Nem todos os anos são anos de Pêra-Manca, e isso foi algo que desde sempre o tornou especial. A referência mais exclusiva da Fundação Eugénio de Almeida (FEA), que sai sempre de uvas de Monte Pinheiros e que estagia nas caves do Convento da Cartuxa – tudo propriedade da FEA – voltou ao mercado, agora com edição de 2018. Foi apresentada num jantar servido na Adega da Cartuxa, entre os cascos, velas e música à capela, confecionada por Leopoldo Calhau (da Taberna do Calhau, em Lisboa) e pela sua equipa.
Uma espécie de Alentejo reinventado para acompanhar as novidades da Cartuxa, e onde foram servidos outros três vinhos: um Espumante Bruto Branco 2015, um Colheita Tardia Branco 2018 e um Pêra-Manca Branco de 2022 – que ainda não está no mercado.
O tinto de 2018 acompanhou dois dos pratos e ainda a sobremesa. Produzido a partir das castas Aragonês (55%) e Trincadeira (45%), num ano particularmente seco e em que a produtividade baixou consideravelmente, este Pêra-Manca Tinto estagiou depois em balseiros de carvalho francês antes de ser engarrafado e de passar às caves, onde permaneceu até agora. Foram produzidas 21 mil garrafas – bastante abaixo das cerca de 40 mil que habitualmente saem com esta referência – e metade da produção deve ficar em Portugal. Seis mil garrafas já rumaram ao Brasil, onde o mercado aguarda sempre ansiosamente por este vinho.
Mas será que o Pêra-Manca Tinto continua a ser um vinho assim tão especial, que valha o investimento de mais de três centenas de euros por garrafa? É certo que continua a ser uma referência que prima pela exclusividade: na Adega da Cartuxa, cada visitante – daqueles que marcam visita e fazem provas de vinhos – pode comprar apenas uma garrafa, e ali cada uma custa €350. Este valor pode subir consideravelmente se adquirido numa garrafeira. É óbvio que a baixa oferta faz aumentar o preço, mas a verdade é que este já não é um vinho que se destaque tanto dentro do panorama nacional.
O valor da marca é inegável – junto com o Barca Velha, continuam a ser dos mais reconhecidos entre os vinhos nacionais –, mas a verdade é que tendo em conta a significativa evolução da qualidade das produções portuguesas, o Pêra-Manca acaba por perder o seu caráter especial. É um bom vinho, claro, muito bem feito, com uma acidez muito interessante a disfarçar bem os 15,5% de volume de álcool e claramente em contracorrente com a tendência de produção de vinhos com menos teor alcoólico.Mas atualmente existem, no mercado, tão boas ou melhores referências a fazer concorrência a este vinho, que é um bom vinho alentejano, mas que não vai além disso.
E apesar de a FEA falar em “democratização” do vinho quando é questionada sobre se não pensa colocar um valor ainda mais elevado no preço de cada garrafa, certo é que outras referências oferecem a mesma qualidade e interesse por preços bastante mais acessíveis – alguns, dez vezes mais baratos.
É claro que beber Pêra-Manca é também um sinal de estatuto. Mas num País onde cada vez mais se produz vinho de elevada qualidade, talvez não seja má ideia começar a tentar afirmar outras marcas no panorama nacional e internacional. E, apesar de a apresentação ter sido deste tinto de 2018, facto é que ficámos mais encantados com o Colheita Tardia desse mesmo ano… – e, por €59, acreditamos que seja uma ótima aposta.
Pêra-Manca Tinto 2018
>Região
Alentejo
>Onde encontrar
Na Fundação Eugénio de Almeida ou em garrafeiras nacionais, por €350 a garrafa
>O vinho
Muitos aromas a compota, alcaçuz e frutos vermelhos (sobretudo amoras e mirtilos), e alguma madeira. Com os taninos ainda bastante presentes, é um vinho com boa acidez e denota bom potencial de guarda – acredito que daqui a 15 anos seja um vinho ainda mais interessante. Na boca há sabores florais, e tem um final longo e apimentado, durante o qual perde frescura.
>Notação
AA