Os artigos também são histórias.
Este artigo não é uma exceção. Sobre o tema que todos abordamos, ou nos esquivamos por receio, falta de conhecimento e/ou palpabilidade. Mas quando embelezamos com personagens, fica claro e evidente.
Embora as questões ambientais, sociais e de governança (ESG) dominem cada vez mais a agenda executiva, nem todos os três elementos recebem a mesma atenção – “S” o elemento que é mais frequentemente negligenciado, mas que tem sido colocado num foco agudo pela pandemia. Esta mirifica sigla refere-se a uma vasta gama de considerações que têm impacto no desempenho de uma empresa, tanto nos mercados públicos como na sua cultura interna. Na sequência dos movimentos #MeToo e Black Lives Matter, os empregadores têm sido chamados pelos seus acionistas e investidores a enfatizar o “S” no ESG e a tomar medidas para combater o assédio sexual, a injustiça racial, e outras desigualdades no local de trabalho.
Qual o enfoque do “S” no ESG?
Pessoas
Organizações são pessoas – os fatores sociais incluem tipicamente questões ligadas à forma como uma empresa trata o seu pessoal, como a segurança dos empregados, a igualdade de género e os salários de vida. A nível do país, estão relacionados com fatores como a violação dos direitos humanos, os direitos dos trabalhadores e, mais uma vez, a igualdade de género. Uma das historias que mais me marcou, e que a minha coautora partilhou neste artigo, foi o gesto da sua líder na sua segunda semana de trabalho no departamento de logística de uma das maiores empresas de desporto do mundo, quando ainda tentava compreender a complexidade da organização e perceber exatamente qual seria a sua função. A sua superior dirigiu-se à sua secretária e perguntou-lhe: “Para que área gostavas de evoluir na empresa, há alguma competência que gostasses de desenvolver? Assim, sei que projetos te posso dar para começarmos a desenvolver-te”.
O seu ar de espanto, e de surpresa fez com que a sua líder lhe respondesse: “Não te preocupes, aprenderás rápido. Aqui pensamos no futuro.” – estes são os exemplos de como fazer. Como materializamos em KPI’s o reconhecimento que a Patrícia teve neste preciso momento?
“A” pergunta: As questões sociais são tão importantes como cuidar do ambiente?
Muitas vezes há muito mais foco no E do que no S nas conversas com a imprensa e investidores, mas isso é porque o E é muito mais mensurável – é simples olhar para graus Celsius e toneladas de emissões. Os fatores sociais, pelo contrário, podem ser muito mais difíceis de medir. Mas as questões sociais e a necessidade de uma transição “justa” estão a ganhar proeminência: desde a pandemia, as desigualdades têm vindo a aumentar, os meios de subsistência têm vindo a ficar cada vez mais ameaçados e a coesão está a diminuir nas sociedades de todo o mundo. No fim de contas, o investimento responsável é a criação de um mundo melhor para todos. Se olharmos para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, a maior parte está diretamente relacionada com objetivos sociais, pelo que os critérios sociais estão no cerne do que o ESG realmente é.
Há alguma evidência de que a tomada em consideração de fatores sociais pode melhorar o retorno do investimento?
Sim, absolutamente. Em geral, um bom ambiente social, quer se trate de um país ou de uma empresa, conduz a condições mais estáveis. Se há questões sociais que ameaçam a estabilidade de uma empresa – tomemos o exemplo do pessoal de uma empresa têxtil mal pago – pode haver greves ou danos à imagem de marca da empresa, ambos os quais afetariam o seu desempenho financeiro. A nível do país, a agitação social conduz tipicamente a questões políticas e a um ambiente menos estável. Isto reduz a confiança entre os investidores, pelo que, se estivermos a falar de obrigações, os spreads de crédito aumentarão como resultado, uma vez que os investidores exigem um retorno mais elevado como compensação pelo risco acrescido. O que aconteceu aos preços dos ativos na Rússia serve como um aviso severo do que pode acontecer se as normas sociais não forem seguidas.
Como é que solucionamos e focamos mais a nossa atenção no S?
Para ser relevante, o campo do ESG deve modernizar a forma como mede os fatores S. Para o fazer, devemos ultrapassar vários desafios conceptuais chave: normalização, métricas e reporte.
- Rigor
Um dos maiores desafios na medição dos impactos sociais tem sido a ausência de um padrão de medição fiável e quantitativo. O resultado é que cada empresa (e ONG) define, mede e reporta cada impacto social de forma diferente. Para os investidores, isto resulta em dados não fiáveis, incomparáveis, e de baixo valor que não podem ser utilizados em modelos financeiros. Embora tenha havido algumas tentativas de criar quadros para a comunicação de impactos sociais, a maioria tem ficado aquém das expectativas.
Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) estão entre os mais proeminentes destes supostos quadros. Contudo, um estudo da KPMG de 2018 intitulado “Como reportar sobre as ODS: o que é bom e porque é importante” concluiu que apenas 10% das empresas inquiridas tinham estabelecido objetivos de desempenho empresarial específicos e mensuráveis (SMART) relacionados com os objetivos globais, e menos de uma em cada dez empresas (8%) reportou um argumento comercial para agir sobre as ODS. Por que razão é este o caso? Os ODS são principalmente concebidos para acompanhar estatísticas nacionais, a nível populacional, tais como “taxa de mortalidade atribuída a envenenamento involuntário” ou “reduzir a taxa global de mortalidade materna para menos de 70 por 100.000 nados-vivos”. Estas metas não foram concebidas para serem diretamente atribuídas a qualquer programa ou intervenção social discreta. As normas baseadas em resultados são concebidas para medir o quantum de mudança social que foi realizado como resultado de um programa, estratégia ou intervenção. Uma norma S baseada em resultados poderia ser utilizada voluntariamente por empresas e organizações para auto-selecionar quais os resultados que pretendem reportar.
Será que temos que criar rácios-espelho? Será que estamos a evoluir, mas continuamos a monitorizar as mesmas variáveis, com os mesmos pesos financeiros? Será que precisamos de ter índices de compensação carbónica, ou compra de divida de CO2 Nacional, mas não temos a habilidade de criar outro tipo de métricas e ponderadores?
- Matemática & Estatística: Números são números
Uma vez padronizados e classificados os impactos sociais, estes devem ser devidamente quantificados. No mundo E, organismos independentes como Verra definem normas para medir “unidades” de impacto ambiental, tais como as emissões de gases com efeito de estufa. Verra refere-se a estas unidades-padrão como Unidades de Carbono Verificado, ou VCUs. São estabelecidas regras e metodologias rigorosas para assegurar a consistência e fiabilidade dos dados em projetos heterogéneos. Por exemplo, uma instalação de cogeração baseada em casca de arroz de 2 MW na Índia é medida em relação ao mesmo resultado de VCUs que o Projeto de Compensação de Carbono Florestal Português.
Os resultados sociais poderiam ser quantificados de forma semelhante. As normas deveriam estabelecer limiares para o que constitui uma “unidade” de impacto para resultados como a fome, a educação e o emprego. Semelhante à forma como os créditos de carbono funcionam, um “desenvolvedor de impacto” (isto é, empresa, ONG, ou empresa social) poderia reportar dados e ter os seus resultados verificados em relação à norma. Por exemplo, uma empresa poderia alegar que ajudou 1.000 famílias a terem acesso a conectividade (ver www.theunconnected.org) fornecendo provas de que cada família atingiu o nível limiar dos critérios para esse resultado (ou seja, acesso à educação, a internet e eletricidade suficiente para cumprir com o 26ª artigo da Declaração Universal dos Direitos Humanos).
Se colocarmos um preço no carbono, os mercados vão descobrir, chegou a altura de estabelecer um preço para S e deixar que os mercados descubram isso também.
- Consistência & Transparência
No paradigma tradicional do ESG, a elaboração de relatórios tem tudo a ver com a divulgação de riscos “materiais”. Mas como muitos investigadores salientaram, há aspetos negativos e positivos da materialidade. Algumas atividades criam riscos materiais que podem ter um impacto negativo no desempenho das empresas e merecem ser revelados. Ao mesmo tempo, algumas atividades empresariais criam benefícios materiais que podem ter um impacto positivo no desempenho das empresas. Na realidade, a opinião de que a materialidade apenas significa risco material é inconsistente com a forma como os principais mercados financeiros definem o conceito. Baseando-se num longo historial de precedentes legais existentes, a perceção tornou-se rainha e a reputação uma fragilidade – walk the talk já não é suficiente, é inclusive démodé – temos que passar de prática a política, temos que dar a conhecer e ser abrangentes na análise.
Estamos neste momento a navegar uma era de complexidade, temos que questionar o que assumimos como certo. Uma das maiores empresas tecnológicas do mundo, está a ligar os bónus executivos ao desempenho dos ESG. Da mesma forma, uma cadeia de restaurantes está a ligar a compensação executiva a objetivos anuais destinados a melhorar o desempenho dos ESG. Se estas duas empresas não forem coerentes, estas iniciativas não bastam, porque no S não conseguimos compensar como pagar melhor aos nossos colaboradores, explorando os nossos fornecedores. O “S” do ESG deveria ser um dado adquirido, mas não é.