As novas gerações são mais exigentes, e as velhas têm novas exigências. O mercado de trabalho está em transmutação e, com ele, as organizações e as lideranças. “As pessoas têm de estar motivadas, e para isso têm de ser envolvidas, têm de sentir que o seu trabalho contribui para o sucesso das empresas. Temos de ser líderes pelo exemplo, com honestidade e transparência”, afirma Inês Oom de Sousa, lembrando que “as pessoas não abandonam as empresas, abandonam os líderes”. Um caminho de adaptação constante aos novos desafios, onde a diversidade e o equilíbrio entre a vida profissional e familiar foram apenas a primeira ‘pedra’ no caminho. A presidente da Fundação Santander Portugal e responsável de ESG do grupo Santander para a Europa, que falava esta quinta-feira na edição de 2023 da Girl Talk, organizada pela EXAME, recorda que quando chegou à direção executiva do banco, era a única mulher com assento no board. “O Dia da Mãe estava a chegar e eu tenho três filhos. Tivemos de adiar a reunião da direção executiva três vezes. As mulheres que têm filhos pequenos não podem ter a mesma experiência. Eu quero jantar com os meus filhos todos os dias. Não posso estar às 19h00 no trabalho”.
Hoje, pede-se aos líderes que tenham uma postura de proximidade e de escuta ativa. O desafio não é novo para Inês Oom de Sousa, que se apresentava aos balcões do Santander como estagiária dos serviços centrais. “Percebi que sabíamos 1% do que se passava nas bases. É muito importante a proximidade com as pessoas, perceber as suas dificuldades e o que pensam da própria estrutura do banco. Eles valorizam a ‘pessoa normal’”.
Uma acessibilidade que é também a chave do sucesso de Adélia Carvalho, diretora geral do Valverde Hotel, já considerada uma das líderes mais inspiradoras do nosso País. O percurso tem pouco de habitual: estreou-se na hotelaria como rececionista, e, ao longo dos anos, passou por quase todos os departamentos das unidades que integrou, até que, em 2005 foi desafiada para abrir e liderar o Bairro Alto Hotel, sem qualquer experiência de direção. “Eu não tinha o objetivo de ser diretora geral. Simplesmente, fazia tudo com muita paixão, estava sempre disponível, era simpática. Foi um crescimento orgânico, com um bocadinho de sorte e de mérito. Tive a sorte de me cruzar com imensa gente que acreditou em mim”. O contrário também será verdade: Adélia acredita nas ‘suas’ pessoas. A bolsa, com a chancela Valverde Academy, e que tem o seu nome, dá a oportunidade de formação académica aos muitos colaboradores que, embora tenham progredido na carreira ‘organicamente’ – tal como Adélia – sentem a falta de um reconhecimento formal. “São pessoas que entraram no hotel como copeiros e hoje são chefes de receção. Damos oportunidades e isso ajuda a reter as pessoas, principalmente num setor onde há muita rotação”.

À pergunta ‘como se inspira?’, a diretora geral do Valverde Hotel responde prontamente: “Pelo exemplo”. Não tem problemas em servir às mesas se falha um elemento. E também pela proximidade às pessoas e aos seus anseios – “quando a porta do elevador se abre, eu consigo sentir se há stress”. Vai à copa, à sala de refeições do pequeno-almoço, à receção, ouve e está presente. “Não basta ter um hotel lindíssimo. Se as pessoas não estiverem bem, isso vai notar-se”. O que gostaria que os seus colaboradores dissessem sobre si? “Que são meus amigos. Eles até podem sair da empresa, mas não saem da minha vida”.
O que querem as novas gerações?
Ficámos a saber que as novas gerações não querem um carro. Quem é o diz é Mafalda Rebordão, strategic partnership manager na Google e co-fundadora do Ponto Zero, uma comunidade que junta jovens profissionais com vontade de fazer mais e melhor, e mais de 30 CEOs portuguesas, num projeto de mentoria. Uma rede de excelência, construída com ambição e descaramento: “Chateio as pessoas no Linkedin. Quando estava em início de carreira, disseram-me que ‘em Portugal não há falta de talento, há é falta de descaramento’”. Mafalda tem 26 anos e é um exemplo da sua geração. Hoje trabalha em Londres, mas já passou por cinco países, e mudou de função três vezes dentro da Google. “Os jovens querem trabalhar em vários países, valorizam a reputação do seu manager, o tipo de projeto em que estão envolvidos e querem estar expostos aos grandes objetivos das empresas”.
Ouvir é importante, mas não é suficiente. É preciso agir. “Hoje existe a figura dos ‘shadow boards’ [grupos de jovens profissionais convidados a trabalhar com as direções executivas em iniciativas estratégicas], mas depois é preciso atuar. Esta parte do ‘fazer’ é muito importante’ e dá trabalho. Tenho este projeto porque acredito que é preciso fazer”.
Isso mesmo faz a KPMG. Além do inquérito anual a todos os colaboradores do grupo, a comissão executiva da consultora criou precisamente um grupo de auscultação, que integra várias áreas, onde os mais jovens são desafiados a participar e a gerir os trabalhos livremente, e cujos resultados são posteriormente apresentados à comissão executiva. “E nós atuamos sobre essas propostas”, garante Susana Abreu, partner da KPMG Portugal. Sobre as novas gerações diz que “não querem um emprego para a vida”: “O que as atrai são os projetos, as experiências, as pessoas que acompanham as suas carreiras e empresas que sejam socialmente responsáveis e que partilhem os valores que são importantes para elas”. Um ‘tornado’ de expectativas que tomou de assalto as empresas e que obriga as lideranças de hoje – incluindo as intermédias – a tomar decisões rápidas em contextos de cada vez maior incerteza. “Teremos de tomar mais decisões com menos [informação] e de ter a capacidade de ouvir as pessoas. Porque as pessoas também são rápidas quando decidem sair”.