O nosso título remete, aparentemente, a um passado. Nada longínquo, mas no sentido de que falamos de algo que já aconteceu. Acreditamos que o Ser Humano precise de ruminar para apreender, e estes 18 meses que passaram não são exceção.
Como muitas empresas portuguesas, uma empresa vitivinícola tradicional portuguesa da região Tejo foi-se aventurando na sua modernização para dar resposta não só ao aumento de regulações no âmbito da higiene e segurança alimentares, mas também face a um consumidor cada vez mais exigente. Depois veio uma pandemia, que gerou uma quebra de 25% na faturação.
Hoje contamos a história de como a Casa Paciência, uma empresa familiar e tradicional portuguesa, respondeu a duas grandes crises e saiu com maior sucesso e aposta na sustentabilidade, que achamos que pode ser de relevo para todos/as os/as proprietários/as de PMEs de família no nosso país.
Inovar dentro das atividades de negócio
A pandemia COVID-19 não foi a primeira crise desta empresa de vinhos portuguesa.
Em 2011/12, e agora em 2020/21, a empresa enfrentou grandes desafios à continuação da sua atividade, pondo em causa um negócio de família que existia há mais de quatro gerações.
A crise económica portuguesa de 2010-2014, com especial enfoque no ano de 2012, pôs a empresa de vinhos à prova, como tantas outras. Num mercado com muitos concorrentes com vinhos de elevada qualidade perante um consumidor com poder de compra reduzido, era necessário encontrar novos aspetos diferenciadores para a gama de vinhos da marca, sem custos elevados e grande investimento.
Ao refletirem no processo de produção e potenciais excedentes, notaram a necessidade de abranger um sector mais vasto, para além das pessoas que consomem vinho, mas diversificando no âmbito do mesmo.
Foi então que surgiu a ideia inicial da aposta na roupagem do vinho com imagens e nomes apelativos e originais em vinhos de grande rotação para épocas festivas, ao alcance de todas as bolsas, como o Ping’Amor ou o Vinho do Pai. Particularmente numa altura tão desafiante para os produtores de vinho portugueses, foi esta a solução que permitiu pagar as contas do dia-a-dia da empresa.
Numa outra fase, surgiu ainda a ideia de criar uma nova linha de produtos – um doce de uva tradicional – usando excedentes de vinho e complementando com frutas da época. A Engenheira Luísa Paciência, gerente do negócio de família, explicou que “antigamente, na geração da minha avó e bisavó, chamava-se arrobo e o doce era feito com mosto da uva”. Hoje, quase dez anos depois, explica que a compota bêbeda continua a ser um produto best seller, que ajuda a diferenciar a marca de vinhos e a gerar lucro a pouco custo, aproveitando os vinhos existentes para diversificar a oferta. Acrescentando que “a compota acaba por ser o prolongamento do próprio vinho para atrair outro público”.
Mas não se ficaram pela compota. Depois do sucesso da “compota bêbeda” feita com o vinho moscatel da Casa, o primeiro vinho licoroso certificado no Ribatejo, agora vão lançar a “bolacha bêbeda” com vinho abafado.
Criar e otimizar oportunidades de negócio e investimento
A pandemia COVID-19 resultou numa quebra muito acentuada de vendas, sobretudo para o sector HORECA e especificamente restauração durante 2020. A empresa de vinhos do Tejo, com distribuidores e clientes na restauração e hotelaria nacionais, passou seis meses sem fazer uma única venda nessa área, pondo em causa a continuidade da empresa ao registar uma quebra de 25% de faturação.
Pela primeira vez na história deste negócio de família, foi feito um plano financeiro para identificar alternativas e soluções para manter a empresa aberta, em que se analisaram as vendas, gastos e produtos dos últimos vinte anos de atividade, incluindo uma análise SWOT (Forças, Fraquezas, Oportunidades e Ameaças), que demonstrou três grandes oportunidades para a empresa.
