As exportações de bens das empresas nacionais deverão cair no primeiro semestre de 2024, e a inflação continua a ser uma incógnita. A juntar-se a este cenário, a tensão política que se vive atualmente continua a causa alguma imprevisibilidade no setor empresarial, o que não contribui para que o otimismo seja o sentimento preponderante entre os economistas. Mas, como lembrava João Duque no início da conversa, “fazer previsões em economia é extremamente difícil”.
No entanto, arriscou dar a sua interpretação dos dados. “Este ano não estou tão otimista como estava no ano passado, por causa do comportamento da carteira de encomendas das empresas, daquilo que eu tenho conhecimento”, começou por dizer o presidente do ISEG. “As empresas são, neste momento, responsáveis por uma parte significativa do PIB português. Mas a exportação de bens é significativa, e aquilo que me dizem muitas empresas é que a carteira de encomendas para o primeiro semestre de 2024 não se compara com a que tinham no ano anterior, o que, a confirmar-se, pode prejudicar o crescimento”, salientou esta manhã durante um evento em Lisboa. “Em termos de mercado interno, com tanto dinheiro a ser distribuído, com a aprovação do Orçamento do Estado […] será possível as subidas de subsídios aumentarem, por sua vez, um bocadinho o consumo. E talvez [isso]possa compensar um bocadinho a quebra das empresas”, considera.
João Duque esteve à conversa com Vítor Pereira, diretor de Produtos, CRM, Marketing e Canais Digitais e membro da Comissão Executiva do Bankinter Portugal, no evento da entrega de prémios às 500 Maiores e Melhores Empresas de Portugal. Este momento, subordinado ao tema “2024: crescer contra o vento”, foi moderado pelo jornalista da EXAME Nuno Aguiar, e acabou por salientar, apesar do cenário macroeconómico incerto, a capacidade de resiliência e a qualidade das empresas portuguesas.
“Este grupo [de que falámos esta manhã] é o das maiores e melhores em Portugal, o que diz bem da dimensão que estas empresas conseguiram obter”, começou por salientar Vítor Pereira. “E há uma outra realidade que vai muito em linha com este ponto de que estamos aqui a falar. Há um cenário de abrandamento expectável da economia– no patamar das pequenas e média empresas -, de algumas dificuldades”, sobretudo para as organizações mais pequenas. “Mas acho que os empresários já passaram por tantas crises e têm tanta experiência, porque os últimos anos foram marcados por desafios sucessivos, que retiraram um conjunto de aprendizagens que as ajudará”, considera. Além disso, recordou, “os mercados europeus estão a atravessar dificuldades, mas há outros mercados para explorar. Esta questão de vender fora do perímetro do mercado doméstico tem de passar a ser natural no modelo de negócio” de todas as empresas, e não apenas das maiores.
Entre os empresários, revela, “há um consenso de que o ano será de abrandamento – não antevemos crise – mas” o estado de espírito é positivo, com os gestores a acreditar que será possível ultrapassar os cenários mais adversos que possam surgir”, adianta. E sublinha a importância de as organizações manterem o seu nível de inovação, mesmo nas indústrias ditas mais conservadoras – aproveitando para dar o exemplo de empresas no setor dos autoclismos ou de uma outra que constrói aviários – por forma a conseguirem continuar a dar cartas nos mercados nacional e internacional.
Questionados sobre o que se pode esperar do comportamento da inflação nos próximos meses, João Duque refere que “a expectativa é que o problema tenha sido ligeiramente superado. Não se sabe se se conseguirá que em 2024 esteja nos 2% – a descida foi profundamente rápida e creio que até surpreendeu o Banco Central Europeu (BCE). Mas a menos que a Alemanha comece a ter problemas com taxas de juro elevadas, acho que o BCE vai tentar estender até junho as taxas de juro”. E explicou que é preciso estar atento a dois indicadores importantes: “os EUA, que vão sempre à nossa frente. E temos de ver o que acontece na entrada do ano, que pode trazer atualizações de salários, que dão fôlego às famílias e tornam janeiro um mês muito importante para os europeus. É que na maior parte dos países as pessoas não ganham 14 meses, ganham 12, e janeiro é por norma um mês muito doloroso. E, portanto, estes aumentos permitem o alívio das famílias, mas é possível que também puxe pela inflação e faça isto tremer”, avisa.
Claro que pode acontecer também o fim das guerras que atualmente abalam o mundo, “o que pode provocar um comportamento totalmente diferente que pode ser de euforia. Não sabemos..”, nota. Ainda assim, João Duque antecipa uma descida das taxas de juro por parte do BCE, se não for em março, – de 0,25pp – logo em maio ou junho, e aí já de 0,50 pp.
“E atenção que o BCE tem duas taxas: a decidida e a anunciada. Pela primeira vez a senhora Lagarde diz que a expectativa para a próxima reunião é uma, depois de anunciar a mexida efetiva. E os mercados comportam-se em conformidade”, realça ainda.
Para as empresas, porém, este não será o principal desafio – embora seja grande – uma vez que, recorda Vítor Pereira, a estrutura de dívida das empresas nacionais se alterou profundamente com a crise dos preços energéticos, o que lhes permite agora estar mais bem preparadas para enfrentar estas movimentações de mercado. “Claro que uma descida de taxas é positiva, mas há todo um trabalho que foi feito antes, ao nível da liquidez, que lhes permite resistir melhor a choques externos”, acredita.
Agora, o que é realmente importante para a vida e o sucesso das organizações, pede o responsável do Bankinter, é estabilidade e previsibilidade por parte do Estado. Algo que poderá enfrentar dificuldades tendo em conta o atual cenário de tensão política que se vive, com eleições à vista e a previsão de um Parlamento que pode ficar mais dividido do que o desejável para garantir a aprovação de um próximo orçamento com algum consenso. Ainda assim, nota, “as empresas acreditam que vão conseguir superar e dar a volta. Desse ponto de vista, talvez esteja a dar uma nota muito otimista, mas é o que costumamos ouvir”, refere.
João Duque concorda, adiantando que não antecipa grandes problemas, a nível do OE para 2024, mas que olha com alguma preocupação para o cenário de aprovação de um OE para 2025, no caso de os assentos parlamentares que saírem das próximas eleições fragmentarem significativamente as forças políticas, o que dificultará as negociações e aprovações do documento. “Mas aí é o pior cenário e ninguém saberá o que fazer em Portugal”, admite. “Espero que haja uma visão sensata…”
E realça ainda que o que lhe parece “fundamental na política para mudar Portugal era fazer com que as empresas tivessem possibilidade de desenvolver a sua atividade de forma lucrativa, com crescimento, associativismo empresarial, dar escala, marca e entusiasmo a quem tem essa função. Isso é fundamental para depois redistribuir bem. E premiar quem faz isso bem. Isso é que era positivo”, pede o economista. “Não é esta forma de fazer que é ‘eu sei onde está o dinheiro para o ir sacar’. Não importa ‘onde é que vocês vão buscar o rendimento, importa é que eu vou buscar o vosso rendimento'”, lamentando que seja assim que o Estado tenha o hábito de funcionar.
Seja como for, ambos os especialistas terminaram a conversa com notas de otimismo para o futuro. Por um lado, “os empresários e os quadros das empresas são um exemplo. Tenhamos essa ambição e esse foco e decerto ultrapassaremos todos os obstáculos”, nota Vítor Pereira. Por outro, “os portugueses têm uma capacidade enorme de se adaptar a condições adversas e temos demonstrado isto constantemente. A capacidade de resiliência e adaptação vai ser a nossa chave de sucesso”, acredita João Duque.