Quando chegar ao final do dia tente lembrar-se do que reteve nessas 24 horas. Talvez não seja muito. Foi esse o desafio lançado por Graça Fonseca, ex-ministra da Cultura e atual CEO da Because Impacts, uma das participantes na edição de 2023 da Girl Talk, organizada pela EXAME pelo segundo ano. Numa discussão sobre os desafios de comunicar num momento de polarização crescente, como poupar os nossos cérebros à sobrecarga a que estão sujeitos?
“Vivemos numa economia da atenção, com uma grande luta pela atenção do nosso cérebro, que tem hoje menos capacidade de reter conteúdo”, aponta Graça Fonseca. “Somos expostos de quatro a dez mil conteúdos por dia. É brutal. [Na Internet] vamos ao banco, conversamos, lemos livros, vamos às compras – e deixamos de conseguir processar essa quantidade de informação.”
Uma parte relevante da análise destes fenómenos implica olhar para os efeitos das redes sociais. Tanto na forma como sobrecarregam o nosso cérebro, como na forma como nos afastam. Joana Sá é uma especialista no tema, usando as redes para estudar a desinformação, e esclarece que a ideia que estamos fechados numa bolha não corresponde exatamente à verdade. “Achamos que estamos só a ver aquilo com que já concordamos, mas não é bem assim. Se nos gerar indignação também serve. Se calhar até é melhor”, explica a investigadora coordenadora no Social Physics & Complexity Lab. “As redes sociais não diminuem a nossa bolha. Fazem até com que encontremos pessoas com as quais não concordamos, mas aumenta a polarização, porque vai mostrar conteúdo que não é agradável.”
Joana Sá acrescenta que o nosso cérebro não faz um “clique”, alertando para a possibilidade de aquilo ser falso ou não representativo. “Esses enviesamentos humanos são explorados para se gerar esse mercado da atenção. Por vezes são motivos económicos, um site que diz como perder a barriga e ganha por cada vez que lá carregamos.”
O que se pode fazer? Na vertente empresarial, é necessário preocuparmo-nos com a forma como falamos com o outro. “Tem a ver com o propósito da comunicação. Eu estou aqui para dizer a minha opinião? Para ouvir o outro? Ou só estamos a ouvir para responder? O que, na verdade, é muito infantil”, refere Manuela Doutel Haghighi, diretora de global customer success da Microsoft Portugal. “O modelo hierárquico das empresas ainda vem do tempo da guerra.”
Para Graça Fonseca, “perdemos a noção do que importa às pessoas”. “Não são as que estão aqui, são as outras 9,9 milhões.” Uma ideia com a qual Manuela Haghighi concorda. “Temos de ouvir as pessoas”, sublinha, destacando os jovens. Temos de perceber como é que eles olham para o seu trabalho, eventualmente não com a mesma ligação umbilical a um só sítio. “As gerações mais jovens viram os seus pais trabalhar a vida toda e serem despedidos em três tempos”, lembra.
Do lado das redes sociais, será necessário olhar para elas com menos confiança. Tanto o público, como os governos. “Como é que regulamos os algoritmos para que não funcionem apenas com base na atenção?”, questiona Joana Sá. “Sabemos que muitos dos efeitos negativos aumentam a polarização, ameaçam o tecido social e até a democracia. Tal como não metemos no mercado um medicamento antes de o estudar, porque achamos normal colocar no mercado um algoritmo sem o mesmo tipo de processo que teste os seus efeitos secundários?”
Devemos lembrar-nos que a informação que nos chega é sempre filtrada, mesmo que achemos que somos nós que a estamos a escavar. Mais: muita daquela que encontramos online é enviesada, seja no seu conteúdo, seja na facilidade de encontrar alguma e na dificuldade em encontrar outra, com línguas e culturas quase ausentes. A consequências disso é que basta termos uma pepita de informação para acharmos que sabemos muito. “Criámos cidadãos muito pouco informados, mas que são muito confiantes”, conclui Joana Sá.
Graça Fonseca conclui que “vivemos tempos paradoxais na comunicação”. Com o mundo a girar muito mais rápido e com muito mais vias de partilha, “nunca o ser humano teve tantas ferramentas e formas de comunicar e nunca foi tão difícil fazê-lo”.