O número não aparece por acaso: são 1375 garrafas de vinho tinto e 1375 garrafas de vinho branco que estarão à disposição dos primeiros 200 sócios do CLUBE ALEGRETE 1375. Os membros deste clube terão ainda acesso exclusivo a provas e a novos lançamentos, para além de “um ou outro mimo surpresa” de quando em vez.
“Este é um projeto muito especial, porque nasce de uma vinha muito, muito velha que encontrámos na Serra de São Mamede, há três anos”, conta Susana Esteban à EXAME. Apaixonada pelo Alentejo, onde tem desenvolvido a maior parte dos seus projetos de enologia em nome pessoal, Susana juntou esforços com o amigo de longa data António Menano para criar estes vinhos “muitos especiais”, conta-nos à mesa de um restaurante no centro de Lisboa, onde o chef (alentejano) prepara o almoço.
Os Alegrete 1375 são resultado da colheita de 2020 de um único hectare de vinhas velhas. Tanto a referência branca como a tinta estagiaram durante três anos em barricas usada da Borgonha – a única que Susana gosta de utilizar – e chegam agora ao mercado no único formato que os seus criadores acharam possível: de uma forma muito exclusiva e pessoal.
Todas as garrafas são numeradas, e cada sócio tem um número exclusivo impresso no rótulo desenhado por Rita Rivotti, com uma fonte original, inspirada nas cepas das vinhas velhas que deram origem aos vinhos. O CLUBE ALEGRETE 1375, que ganha o nome destes vinhos, vai ser a plataforma de outros “projetos muito especiais” que “terão sempre quantidades muito reduzidas”, confessa Susana Esteban.
Um nome com História
“É muito engraçado, porque quando alugámos esta vinha – temos um aluguer de longa duração, apesar de gostarmos de a comprar – percebemos logo que queríamos que o vinho se chamasse Alegrete”, o nome do município onde se encontra. “É muito alegre, não é? É assim um nome com entusiasmo”, diz-nos divertida. “Mas já havia dezenas de marcas com Alegrete, não era fácil. E foi então que descobrimos a questão da Lei das Sesmarias, aprovada em 1375”, conta.
Susana refere-se à legislação implementada pelo rei D. Fernando I, no século XIV, numa altura em que o País e a Europa atravessavam uma significativa crise económica, agravada pela Peste Negra. A Lei das Sesmarias tinha como objetivo estimular a produção dos terrenos agrícolas e diminuir o despovoamento rural e determinava que o direito à terra passava a estar condicionado à sua efetiva exploração agrícola.
“A Lei foi aprovada em 1375, nós tínhamos cerca de mil litros de vinho a ser produzido na vinha, o que dava para as 1375 garrafas…faz sentido, não faz?”, remata com os olhos a brilhar. “Além de que nós estamos a alugar a vinha e a explorá-la”.
O nome Alegrete 1375 pareceu assim natural, além de transportar em si a História do País que há cerca de 25 anos é casa desta enóloga, que é também uma conhecida amante das vinhas velhas nacionais.
“Há uma complexidade nas vinhas velhas, pela mistura de castas, pela maturidade das próprias plantas que me entusiasma muito. Mas temos de as perceber muito bem. É mais desafiante, é uma conversa com as vinhas”, diz-nos enquanto justifica a sua atração por este tipo de terreno.
Depois de ter passado pelo Douro, onde começou a sua carreira, Susana percebeu que era por estas vinhas com muita História – e muita memória – que passaria a sua vida. Encanta-se com a mistura de castas, com as dificuldades de trabalhar o terreno – uma vez que aqui não há lugar a trabalho mecânico – com a resiliência das plantas que lhe chegam às mãos para recuperar ou continuar a trabalhar.
E acredita que é destas vinhas que vem a melhor matéria-prima o que é, para si, o segredo das suas produções. “Eu acredito que o vinho se faz nas vinhas e não na adega. Sou muito pouco interventiva na adega. Acredito mesmo nisto e prefiro investir mais dinheiro nas vinhas e na sua recuperação do que em tecnologia para a adega”, admite.
Mas também sabe que o sucesso que tem nas suas produções se faz de muita experiência. “Só depois de muitos anos a trabalhar com vinhas velhas é que se ganha experiência e maturidade” para tomar algumas decisões que são necessárias. Até porque “o mais importante é a precisão da vindima” e essa “até acaba por ser mais fácil nas vinhas velhas porque, como são mais pequenas, podemos ser mais ágeis assim que tomamos a decisão de começar a vindimar”, por exemplo.
Seja o que for que liga Susana Esteban às vinhas velhas, a verdade é que o que conseguiu fazer nestes Alegrete 1375 é digno de nota, como aliás são quase todas as referências que coloca no mercado. Mas nestes, o mais curioso é talvez o facto de que, se os tivéssemos provado numa prova cega, ter-nos-ia sido impossível dizer de que região era.
