O controlo da pandemia, em meados de 2021, permitiu o regresso a uma relativa normalidade, que está, no entanto, longe de estar normalizada. Pelo menos no mundo do trabalho. Nas empresas continuam a testar-se modelos – regra geral, híbridos e flexíveis – num contexto muito particular de níveis de desemprego historicamente baixos e de concorrência aguerrida pelos melhores profissionais. Os prós dos novos modelos são reconhecidos mas o tempo começa a trazer à superfície as contrapartidas – uma cultura de empresa esbatida, isolamento (com as necessárias consequências na saúde mental), e o muito discutível quiet quitting, a que se juntou mais recentemente o quiet firing. A questão é: onde está afinal o equilíbrio?
A pergunta foi o mote para uma conversa que juntou três gestores, esta quarta-feira, na 22ª edição do Fórum Futuro do Trabalho, uma parceria da EXAME com o ManpowerGroup Portugal, onde foram ainda conhecidas as empresas distinguidas com o selo das Melhores Empresas Para Trabalhar 2022.
Na Repsol, como em tantas outras empresas, a transição para um modelo 100% remoto – nas funções que assim o permitiam – forçado pela pandemia em março de 2020, decorreu sem sobressaltos. “Correu muito bem. As pessoas demonstraram que se confiamos nelas, são recíprocas”, conta Armando Oliveira. O administrador-delegado da petrolífera em Portugal reconhece que “ganhámos agilidade”, mas, diz, “perdemos outras coisas”. Hoje, o modelo é híbrido – três dias no escritório, dois em teletrabalho – mas está longe de estar fechado: “Temos este modelo há cerca de oito meses mas começamos a considerar se não terá de existir um modelo à medida para cada tarefa”. Como é que vamos trabalhar no futuro? “É uma incerteza”.
Num momento em que se navega à vista, o papel dos timoneiros ganha um protagonismo acrescido. Rui Fonseca é CEO da Altronix, empresa que integra o ranking das Melhores Empresas para Trabalhar há mais de uma década, e uma voz ativa sobre modelos de liderança, ainda a pandemia não tinha dado à costa. Já em 2019, defendia um modelo de liderança mais personalizado e, principalmente, a capacidade de as lideranças estabelecerem um propósito que motive as equipas. “Cabe-nos a responsabilidade, às lideranças, de ir muito além do preto e do branco. Quais são as necessidades e o propósito, das empresas e das pessoas?”. O propósito “não é algo fácil de atingir, demora tempo, não o posso comprar, não é por ter vindo a pandemia que eu consigo criar um propósito para a minha empresa. É algo que tem de ser trabalhado”. Defende uma atitude de escuta ativa, que permita dar aos colaboradores o que os move, enquanto pessoas e profissionais. “Temos de ter uma capacidade enorme de nos adaptarmos às pessoas. É o que sempre fez sentido. Mas estávamos obcecados com resultados diretos, com a faturação, com resultados de curto-prazo. Como líder e gestor tenho a obrigação de ir mais à frente. Trabalhar a montante as condições que vão gerar resultados no futuro”. Para concluir que: “Não estamos numa era de mudança, estamos numa mudança de era. Hoje são as empresas que têm de se adaptar aos colaboradores, às pessoas que querem que sejam produtivas”.
Uma mudança de era que a Ageas já havia antecipado, com a projeção de dois novos edifícios – em Lisboa e no Porto – sem lugar para todos os 1.400 trabalhadores. A pandemia veio dar o empurrão final para a adoção de novas formas de organização do trabalho, “mais focadas no colaborador e nas suas necessidades”, mas, conta Francisco Erse, responsável PME & Corporate do Grupo Ageas Portugal, trouxe novos desafios, ao nível da saúde mental e do isolamento. “Temos hoje um conjunto de programas e de equipas que procuram saber a cada momento como estão as pessoas em termos de motivação”. Ainda assim, e apesar dos obstáculos, o responsável afirma: “É um movimento que não vai parar”.