Nas últimas semanas, foi alimentada por alguns a percepção de uma divergência de postura e de actuação entre o BCE, mais aberto à redução dos juros de referência e, por outro lado, o Fed, mais cauteloso e a sugerir a manutenção das taxas directoras por mais tempo. Mas será esta divergência assim tão acentuada?
Como esperado, o BCE cortou, em Junho, os juros de referência em 25 bps, levando a taxa da facilidade de depósito para 3.75%. A decisão foi justificada com a necessidade de aliviar a restritividade monetária. Com a inflação a descer, a manutenção dos juros nominais implica o aumento indesejado dos juros reais. Por exemplo, tomando como referência a Euribor a 12 meses e a inflação homóloga, os juros reais subiram, no ano até Maio, de -2.1% para 1.1%. Mas o BCE adoptou um tom mais cauteloso em relação ao outlook, abstendo-se de qualquer forward guidance e afirmando a natureza data dependent de novas decisões sobre os juros. Com as novas projecções a apontarem para um crescimento do PIB e uma inflação ligeiramente mais altos na Zona Euro em 2024 e 2025, e com o crescimento dos preços nos serviços a mostrar-se persistente, o tom do BCE foi mesmo visto pelos mercados como um pouco mais hawkish. Já depois da reunião, Lagarde e outros responsáveis do BCE contrariaram a ideia de uma “trajectória linear” de descida dos juros. A evolução dos salários (ainda em alta) e da produtividade (ainda em queda) será determinante na decisão de novos cortes. O mercado ainda admitia 2 cortes adicionais de 25 bps em 2024, em Setembro e Dezembro. Mas os riscos estarão enviesados no sentido de apenas mais uma descida no final do ano.
Por seu lado, também na reunião de Junho, o Fed manteve os juros de referência inalterados (em 5.25%-5.5%). Além disso, as projecções dos membros do comité de política monetária passaram a apontar para apenas 1 corte da target rate dos fed funds em 2024, abaixo dos três cortes anteriormente projectados. O Fed reconhece “progressos moderados” na desaceleração dos preços, mas vê a necessidade de esperar por mais dados que aumentem a confiança de que a inflação está, de facto, a convergir para a meta. Quatro membros do comité não esperam, aliás, qualquer descida este ano. A mediana das projecções para a fed funds rate subiu, face a Março, de 4.6% para 5.1% em 2024, de 3.9% para 4.1% em 2025 e de 2.6% para 2.8% na estimativa de longo prazo, suportando a ideia de juros mais elevados por mais tempo.
Em suma, a postura dos dois bancos centrais não parece assim tão divergente. Tanto o BCE como o Fed mantêm um easing bias, isto é, uma sinalização de que os próximos movimentos serão de descida dos juros. Ambos mantêm uma postura cautelosa, referindo a necessidade de mais informação que confirme a trajectória de descida da inflação. E, do lado do BCE, ainda que não assumida explicitamente, parece haver uma preocupação de não perder de vista as decisões do Fed (descidas repetidas dos juros na Zona Euro, com o Fed a manter os juros, alimentariam uma depreciação do euro que, por si só, favoreceria pressões inflacionistas indesejáveis).
Neste sentido, a postura de ambos os bancos centrais parece consistente com a ideia de que, mesmo descendo face aos níveis actuais, os juros deverão permanecer (mais) elevados por mais tempo. Para além de aspectos conjunturais (como a persistência da inflação nos serviços, dada a subida dos salários e a resiliência dos consumidores neste sector), pressões em alta sobre a inflação e os juros deverão ser exercidas, também, por factores estruturais, que incluem as transições energética e digital, a “de-globalização” e o investimento em capacidade produtiva de base regional e local, e as necessidades crescentes de despesa em Defesa.