1. Uma das projeções resultantes desta análise mostrou uma tendência cada vez mais significativa na exportação de vinhos da empresa, uma atividade começada não há muito tempo, mas que até então não havia contabilizado a sua dimensão real no somatório de receitas da empresa e o seu potencial para crescer. Na segunda metade do ano, os esforços foram canalizados para a exportação, que passou de ser inferior a 2% em 2018 e 6% em 2019 para 15% no final de 2020, um aumento de 150% relativamente ao ano anterior.
Para tal, Luísa Paciência referiu a importância de olhar para o mercado e estudar o perfil do consumidor fora de Portugal, adaptando o melhor do vinho português ao gosto do consumidor de cada país e apostando em marcas exclusivas para exportação de vinho engarrafado com características especiais do mercado. Neste caso, dos EUA, do Brasil e da Polónia. Durante a pandemia, a PME registou uma transferência e valorização do vinho engarrafado e certificado para exportação uma vez que deixaram de vender para o canal HORECA, tal como muitas outras adegas portuguesas.
2. A análise também auxiliou na otimização dos processos e custos internos. A poda é dos trabalhos mais dispendiosos para as empresas vitivinícolas. Com uma quebra de faturação durante a pandemia, juntamente com os desafios do distanciamento social em trabalho de adega, identificaram a oportunidade de introduzir a poda mecanizada, que ajudou a fazer uma gestão eficiente dos recursos humanos existentes sem despedir ninguém e aliviando a necessidade de contratar mão de obra extra para o efeito. Em 2021, repetiram a estratégia, duplicando a área podada nestes moldes e reduzindo os custos em menos de metade relativamente à poda manual.
3. Uma outra oportunidade que surgiu foi a expansão para o digital. A empresa de vinhos não tinha ainda investido numa presença digital que pudesse gerar negócio e vendas sem ser através de meios mais tradicionais, como lojas físicas, restaurantes e hotéis. Perante a ausência de público na adega através de visitas e para compensar o que perderam na pandemia, a empresa começou a fortalecer a sua presença nas redes sociais e decidiu apostar num site, abrindo uma linha comunicação mais direta e imediata com o consumidor.
O poder da informação, dos miríficos dados, para promover sustentabilidade e gerar sucesso
A resposta desta empresa a estas duas grandes crises centrou-se na importância da informação ou dados, que ajudaram na análise da sua situação financeira e contribuíram para uma tomada de decisão mais informada, estratégica e responsável. Os dados recolhidos e analisados nas duas situações de crise possibilitaram não só uma otimização e inovação dentro das áreas de negócio existentes na empresa – no caso dos doces de uva feitos a partir de vinho existente – como também a criação de novas oportunidades que permitiram a sua sobrevivência e crescimento – como a exportação, a gestão eficiente de recursos humanos, e a aposta no digital.
Este caso real personifica também a história de muitas micro, pequenas e médias empresas (PME) nacionais, que representam 99.9% do tecido empresarial português, sendo que muitas destas empresas mantêm vivas a tradição e cultura portuguesas há várias gerações. Por causa da pandemia, reporta-se que quase um quarto das PME portuguesas fecharam portas.
Acreditamos no poder da informação para transformar a história de cada uma destas PMEs, apostando na sustentabilidade não só económica como também ambiental, social e governativa – a sigla ESG em inglês – e promovendo sucesso a nível do indivíduo, empresa e nacional.
Cada vez mais, torna-se importante refletir sobre a importância dos dados no apoio a uma economia sustentável. Foi por isso que juntámos especialistas nacionais e internacionais em ocasião do Fórum Mundial de Dados da ONU em 2021. Entendo que os dados não são a resposta para a sobrevivência e sustentabilidade das empresas, mas sim o meio para otimizar, tornar eficiente e prever. E se há uma aprendizagem neste ano, que todos nós deveríamos digerir, é que prevenção é estratégia, e nunca tática.