Quatro meses e meio depois das primeiras medidas de combate à pandemia, o cenário junto das empresas é de adaptação aos novos tempos, reformulação de modelos de negócio e – já – de alguma retoma, embora a várias velocidades. Os próximos meses ainda vão trazer mais mudanças, mas dependendo da duração da crise de saúde pública, as empresas que tiraram partido dos mecanismos de apoio e se prepararam para o novo ciclo podem recuperar e posicionar-se para encontrar novas oportunidades.
É uma convicção deixada por Vítor Fernandes, que põe a tónica no fator duração: “Se a crise for relativamente reduzida no tempo, as boas empresas – as que fizeram o turnaround, reduziram a dívida, que exportam hoje mais que no passado, que tiveram acesso aos apoios, às moratórias, às linhas garantidas pelo Estado – vão recuperar.” O administrador do Novo Banco espera ainda que a situação não venha a criar problemas de liquidez do lado dos bancos, mas admite que se a crise se prolongar “por mais de um ano, mesmo as empresas muito solventes vão ter problemas.”
Se a crise for relativamente reduzida no tempo, as boas empresas (…) vão recuperar.”
Vítor fernandes, administrador do novo banco
Investimento lento, mas acontece
Para já, os primeiros sinais positivos parecem sobrepor-se, como foi referido também pelos outros oradores no webinar “A resiliência das PME à adversidade”, promovido esta quarta-feira, 22 de julho, numa parceria entre a EXAME e o Novo Banco (e que pode rever aqui). Alguns setores deram mostras de uma retoma progressiva a partir de maio e junho, a um ritmo que ainda não é igual para todos, mas que já levou algumas empresas a níveis de atividade muito próximos do habitual. Muitas estão a aproveitar para, entretanto, investir na sua transformação e na entrada em novos mercados.

“As empresas percebem que, passada a crise pandémica, podem surgir novas oportunidades e estão a posicionar-se. (…) Podem ser mais lentas no investimento, mas não deixaram de o fazer,” notou Nuno Mangas, presidente do Iapmei, que deteta esse movimento pelo recurso dos empresários aos sistemas de incentivos. “Quem tiver investido e se tiver preparado, provavelmente terá melhores oportunidades,” acrescentou o responsável, no evento que marca o arranque da “PME Líder 2020: Estamos abertos às PME que ambicionam ser líderes”, uma parceria EXAME/ Novo Banco associada ao projeto da PME Líder.
Acho que temos de estar nos dois campos: preparar a retoma e pensar no futuro. Estamos a ver muitas empresas a trabalhar nisso”
Luís araújo, presidente do turismo de portugal
A Sociedade Portuguesa de Garantia Mútua (SPGM), que nos últimos meses teve de acelerar a capacidade de resposta devido à forte procura por produtos de liquidez e tesouraria, antecipa que em breve as empresas entrem num novo ciclo e passem a recorrer a produtos de investimento, como empréstimos e produtos de capitalização. A presidente da instituição, Beatriz Freitas, também uma das oradoras deste webinar, anunciou que está a ser preparada uma nova linha de liquidez no valor de €1.000 milhões para microempresas e PME com o mesmo nível de garantias e algumas melhorias em relação à que foi lançada como primeira resposta à pandemia.

No setor do turismo, um dos mais prejudicados por esta crise pela queda a pique da procura e já com forte impacto no desemprego em regiões como o Algarve, o momento é de sobrevivência e dúvida sobre quanto tempo mais perdurarão os efeitos da falta de confiança que afasta turistas de hotéis, restaurantes e atividades de lazer. A solução, para Luís Araújo, é aproveitar os balões de oxigénio e trabalhar em rede para tentar aguentar até que a procura reaja. E pensar à frente: “Acho que temos de estar nos dois campos: preparar a retoma e pensar no futuro. Estamos a ver muitas empresas a trabalhar nisso,” afirmou o presidente do Turismo de Portugal, que defendeu que, mais do que a confiança, o que pesará nas escolhas do turista do futuro é a sustentabilidade dos destinos.
Riscos e soluções
Se a retoma está a ser desigual, o mesmo também se pode dizer do impacto da crise. E o grupo Erofio, que junta produção de moldes e de plásticos, é um exemplo disso. Com o fecho de portas da generalidade dos clientes, a empresa teve de interromper a unidade de plásticos sob pena de ficar com stock acumulado por escoar; já a de moldes, com uma entrega mais diferida no tempo, pôde reprogramar a produção, o que evitou a paragem, explicou o CEO do grupo. Como se não bastasse a incerteza da pandemia, as duas empresas têm ainda de lidar com outros fatores também chegados do outro lado do mundo. “A Ásia é um grande concorrente no setor e estamos a ter problemas com a agressividade dos preços. Estamos quase a vender abaixo do preço de custo,” especificou Manuel Novo durante o debate moderado por Tiago Freire, diretor da EXAME.
As empresas percebem que, passada a crise pandémica, podem surgir novas oportunidades e estão a posicionar-se. (…) Podem ser mais lentas no investimento, mas não deixaram de o fazer
nuno mangas, presidente do iapmei
O grupo Erofio é um dos que detém – há 11 anos – o estatuto PME Líder, uma certificação concedida pelo Iapmei em parceria com o Turismo de Portugal e que constitui para os financiadores um selo de “risco controlado” das empresas. Este ano, apesar da pandemia, os critérios de atribuição do estatuto deverão manter-se, uma vez que será tido em conta o exercício de 2019. Mas, reconheceu Nuno Mangas, poderão ter de ser reanalisados no ano que vem, em função do que vier a ser o desempenho da economia em 2020.

Estatutos como este podem ser vistos como preciosos, numa altura em que se colocam tantas dúvidas à saúde financeira das empresas. Ainda assim, e apesar dos efeitos da crise de saúde pública, o Novo Banco diz que não mudou o processo de avaliação de risco, onde bons planos de negócio e capitais próprios robustos continuam a fazer a diferença na hora de obter financiamento, garantiu Vítor Fernandes.
O administrador mostrou-se, contudo, preocupado com o momento do regresso da confiança aos consumidores que, tendo recuado nos gastos, levaram ao aumento dos depósitos dos particulares na generalidade dos bancos. Sem dinheiro a rolar na economia, corre-se o risco de haver peças que comecem a falhar: “Se não houver retoma de confiança, os consumidores continuam a poupar mais. E se não voltarem a consumir de forma regular, as empresas vão sofrer muito mais tempo. É fundamental que a confiança retome e, para isso, tem de se encontrar solução para a crise sanitária.”
A parceria EXAME/Novo Banco, cujo arranque fica marcado por este webinar sobre a resiliência das empresas portuguesas, incluirá ainda uma série de conteúdos disponibilizados aos leitores durante os próximos meses, numa vertente digital, tendo sempre como foco a informação útil às PME nacionais.