O caso da GameStop trouxe novamente os holofotes para os pequenos investidores. Em Portugal, Isabel Ucha também notou uma maior atividade do retalho e observa que os millenials se têm aproximado do mercado. O apetite por ações pode estar relacionado com as baixas taxas de juros que dificultam a oportunidade de encontrar rendimento em aplicações mais conservadoras e também pela maior utilização de plataformas online. Mas a presidente da Euronext Lisboa avisa que o mercado de capitais não deve ser visto como um jogo.
A Euronext tem notado um maior interesse por parte dos pequenos investidores em Portugal pela bolsa?
Efetivamente temos verificado uma maior atividade nos mercados de capitais por parte de investidores particulares. Em 2020, em Portugal, verificou-se um crescimento de cerca de 50% no número de negócios provenientes deste segmento.
O que pode explicar esse maior apetite pelo investimento em bolsa?
Este fenómeno tem vindo a verificar-se um pouco por todo o mundo e resulta de uma conjugação de vários fatores: por um lado, as baixas taxas de juro, e que levam os investidores a pensar em alternativas de rendibilidade (ações versus títulos de dívida); por outro, o aumento da volatilidade resultante da situação pandémica, e que poderá ter atraído a atenção de investidores que procuram oportunidades neste contexto; e ainda a crescente utilização de plataformas online, em alguns casos forçada pelo confinamento, e que poderá aproximar alguns investidores de uma realidade que lhes parecia mais distante. Parece-nos que há uma nova geração de investidores, que querem tomar conta dos seus investimentos, e que são, em geral, mais literatos financeiramente e tecnologicamente.
Nos EUA assistimos a uma revolta combinada por milhares de pequenos investidores nas redes sociais, movimento que também terá alguns seguidores em Portugal. Este tipo de fenómenos são um risco ou uma oportunidade para o mercado de capitais?
Um movimento como o descrito merece atenção, pois, no caso concreto, verificaram-se movimentos abruptos de cotações, e perdas e ganhos muito elevados em muito pouco tempo. Na Europa, e em Portugal existem mecanismos de alerta e controlo que tornariam situações como esta, em termos de magnitude dos montantes envolvidos e de variação das cotações, mais difíceis de se concretizarem. Os reguladores estão atentos e existem penas pesadas, se se verificarem comportamentos ilícitos. A Euronext está a avaliar com os reguladores os contornos precisos deste tipo de movimentos e os mecanismos adequados para lidar com eles. A Euronext empenha-se e trabalha ativamente para o funcionamento ordenado e transparente dos mercados. O mercado de capitais deve servir a economia real, proporcionar financiamento às empresas e boas oportunidades de investimento aos cidadãos. Nesse sentido, repetimos muitas vezes que a Bolsa não é um jogo, é uma oportunidade de investir no crescimento das empresas e da economia.
Tem existido um fluxo significativo de capital de pequenos investidores a nível global provocado por fóruns como o Reddit. Muitas das vezes, no entanto, esse dinheiro é canalizado para estratégias de muito curto prazo com comportamentos semelhantes ao do jogo online. Como se pode tornar este fluxo de capital em algo mais produtivo e menos especulativo para o mercado de capitais e para estes pequenos investidores?
À Euronext não cabe dar conselhos de investimento, mas entendemos que o mercado de capitais deve servir a economia real, e deve ter um funcionamento ordenado e transparente, assente, em geral, nos fundamentos económicos e financeiros. No entanto, os investidores podem ter perspetivas diferentes sobre os ativos, e isso é legítimo, gerando por vezes posições longas e curtas no mercado.
É positivo, e constitui uma oportunidade, que esta geração de “Millennials” se tenha aproximado dos mercados e que esteja desperta para a possibilidade de ter retorno em investimento canalizado para o financiamento da economia. E que o entenda como uma “win-win situation” – ter retorno e ajudar as empresas a financiar as suas estratégicas de crescimento. Cabe a todo o ecossistema do mercado, incluindo os intermediários financeiros, reguladores, consultores, comunicadores, desenvolver uma abordagem informada e responsável aos mercados.
Em Bolsa, há produtos para todos os perfis de risco, mas num ambiente mais seguro e com garantias de melhor execução de preço. Nesse sentido, defendemos a aplicação das regras e das boas práticas da melhor execução de ordens (best execution), incluindo a transparência dos custos de transação. Por vezes os investidores são atraídos por custos de transação muito baixos ou nulos, mas é preciso verificar como é que essas ordens são executadas, garantindo o melhor preço ao investidor. Assim, continuaremos a operar mercados ordenados e transparentes, com um conjunto diversificado de participantes no mercado (retalho, buy side, sell side), fomentando a liquidez, sempre que a oferta e a procura se encontrem.