No início deste mês voei até Léon, no estado de Guanajuato, no México, para participar no 31.º Concurso Mundial de Bruxelas, um evento que juntou 350 jurados para provar, às cegas, cerca de 7500 vinhos tintos e brancos de todo o mundo – já falei disso aqui e aqui.
Integrei a comitiva portuguesa, este ano bastante mais reduzida, que levou pouco mais de uma dezena de especialistas para as mesas de prova. Durante três dias, cada um de nós provou, classificou e comentou cerca de 150 referências, em conjunto com jurados de outros países. Este ano, e contrariamente ao que me aconteceu em edições anteriores, tive direito a duas séries de vinhos nacionais: uma logo no primeiro dia, do Alentejo; outra no último dia, do Douro.
Em jeito de resumo: sendo as provas cegas, a única coisa que sabemos sobre os vinhos que provamos é se é tinto ou branco e qual o ano da produção. As referências estão organizadas por séries, o que nos diz que numa mesma série provamos sempre vinhos do mesmo país ou região ou da mesma casta. A informação sobre a origem de cada vinho é-nos dada apenas no final de cada dia de prova, e depois de todas as nossas classificações terem sido submetidas e validadas, sem que haja hipótese de serem alteradas.
Como é óbvio, nunca gostamos de perceber que os vinhos do nosso País não se destacam, em qualidade, em relação aos outros que vamos tendo em prova. Mas por isso é que as provas cegas são boas: porque retiram a parte emocional que, sem surpresa, acabariam por poder motivar uma classificação melhor em vinhos cuja origem conhecemos.
Os nossos vinhos não são os melhores do mundo, ao contrário do que gostamos de apregoar – nem os que vão ao Concurso Mundial de Bruxelas nem os outros. Não são. Temos vinhos muito, muito bons, com perfis cada vez mais curiosos e divertidos e sistematicamente mais bem feitos, mas não são os melhores do mundo – mesmo que nós queiramos acreditar muito nisso. Aliás, talvez o surpreenda, caro leitor, se lhe disser que os vinhos que levaram as mais elevadas pontuações da minha mesa foram os vinhos brancos de Querétaro, no México. Algo que já me tinha acontecido no ano passado – mas sobre vinhos mexicanos falar-lhe-ei noutra altura.
Já os vinhos do Douro que estavam a concurso foram completamente dizimados por praticamente todos os jurados da minha mesa – o que foi lamentável, porque eu sou uma grande fã da região e de muitos dos seus produtores. “Aborrecido, desequilibrado, com falta de personalidade, pouco exuberante” foram apenas algumas das notas que se podem ler relativamente aos vinhos durienses que provámos. Sentimos, nos 13 vinhos que nos calharam, que estávamos sempre a beber o mesmo. O que é, possivelmente, das coisas mais tristes que se pode dizer sobre vinhos. Não ficam na memória, não dizem nada, não nos fazem sentir coisa alguma, não compraríamos – fim.
Perguntam-me, não raras vezes, se nestes Concursos bebemos vinhos muito bons – não bebemos. Pode acontecer, mas por norma, quem manda referências para iniciativas deste género quer perceber se o seu perfil e qualidade dos vinhos que está a testar estão alinhados com o consumidor internacional, e com o que está a ser produzido em redor do mundo. É uma espécie de teste, mas tendo noção de que estamos a falar, genericamente, de vinhos de entrada de gama. São referências que, possivelmente, vai encontrar na grande maioria dos supermercados, e pode contar com as medalhas – assim os produtores as tenham ganhado e queiram colocá-las no rótulo – para atestar que são produtos de qualidade, mesmo que não sejam os melhores de sempre.
O que me fascina sempre muito nestes eventos, para além das surpresas – os vinhos brancos do México eram MUITO BONS – é a capacidade que eles têm para nos fazer relativizar aquilo que é a nossa produção nacional. Temos melhores vinhos que a Croácia? Garantidamente. Temos referências muito melhores do que algumas que se produzem em França e em Itália? Sem dúvida alguma. Estamos a par de muito do que se faz na África do Sul? Absolutamente. Temos vinhos brancos melhores do que os Sauvignon Blanc de Bordéus que provei? Sim, mas não estavam no concurso – até porque só provei tintos portugueses. Temos vinhos melhores do que aqueles que foram enviados para prova? Claro que temos.
Mas também temos piores. E temos de ter noção disso. Tal como em qualquer outra área de atividade, saber aquilo que o mundo faz é fundamental para nos ensinar qual é o nosso lugar, e mostrar qual pode ser o nosso caminho. Conseguimos, através da informação recolhida, perceber onde estamos a ter melhor ou pior desempenho, e quais podem ser as nossas vantagens e dificuldades perante os nossos concorrentes. E, melhor ainda: conseguimos perceber que países estão a produzir perfis de vinhos parecidos com os nossos, o que significa que podemos olhar para mercados dos quais, possivelmente, nem nos lembraríamos.
Dia 19 de junho vão ser divulgados todos os resultados do Concurso Mundial de Bruxelas de vinhos tintos e brancos de 2024. É muito possível que lá encontre uma série de vinhos portugueses com medalhas de prata, ouro e grande ouro. Isso significa que Portugal está a par dos seus congéneres mundiais. Mas não significa que tem os melhores vinhos do mundo – lembre-se disso quando vir a quantidade de medalhas que as referências internacionais também garantiram.