Aliás, quaisquer apostas que fizéssemos estariam longe de acertar geograficamente no Alentejo. “Mas eu nem acho que a Serra de São Mamede devesse ser Alentejo”, atira Susana, com uma gargalhada, quando já estamos à mesa a ver o que nos trouxe do sul do Tejo. O terroir garantido pela altitude, pelo solo granítico e pela exposição solar e aos ventos faz daquela região um caso muito interessante de observar – e de provar.
A que sabem, afinal, estes vinhos?
O Alegrete 1375 branco tem uma evolução notável no nariz ao longo das duas horas em que o deixámos no copo. Inicialmente, é um vinho que quase parece não ser aromático – frescura, maçã verde e flores brancas. Depois de um tempo, a madeira começa a manifestar-se, deixando umas notas doces que não chegam a ser baunilha. Parece assim aquele aroma quente que se espalha na cozinha quando alguém está a fazer arroz doce ou leite creme. Na boca, é um vinho estruturado, com uma acidez muito pronunciada e, consequentemente, enorme frescura. Muito gastronómico, pode ser bebido agora e é muito interessante, mas a verdade é que deverá ser um vinho fenomenal daqui a 10 ou 15 anos. A guarda em garrafa deverá arredondar-lhe algumas arestas, e possivelmente saltará para a lista dos grandes brancos nacionais sem dificuldade durante vários anos.
Provámo-lo com fígado de pato, com cação e favas, com xara e com ovas…portou-se lindamente com qualquer um dos pratos, com a acidez a ser fundamental para cortar a gordura, e com a complexidade estrutural a aguentar as diferenças de sabores. Levou um AA+ da nossa parte.
Já o Alegrete 1375 tinto (demos-lhe um AA) é a referência para beber já – não é mal pensado aproveitar a oportunidade de se fazer sócio do CLUBE ALEGRETE 1375 para poder oferecer algumas das garrafas no Natal. Aromas a frutos vermelhos não muito maduros, rosas e margaridas vão, na boca, transformar-se em notas vegetais que se misturam com a complexidade e a elegância permitida pela madeira. Um vinho que ainda se sente muito jovem apesar dos seus três anos, com taninos elegantes e muita estrutura, foi o nosso preferido para acompanhar o fígado de pato. Tem 13,5% de álcool – parece, pelo corpo, ter bastante mais – e uma acidez absolutamente surpreendente. O que ainda se torna mais fascinante quando Susana nos confessa que vindimou aquelas uvas na primeira semana de outubro, numa altura em que os produtores andam a antecipar cada vez mais as vindimas, por motivos de alterações climáticas.
É certo que – na minha opinião – Portugal tem ainda imensas coisas a aprender com muitas outras regiões do mundo, que têm vinhos muitas vezes mais interessantes que a generalidade da produção nacional. Mas é incontestado também que, quando voltamos às raízes nacionais – as castas autóctones, as vinhas velhas, o respeito pelo terroir – conseguimos referências de um valor acrescentado incrível e que nos surpreendem profundamente.
Foi o caso destas referências da Susana Esteban. Não porque não esperássemos qualidade – dos seus vinhos, esperamos sempre – mas porque nos mostraram um perfil que pode, efetivamente, colocar Portugal num patamar que é diferente daquele onde tem estado.
É verdade, também, que estas referências estão disponíveis para um grupo muito restrito de apreciadores – os tais 200 sócios e os amigos com quem os decidirem partilhar. Mas pelo menos sabemos que estão por aí, o que já é suficiente para nos animar.
Os vinhos Alegrete podem ser encomendados no CLUBE ALEGRETE 1375, que tem um site com o mesmo nome e que foi inaugurado no passado dia 23 de outubro. As encomendas destes lançamentos podem ser feitas até dia 15 de novembro, sendo que os vinhos são vendidos em caixas de madeira de duas garrafas (com uma referência de branco e outra de tinto) e cada membro do CLUBE ALEGRETE terá de comprar 12 garrafas, ou seis caixas, num total de €720. Mas, por €60 a garrafa, parece-nos um investimento mais do que justo.
“Não quero vender um vinho que custe €100 e que as pessoas vão esperar imenso tempo para abrir porque estão a pensar no preço. Quero vender a um valor justo – e acho que é este o caso -, que posiciona o vinho no patamar correto e que faz com que os apreciadores voltem a comprar no próximo ano”, justifica a enóloga.
Para pertencer ao clube não há qualquer outra obrigação – não há joia de inscrição nem qualquer obrigação de voltar a encomendar outro vinho. Mas, se fizer sentido e quiser voltar a comprar os Alegrete 1375 no próximo ano (a colheita de 2021, atualmente a estagiar nas suas barricas de carvalho francês), saiba que terá prioridade. E, promete Susana, terá ainda acesso a algumas surpresas durante o ano.
Escala de Notação Enológica*
AAA | Fabuloso |
AA | Muito bom |
A | Bom |
BBB | Satisfatório |
BB | Mau |
C | Não Beba! |