Joaquim Miranda Sarmento defende que é possível aumentar a competitividade para valores semelhantes aos de países com o mesmo nível de desenvolvimento de Portugal e que isso ajudará o País a ter crescimentos acima de 3%. Esse acréscimo do PIB permitirá ao Estado devolver €5 000 milhões aos contribuintes através da descida do IRS e do IRC e pagar outras medidas propostas pela AD. Já sobre o papel do Estado, o responsável do PSD recorda que, no passado, a prioridade dada a determinados setores e empresas deu maus resultados.
Na economia, a AD privilegia o corte de impostos. Já o PS aparenta apostar mais numa política industrial. Porque é preferível um corte de impostos a uma opção do Estado em eleger determinados setores para investir?
Antes de mais, não defendemos apenas e só cortes de impostos. O programa económico do PSD tem um conjunto de mudanças estruturais do ponto de vista da política económica e dos principais problemas do País: a baixa produtividade e a baixa competitividade da economia portuguesa, que levam a níveis de crescimento anémicos. Não reduziria o programa do PSD aos impostos…
Mas é uma das principais bandeiras…
Diria que é um dos aspetos importantes, pelo efeito rápido que tem. Mas nós temos um conjunto significativo de reformas no que identificámos como os estrangulamentos que causam uma baixa produtividade e competitividade da economia portuguesa. Temos medidas para os custos de contexto e burocracia, justiça económica, mercado laboral, falta de capitalização e dimensão das empresas, simplificação do sistema fiscal, melhoria das qualificações, inovação e valor acrescentado das empresas. E também temos uma redução da carga fiscal das famílias e das empresas, sendo que o valor das famílias é o dobro do que propomos para as empresas. Nós pouco conhecemos – à data desta entrevista, 8 de fevereiro – do programa económico do PS, que ainda não foi apresentado. Sabemos da vontade do secretário-geral do PS de escolher setores e, quiçá desses setores, escolher campeões nacionais para alocar os recursos públicos a esses projetos. Discordamos dessa abordagem. Entendemos que não deve ser o Estado a definir os setores e muito menos a escolher que empresas recebem ou não apoios públicos. O Estado deve criar condições de competitividade para a economia, deve criar um level playing field que facilite a atração de investimento e que torne as empresas mais competitivas. E, depois, no que diz respeito aos apoios públicos, nomeadamente usando fundos europeus, eles devem ser avaliados em função do mérito intrínseco do projeto e não se estão no setor A, B ou C, porque essa não é a forma mais eficiente de conduzirmos a política económica. E em Portugal, infelizmente, o passado recente mostra-nos que, quando governos escolhem setores e campeões nacionais, muitas vezes os recursos são utilizados em projetos sem qualquer viabilidade económica e financeira.
Não deve ser o Estado a definir os setores e muito menos a escolher que empresas recebem ou não apoios públicos. O Estado deve criar condições de competitividade para a economia
Mencionou várias medidas para reforçar a competitividade e resolver estrangulamentos na economia. Podia detalhá-las mais?
Vamos procurar simplificar bastante o sistema fiscal, fazer uma reforma dos principais códigos de IRS e IRC. Queremos olhar para a burocracia e para os custos de contexto e comprometemo-nos a sentar-nos com as principais entidades de cada setor – públicas e privadas –, mapear tudo o que são burocracias, licenciamentos, requerimentos, papéis e, com o apoio de pessoas especializadas e em colaboração com aquelas entidades, perceber o que pode ser eliminado e o que pode ser simplificado, fazendo esse trabalho rapidamente para, depois, poder implementá-lo e, com isso, baixar significativamente o nível de burocracia. Queremos também melhorar o nível de qualificações, fazer uma aposta significativa no ensino profissional e vocacional e ligar cada vez mais as universidades às empresas. E temos uma medida bastante importante, que é a criação de um suplemento único de apoio social, que consiste num suplemento que garante que quem está a receber apoios sociais não os perde quando altera a sua situação laboral.
Em relação aos impostos, a AD propõe uma descida do IRS e uma descida gradual do IRC. Qual é o custo destas medidas?
