Muitas vezes relegada para segundo (ou terceiro) plano, a letra “S” da sigla ESG refere-se a pessoas (social). E são elas, lembra o CEO da Flexdeal, quem basicamente faz as organizações, pelo que parece quase um pleonasmo ter de estar constantemente a recordar que, ”se não houver pessoas, não há organizações”.
Antes “achávamos que gerir uma empresa para as pessoas era chegar ao final do mês, proceder ao pagamento do salário e garantir que a pessoa tinha o seu lugar disponível, todos os dias, quando chegasse ao local de trabalho”, começa por recordar o gestor. “Mas, além do salário, temos de utilizar e implementar um conjunto de critérios – muitos dos quais com obrigatoriedade legal –, como, por exemplo, criar as melhores condições de trabalho para aquilo que é o desempenho das funções de cada trabalhador”, porque “aquilo que chamamos ‘saúde e bem-estar das organizações’ vai muito para além” dos benefícios materiais. “Tem de haver harmonia entre a vida pessoal e profissional”, e isso tem de ser garantido por cada uma das organizações de forma “gradual e proporcional”, exatamente como tem de ser feito com qualquer um dos outros ramos desta sigla, que inclui Ambiente, Governo das Sociedade e, tal como já referimos, as Pessoas.
Em conversa com a EXAME, Alberto Amaral admite a dimensão do desafio que representa gerir empresas, em que, muitas vezes, convivem diversas gerações – atualmente o mercado de trabalho tem cinco gerações a trabalhar simultaneamente –, porque “as gerações mais antigas tinham um conceito daquilo que era um posto de trabalho, ou do que era expectável de uma empresa perante o trabalhador e vice-versa, completamente diferente do que temos hoje. Antes, os profissionais estavam muito mais agarrados àquilo que eram os bens materiais, mas, à medida que o tempo foi passando – e se quisermos fracionar em cinco gerações para facilitar a questão –, esta última geração, à data de hoje, já valoriza muito mais a disponibilidade, o teletrabalho, o tempo que pode passar fora do seu local de trabalho… Daí ser tão difícil reter pessoas. Esta transição foi muito rápida”, salienta o CEO da Flexdeal. “As novas gerações vêm com uma mentalidade muito diferente e querem novas soluções, mais adaptadas às suas necessidades, e tudo isto passou a ser um desafio nas organizações”, sublinha.
Numa altura em que Portugal se debate com a escassez de recursos humanos em áreas que vão da hospitalidade à tecnologia, o salário – quando estamos a falar de valores dignos – é cada vez menos o que faz a diferença na retenção de talentos ou até na escolha de uma empresa para trabalhar. Por isso mesmo, realça Alberto, é importante que as empresas tenham a noção de que é preciso ir muito além daquilo que é obrigatório por lei e começar a ouvir os trabalhadores.
Para isso, salienta, não é necessário ter um departamento de Recursos Humanos. Aliás, nem é expectável que muitas empresas em Portugal o tenham, tendo em conta a sua dimensão. Portanto, pergunta: “Como consigo que um gestor ou um gerente ou um sócio tenha a capacidade de, não obstante serem 50 ou cinco pessoas, se lembrar de que continuamos a ter pessoas com necessidades” e de que é possível fazer da organização um lugar de prosperidade, assim as pessoas sintam que estão a ser ouvidas. O responsável recorda o exemplo da pandemia, quando o tema da saúde mental saltou para a agenda de todos os empresários, embora para muitos não tenha passado de uma moda. “Várias empresas realizaram e realizam imensos programas com benefícios imediatos e concretos, mas muitas outras continuam a olhar para isto como sendo ou um tema-tabu ou um tema que não é tema”, lamenta. E isso mostra, também, que há várias organizações que não estão a ouvir os trabalhadores, podendo depois haver uma dissociação entre aquilo que a empresa espera de um colaborador e aquilo que o colaborador está disposto a dar, precisamente porque não comunicam.
“Como consigo criar condições e dotar a minha empresa de compromissos e práticas, mais uma vez, ajustadas à dimensão e realidade, para dar o maior nível de satisfação a quem trabalha comigo? Há coisas pequeninas e nem sempre se tem de gastar muito dinheiro. Além do mais, se o nível de satisfação dos meus funcionários for elevado, isso é um investimento e vai ter retorno”, lembra. “Um exemplo muito claro: todas as organizações têm de ter, anualmente, uma empresa de higiene e segurança no trabalho, que cumpre muitos dos requisitos que o ESG exige.” No entanto, isto nem sempre acontece, e o resultado nem sempre é um acompanhamento exatamente como manda a lei. Daí Alberto Amaral insistir tanto na questão de que as organizações devem ir muito para lá das soluções impostas pela lei – e que são genéricas, não tendo em conta o setor em que se opera, a dimensão das empresas e os trabalhadores que lá estão. Todos diferentes, todos com necessidades diversas e todos com expectativas que podem não ser exatamente as mesmas.
Uma das soluções mais fáceis, defende Alberto Amaral, é a flexibilização do trabalho e dos horários, sempre que isso for necessário. Algo que não representa um investimento monetário por parte das organizações, mas que tem um efeito importante no moral dos trabalhadores. “As empresas não devem viver de reação mas de planeamento, e de equilíbrio entre o bem-estar da sociedade, das organizações e das pessoas. Como deixámos de ter um padrão, as empresas têm de se adaptar à realidade, à sua realidade. Ainda hoje as pessoas têm receio de dizer que têm de ir ao médico ou que têm uma reunião na escola dos filhos. Eu acho que todos os empresários são sensíveis a este tema, e podem criar mais ou menos condições para que as coisas aconteçam, porque o mercado está a fazer com que se movimentem nesse sentido.” Caso contrário, se não o fizerem, se não entenderem isso, rapidamente “vão perder as pessoas”, vaticina.
Nas PME, este caminho de escuta devia ser mais fácil do que numa empresa maior, uma vez que o modelo organizacional permite, por norma, mais proximidade. “Há mais comunicação, mais conhecimento do que são as pessoas. Permite que todas as decisões sejam mais ágeis e fáceis de se tomar, e eu tenho de perceber o que é o conceito de felicidade para o meu colaborador. Não preciso de ter uma área de recursos humanos para falar com ele. As conversas informais são, muitas vezes, as mais importantes, porque são quando as pessoas estão mais tranquilas e mais libertas de pressão, e são nestas que conseguimos libertar mais conteúdo”. Portanto, fica a dica: aproveite as idas à máquina de café para conhecer aqueles que trabalham consigo e perceber como, facilitando-lhes a vida, eles se tornam colaboradores mais disponíveis. Pode ser mais fácil e muito menos oneroso do que está a imaginar.
A conversa com Alberto Amaral pode ser vista e ouvida na íntegra, no site da EXAME, tal como todas as outras que integram, em parceria com a Flexdeal, o ciclo denominado: Traduzir Sustentabilidade em Negócio. Descodificar ESG para PME.