Era uma vez um fabricante automóvel icónico que fez 100 anos recentemente e que ficou conhecido, sobretudo, pela mecânica. Naturalmente, uma marca que sempre considerou clientes aqueles que compram carros (e motos) com o símbolo da BMW. Serão 22 milhões em todo o mundo, garantem os executivos da marca. Mas o objetivo é chegar aos 100 milhões de clientes nos próximos anos? Como é possível chegar a um número tão grande? À partida podia pensar-se que a BMW está decidida a quadriplicar ou quintiplicar as vendas de veículos. Um objetivo talvez irrealista. Não, o que a BMW está a fazer é criar outros negócios que permitem conquistar clientes que não são compradores da marca. Negócios assentes em serviços digitais, muitos deles disponíveis a bordo dos 11 milhões de carros conectados que a BMW diz estarem a circular em todo o mundo. Mais que as restantes marcas em conjunto, garantiu Peter Schwarzenbauer, membro do concelho de administração do grupo BMW e o responsável máximo desta empresa pela área de inovação digital. Ou seja, a BMW é cada vez mais uma tecnológica. E das grandes.
Um exemplo: no início do ano, a marca alemã comprou a app Parkmobile, um serviço de estacionamento disponível em mais de mil cidades nos Estados Unidos e Europa, que conta com mais de 8 milhões de subscritores. Tem também o serviço de CarSharing DriveNow, já disponível em Lisboa, que conta com mais de um milhão de clientes. Em declarações durante o BMW Digital Day, onde a Exame Informáitca marcou presença, Peter Schwarzenbauer não esconde que o objetivo passa por diversificar cada vez mais a aposta de serviços digitais na área da mobilidade. E é isto que a BMW quer ser: uma empresa de mobilidade e não apenas uma marca de automóveis e motos.
Antecipar perigos na estrada
Mas isto não significa que os automóveis vão deixar de ser o principal negócio do fabricante alemão. Boa parte dos serviços que a BMW tem vindo a desenvolver estão ou vão estar disponíveis a bordo dos automóveis da marca – como já acontece com o Parkmobile. Para o efeito, os engenheiros informáticos alemães desenvolveram uma arquitetura escalonável dividida naquilo a que chamam três esferas: no carro (local), aplicações (os serviços cloud BMW) e parceiros. No primeiro nível todo o processamento de dados é efetuado a bordo. Mas quando um condutor, por exemplo, usa a navegação com informação de trânsito em tempo real, o pedido é feito no carro (local), transferido para a esfera das aplicações através da rede móvel, onde é processado, e depois devolvido ao computador de bordo para eu seja encontrado o percurso mais rápido. Neste caso, a informação do trânsito é obtida na terceira esfera, onde estão parceiros como a TomTom e a Here, mas é tratada na segunda esfera (nos servidores da BMW) e enviada para os carros. Não há uma ligação direta entre o carro e os parceiros. Deste modo, garante a BMW, a segurança e privacidade dos dados é assegurada. Por exemplo, a TomTom ou a Here não têm acesso aos dados do carro. Apenas a BMW comunica com os seus carros. Esta arquitetura também permitirá fazer atualizações ou implementar novas funcionalidades sem depender de terceiros e sem afetar a uniformidade da experiência para os condutores da marca. Como nos explicaram os engenheiros da empresa alemã: «Podemos, por exemplo, melhorar a informação de trânsito dos nossos sistemas de navegação através de novas parcerias com empresas e serviços especializadas neste tipo informação sem que os nossos utilizadores vejam alguma coisa diferente no ecrã, a não ser um sistema mais eficaz. Não precisam de instalar outras apps ou sequer fazer atualizações do sistema de infoentretenimento. Tudo é transparente e seguro porque somos nós que tratamos a informação». Um outro exemplo mais limite: a marca pode adicionar novos fornecedores e aumentar o catálogo de um serviço serviço de streaming de música disponível a bordo dos automóveis sem que o cliente sequer saiba que essas músicas vêm, por exemplo, do Spotify ou de um outro serviço de streaming concorrente. Para os condutores, é apenas mais uma opção que aparece no computador de bordo, dentro da interface gráfica a que já estão habituados.