No IRS, temos três medidas principais: recuperar a nossa proposta de setembro de 2023, que apresentámos no Parlamento e voltámos a apresentar em sede do OE para 2024, e que passa por uma redução das taxas de imposto dos escalões, com exceção do último. Isso custa €1 000 milhões. Queremos implementar um IRS Jovem – ou seja, criar uma taxa máxima de 15%, com exceção do último escalão para os jovens até aos 35 anos –, o que significa reduzir para um terço aquilo que é hoje o imposto que os jovens pagam. Isso também custa cerca de €1 000 milhões. E temos uma terceira medida, de isenção dos prémios de produtividade, até um máximo de um salário, e essa medida também custa em torno de €1 000 milhões. Tudo somado, no IRS, ao longo da legislatura, são €3 000 milhões. No IRC, queremos baixar de 21% para 15% – dois pontos percentuais por ano, começando em 2025. Ao longo de três anos, o custo é de €1 500 milhões. Adicionalmente, temos uma redução da carga fiscal na habitação, quer reduzindo o IVA em algumas das obras e empreitadas, quer, sobretudo, isentando de IMT a compra da primeira casa por parte dos jovens até aos 35 anos, isentando também de imposto de selo essa compra, fixando depois um valor máximo de valor da casa, para evitar abusos. Essas medidas na fiscalidade na habitação custam cerca de €500 milhões. Nos quatro anos, temos uma redução de impostos de €5 000 milhões, que significa baixar a carga fiscal em 1,5 pontos percentuais. Em 2024, de acordo com o Conselho das Finanças Públicas, esse indicador será de 38,2%, e pretendemos que, em 2028, seja de 36,7%.
Quando a taxa de IRC é muito elevada, as primeiras reduções têm um efeito positivo no aumento do investimento e, portanto, no crescimento.
Intuitivamente, pode haver a ideia de que, se baixarmos o IRC, as empresas vão investir e contratar mais, ajudando o crescimento. Mas há economistas que defendem que isso pode não ser assim tão taxativo…
Nesta matéria, a literatura económica é muito clara. Quando a taxa de IRC é muito elevada, as primeiras reduções têm um efeito positivo no aumento do investimento e, portanto, no crescimento. Se considerarmos que Portugal tem a terceira taxa nominal marginal mais elevada da OCDE e a segunda taxa efetiva mais elevada dos países da Coesão, estamos a partir de um ponto de taxa de IRC bastante elevado. Não precisamos de ter a mais baixa, mas não devemos ter a terceira mais alta. Devemos estar algures no meio, quando olhamos para a distribuição dos países da UE e sobretudo dos países da Coesão, que são os nossos concorrentes diretos e que estão no nosso nível de desenvolvimento.
Também pode haver o argumento de que baixar o IRC iria favorecer principalmente grandes empresas, porque nas pequenas há um número significativo que não chega a pagar IRC.
Um dos problemas que a economia portuguesa tem é a baixa dimensão das empresas. Há cerca de 1 100 empresas consideradas grandes, 0,1% do nosso tecido empresarial. Na Alemanha, as empresas grandes são cerca de 1,5%. Todos os estudos mostram que as grandes empresas em Portugal têm mais do dobro da produtividade das micro e pequenas empresas e pagam, pelo menos, mais 50% de salários. Precisamos de grandes empresas, porque são mais produtivas, têm economias de escala, sinergias, conseguem gerar maior inovação e valor e porque, ao serem mais produtivas, pagam melhores salários. Adicionalmente, precisamos de voltar a ter dois a três grandes projetos industriais. E voltamos sempre ao mesmo exemplo, que foi a Autoeuropa. Se conseguíssemos atrair dois ou três grandes projetos industriais, isso teria um duplo efeito. A começar pela própria dimensão dos projetos, que significariam logo um salto, do ponto de vista do crescimento do PIB. E segundo, porque teria um efeito de arrastamento nesse setor.
Mas, por exemplo, se um governo identificar duas ou três prioridades de política industrial em determinados setores, não ficaria mais fácil atrair investimento estrangeiro nessa área?
O que o Governo deve fazer, usando a AICEP, é uma estratégia proativa de atração de grandes investimentos industriais. Mas sem excluir à partida qualquer setor, identificando os que têm maior mérito próprio e absoluto.
Detalhou os custos orçamentais de algumas das medidas propostas pela AD. Temos visto observadores e economistas a avisar que podemos estar a entrar numa espécie de leilão eleitoral. Como se vai coadunar essa despesa com o objetivo da AD de manter saldos positivos?
