nenhuma casa especializada na bolsa de apostas terá ainda solicitado a licença junto do SRIJ. «É impossível lançar bolsas de apostas num país pequeno que limita as apostas a pessoas que estão nesse país», conclui Paulo Rebelo.