Serviços que estão a aumentar e a melhorar. Na zona de exposição do BMW Digital Day pudemos ver algumas demonstrações de funcionalidades que vão chegar num futuro próximo. Um dos mais interessantes é a deteção antecipada de perigos na estrada, um serviço desenvolvido em colaboração com a Here – o antigo departamento de mapas da Nokia, que agora é controlado pela Daimler, dona da Mercedes, Audi e BMW. Neste serviço, os sensores dos carros são usados para captar dados ambiente, como presença de rochas ou um acidente numa estrada, que são depois enviados automaticamente para a tal esfera cloud, onde são anonimizados, e entregues à Here. Dados que rapidamente são tratados nos sistemas informáticos desta empresa e, caso se verifique que a informação é válida, entregue novamente à BMW e a outras marcas automóveis que usem o serviço, que depois podem fazer chegar o alerta aos carros que estão na zona impactada para que os condutores sejam avisados do perigo. Apesar dos diferentes passos intermédios, os responsáveis da BMW e da Here presentes no local garantem que tudo pode acontecer em menos de 1 segundo usando as redes 3G e 4G atuais. E será muito mais rápido na futura rede 5G.
5G fundamental para a condução autónoma
Peter Schwarzenbauer não é tão otimista quanto, por exemplo, Elon Musk no que diz respeito à chegada dos carros autónomos. «Parece-me que a sociedade ainda não está preparada para a tecnologia. Há sempre os early adopters que aceitam todas as novas tecnologias, mas muitos condutores não estão disponíveis para entregar a sua vida a um carro robot. Acho que temos, primeiro, de ganhar a confiança dos nossos clientes. Provar com a assistência de nível 3 que a nossa tecnologia é confiável e só depois é que a maioria das pessoas vai estar disponível para evoluir para o nível 4 ou 5». Ainda assim, este administrador da empresa alemã acredita que a tecnologia «vai certamente evoluir mais depressa que a regulamentação» para defender que não será a tecnologia a limitar a evolução da condução autónoma.
Para a BMW, a condução autónoma só vai funcionar de modo fiável com um grande nível de conectividade e, inicialmente, em áreas específicas onde, por exemplo, esteja bem definido onde os carros e os peões podem circular. Na componente conectividade, o 5G é fundamental. E, por isso mesmo, a BMW é um dos membros fundadores da 5GAA (5G Automotive Association), uma associação que reúne fabricantes automóveis, operadores de telecomunicações e várias empresas que operam na área da mobilidade.
O 5G vai permitir dividir a conectividade em “fatias” e é a primeira tecnologia de larga banda móvel onde vai ser possível contratar aos operadores determinadas condições, como largura de banda mínima. Esta capacidade é muito importante porque torna a futura rede 5G a primeira rede móvel com operacionalidade garantida, o que abre caminho para utilização de aplicações críticas, como as que estão relacionadas com a segurança na condução autónoma. A BMW mostrou uma antena/rádio 5G automóvel para provar que já está numa fase avançada de desenvolvimento deste sistema de conectividade que vão chegar aos automóveis da marca brevemente: «quando os operadores implementarem as redes 5G, estaremos já preparados para utilizá-la nos nossos automóveis», declarou um dos engenheiros da BMW presentes no local.
De acordo com a demonstração apresentada aos jornalistas, diferentes sistemas do automóvel terão acesso diferenciado à rede 5G. Por exemplo, num cenário em que há um grande acidente numa estrada que envolve muitos meios de socorro e policiamento, é natural que boa parte da largura de banda disponível seja reservada para estes meios. Neste tipo de situação, as “fatias” da ligação dedicadas ao infoentretenimento (streaming de vídeo, por exemplo) sofrem degradação do serviço para garantir que a conectividade necessária para os serviços críticos (tecnologia de assistência à condução) são mantidos com o mesmo nível de qualidade.
Impressão 3D vai permitir otimizar e personalizar os veículos
Desde há muitos anos que a BMW utiliza tecnologias de fabricação aditiva, comummente conhecida por impressão 3D, para ajudar no desenvolvimento de protótipos. Mas a evolução desta tecnologia faz com que a marca já a utilize em produção de pequenas séries. Por exemplo, uma pequena peça metálica do sistema de abertura da capota do novo BMW i8 Roadster é produzida por impressão 3D. E várias das peças plásticas personalizáveis disponíveis no programa Mini Yours (https://yours-customised.mini) são impressas. Na zona de exposição foi possível ver uma moto de grande cilindrada com quadro totalmente feito através de impressão 3D. Um quadro com linhas orgânicas, que fazem lembrar raízes de uma árvore, sem pontos de soldadura e muito leve (material oco). Os engenheiros garantiram aos jornalistas que esta quadro é mecanicamente superior ao quadro convencional apesar de ser mais leve e eficiente. E é esta uma das grandes vantagens da impressão 3D: a eficiência. Isto porque será possível construir peças que não são fabricáveis utilizando métodos tradicionais, como é o caso da peça do i8 Roadster já mencionado. Peças mais leves, que precisam de muito menos material para serem criadas (mais sustentáveis) e com design mais intricado. Segundo o que foi explicado à Exame Informática, estas peças podem ser criadas por algoritmos, garantido a eficiência máxima, o que muda por completo a forma de desenhar e conceber peças e até os próprios veículos.