O nosso cenário macroeconómico e orçamental parte do cenário de políticas invariantes do Conselho das Finanças Públicas. Este prevê que, sem se tomar nenhuma medida de política, a economia portuguesa cresça 2% ao ano. O que estamos a dizer é que, com o nosso programa de reformas ambicioso, podemos colocar a economia a crescer acima de 3% no final da legislatura: 2,5% em 2025, 2,8% em 2026, 3% em 2027 e 3,4% em 2028. Com este crescimento económico, e mesmo não mexendo nas taxas de imposto de IRS e de IRC nem nas isenções na parte da habitação, a receita fiscal cresceria €15 000 milhões em termos nominais, porque o PIB passaria de €275 000 milhões para €330 000 milhões. Desses €15 000 milhões, um terço será devolvido às famílias e às empresas. Os outros €10 000 milhões são para financiar o crescimento da despesa nominal, seja através do aumento dos funcionários públicos, do aumento das pensões de acordo com a lei, da subida dos custos por via da inflação dos bens e serviços que o Estado compra e de algumas medidas que propomos, como o aumento do Complemento Solidário para Idosos (CSI) e a reposição do tempo de serviço dos professores.
Essas projeções apontam para taxas que a economia portuguesa não tem conseguido apresentar. Este cenário é realista?
São taxas que a economia portuguesa não apresenta desde os finais dos anos 90…
Com mais produtividade e com algum crescimento da população ativa, não é difícil pôr a economia portuguesa a crescer acima de 3%
E a própria economia da Zona Euro também não tem apresentado.
Mas há vários pontos que nos levaram a uma estimativa dessa ordem. O primeiro é que a economia portuguesa conseguiria, ainda assim, crescer 2%, mesmo sem medidas. E temos um conjunto significativo de reformas nas diferentes áreas e, no nosso modelo económico, essas reformas dão um aumento da produtividade, que passa de um crescimento em torno de 1% para 2% em 2029. É essa melhoria da produtividade que, depois, faz o PIB crescer. Ora, as economias que estão num nível de desenvolvimento de Portugal têm taxas de crescimento de produtividade de 2% ou acima disso. Quem tem taxas de crescimento da produtividade de 1% ou abaixo disso são economias bastante mais avançadas do que a portuguesa. É necessário um conjunto de mudanças estruturais numa série de estrangulamentos, da baixa produtividade e competitividade da economia portuguesa. Se os resolvermos ou, pelo menos, os mitigarmos fortemente, não há nenhuma razão para que a economia portuguesa não tenha um crescimento de produtividade igual ao das economias que estão no seu nível de desenvolvimento e que, tal como nós, recebem fundos europeus. Com mais produtividade e com algum crescimento da população ativa, não é difícil pôr a economia portuguesa a crescer acima de 3%.
Se a AD precisar do apoio de outros partidos para governar – nomeadamente a IL ou o PAN, já que as indicações são de que o Chega está excluído –, tem flexibilidade para fazer concessões significativas na parte económica?
Primeiro, veremos que resultado sai das eleições. A AD, vencendo, apresentará um governo e um programa que pode ou não incluir outros partidos, nomeadamente a IL. Obviamente que, se a decisão política do presidente do PSD e do presidente do CDS for incluir a IL, será necessário sentar e discutir, quer do ponto de vista político, quer do ponto de vista do programa de governo. E, aí, logo veremos o que a IL quer e o que é possível dentro do nosso programa eleitoral.
Há grandes dossiês de infraestruturas em aberto. Temos o processo do TGV e do novo aeroporto. Do lado do PS, o secretário-geral tem prometido que decidirá depressa. Do lado do PSD, foi anunciado um grupo de trabalho para analisar. Qual é a posição da AD sobre a atual solução para o TGV e sobre o novo aeroporto?
Tomaremos essas decisões rapidamente, se formos governo. Mas, neste momento, não temos a informação necessária para nos podermos comprometer com decisões que implicam um investimento público, no caso do TGV, de largos milhares de milhões de euros; no caso do aeroporto, ainda não se percebeu…
Sobre o aeroporto, há informação, já há um relatório preliminar…
Sim, mas que está em discussão pública. E teremos de ver o que resulta da discussão pública. É uma decisão que só tomaremos quando formos governo, mas que tomaremos o mais rápido possível.
Entrevista publicada originalmente na Exame n.º 478, de março de 2024