Um dos grandes heróis da minha infância era um italiano, um homem do Renascimento que parecia saber de tudo. Sabia do corpo humano, era pintor, desenhava máquinas voadoras e até tinha criado a tesoura, o parafuso e a porca. Leonardo da Vinci era homem de ciência e de arte que investigava e inovava e que me impressionava particularmente pela forma como um só homem foi capaz de ter tanto impacto, desde o tempo em que viveu até aos nossos dias.
Com o passar dos anos e com o aprofundar do conhecimento académico não perdi o interesse nestas pessoas, os Edisons e os Teslas, as Marie Curies e as Grace Hoppers que nos têm trazido as inovações que transformam as nossas economias e as nossas vidas quotidianas. Descobri que em Portugal também os produzimos, e que os Vasco da Gamas da nossa história e os seus contemporâneos, assim como a Elvira Fortunato e o seu transístor de papel comparam perfeitamente com quaisquer outros.
Mas este trabalho de acompanhar os inovadores tem-se tornado cada vez mais difícil ou diria mesmo quase impossível, não pela escassez mas pela abundância.
Nos últimos anos temos assistido a cada vez mais inovação e com uma cadência de adoção cada vez mais rápida. Se no início do século passado tivemos aproximadamente cinquenta anos para absorver e adotar o automóvel ou a corrente elétrica, a meio do século já só tivemos trinta anos para que a televisão entrasse na maioria das nossas casas. A esta velocidade de integração ou adoção na sociedade de uma inovação chama-se “curva S”, porque, tal como num S, começa de uma forma lenta e depois acelera até toda ou quase toda a população estar familiarizada com a tecnologia ou produto. Exemplos mais recentes da aceleração das curvas S são o computador há vinte cinco anos e o telemóvel há quinze anos.
Hoje em dia assistimos a um cada vez maior número destas curvas em simultâneo cujos génios na sua origem pretendem, tal como os de outros tempos, mudar a nossa sociedade para melhor. E com a emergência do digital e a globalização do investimento de capital de risco na cultura da inovação, estas curvas só terão tendência para serem em maior número e cada vez mais rápidas. Por isso, mais do que nunca, acredito que devemos seguir os temas que muitas vezes nos parecem ainda ficção científica ou de alguma forma distantes, porque estes estarão entre nós provavelmente mais cedo do que esperamos. Se em 2009 a emergência do dinheiro digital e da tecnologia Blockchain pareciam algo distante, hoje em dia representa, segundo as últimas estimativas, mais de 1 333 350 milhões de Euros (segundo a Bloomberg), o que já equivale a 5% de todo o mercado bolsista americano (segundo o FMI).
Tendências de inovação como o hidrogénio verde, cimentos de baixas emissões ou as novas tecnologias e químicas para a energias renováveis são extremamente importantes e urgentes se queremos reverter o aquecimento global e podem efetivamente ajudar-nos a retroceder no impacto que temos no planeta e no consumo de recursos se forem desenvolvidas em tempo útil. E hoje em dia é cada vez mais evidente, para quem acompanha, que a inteligência artificial (IA) já está entre nós e que a curva S em áreas como a dos modelos de linguagem auto-regressivos estão a evoluir de forma acelerada com aplicações cotidianas a serem testadas entre nós, nomeadamente na tradução ou produção de conteúdo escrito com possíveis riscos para todos. Como reação à rápida evolução desta tecnologia e fruto do seu acompanhamento pela sociedade, uma das áreas de maior debate neste momento na comunidade de IA é a emergência de sistemas éticos e com algoritmos auditáveis em que todos possamos confiar.
E embora todas estas tendências de inovação nos possam criar alguma desconfiança e até insegurança estou certo que tecnologias como a da vacina com mRNA e a Saúde Virtual, que aceleraram durante a pandemia ou as propostas de nanotecnologias para a saúde, são bem acolhidas e podem ajudar-nos a viver mais tempo e com melhor qualidade de vida.
Estes são apenas alguns exemplos de áreas de inovação repletas de competentes investigadores e ambiciosos empreendedores, fora e dentro de Portugal, que poderiam entrar para a minha lista de heróis, no entanto temo que se toda a sociedade civil não os acompanhar, e às suas inovações, se não nos preocuparmos com os seus dilemas, tal como sucedeu com o caso de da Vinci, só podermos apreciar verdadeiramente o seu génio e impacto na sociedade e economia muitos anos depois de a sua curva S nos ter impactado a todos.