Em Lisboa, por ocasião da apresentação do segundo volume de Aprendendo com os melhores, Francisco Alcaide Hernández analisou os caminhos que podem ajudar a melhorar o desenvolvimento pessoal e profissional. Separa dinheiro de sucesso, defende que o fracasso faz parte do processo de quem ambiciona chegar mais longe, reconhece as mudanças que as novas gerações e as tecnologias de ponta estão a trazer ao mercado de trabalho, mas defende que isso não altera os princípios fundamentais da criação das empresas: vender e trazer valor acrescentado ao mercado.
Em que alturas da vida nascem os comportamentos que mais condicionam a nossa prestação futura e como podemos evitá-los?
Podemos fazer pouco para os evitar, mas muito para os mudar. Tudo o que fazemos é determinado pelas crenças, que se fixam fundamentalmente nos primeiros seis anos de vida. São o software: são aprendidas, podemos desaprendê-las e substituí-las. É fácil? Não, mas é possível. Há pessoas que acreditam que os bem-sucedidos são melhores e nasceram com uma estrela na testa. Não pensam que o potencial está dentro de si. Se pensa que os outros são melhores, resigna-se, pensa que há pouco a fazer. Mas se pensar que o seu desenvolvimento pessoal é o seu destino, quanto mais investir em si e mais conhecimento tiver, mais bem-sucedido será.
Isso não pode transformar-nos em algo que não queríamos ser, retirar genuinidade? Como fazer um pacto com o Diabo…
Mais do que dizer o que se deixa para trás, prefiro destacar o que se faz. Todas as decisões que tomamos na vida são com base em custo-benefício. O errado é tentar ser algo que o corpo não pede. Algumas profissões, que têm mais visibilidade e glamour, despertam avidez. Mas quem quer tê-las não está disposto a fazer o que não se vê. E, aí sim, vende-se a alma ao Diabo. Se alguém se engana em relação ao que quer e procura só porque lhe dá aceitação social, está perdido.
As dicas que apresenta nos seus livros são receitas universais? Imagino que quem entra, hoje, no mercado de trabalho tenha padrões muito específicos…
O mundo funciona por princípios, fundamentos e leis que se repetem, independentemente das coordenadas espaciotemporais. Dois mais dois são quatro, e isto é assim quer seja mulher ou homem, boa ou má pessoa, branco ou negro.
Isso é determinista…
Não, não… Há leis físicas, princípios que não mudam e não vão mudar. A essência do que é uma empresa hoje é a mesma que era há 100 anos: trazer valor ao mercado, tornar a vida das pessoas mais fácil e vender, converter esse valor em dinheiro. O que mudou foi a forma de vender ou de trazer valor ao mercado, o embrulho.
Mas os millennials ligam a estas receitas de sucesso? Não será possível fazerem o seu caminho independentemente desse coach?
As gerações mudam algumas coisas, mas a essência não muda. O millennial pode dizer: “Eu não quero trabalhar e quero dedicar-me a viajar, quero ter muito tempo livre.” Muito bem. Mas terá de ganhar dinheiro e financiar esse tempo livre! Ou ter um emprego ou criar uma empresa. A menos que seja subsidiado, coisa que acho um erro. Às vezes, diz-se que os jovens estão acomodados, mas se o estão é porque alguém o permitiu.
Não acredita que eles tragam uma mudança fundamental ao mercado de trabalho que inverta toda essa lógica?
Totalmente. O que mudou foi a embalagem. Mas há algo que é fundamental e nos interessa a todos: o dinheiro. Desde que acordamos até que nos deitamos, tudo é dinheiro. A primeira coisa que fazes de manhã é acender a luz, custa dinheiro.
É preciso gostar de dinheiro para se ser bem-sucedido?
Não, o dinheiro não tem nada que ver com o sucesso. Há um autor espanhol que diz que o dinheiro não nos muda, só nos revela. Amplifica o que és, não te torna miserável. Se fores miserável, permite-te exibi-lo. O dinheiro é algo fantástico: quanto mais ganhas, mais podes ajudar os outros. O sucesso, entendido como felicidade, é algo que tem que ver com o teu interior, e cada um tem as suas metas e objetivos.
Mas não era isso – ganhar mais dinheiro – que tinha em mente quando selecionou estas centenas de dicas inspiradas nas várias personalidades?
Não. Se pergunto a alguém se prefere ganhar mil euros ou cinco mil, quem é que não quer mais dinheiro? Não conheço ninguém que chegue ao chefe e diga: “O dinheiro não é muito bom, veja se me baixa o salário.” Sendo-se bom, em qualquer profissão no mundo pode-se ganhar muito, porque o mercado o valoriza. Mas o dinheiro também é, na maioria dos casos, um sinal que indica se alguém está bem ou mal.
O sucesso do caminho do desenvolvimento pessoal mede-se como: pelo que ganho a mais ou porque me transformei em alguém melhor?
As duas coisas. O sucesso resume-se em três coisas: o que quero conseguir; como vou consegui-lo; e em medir o progresso, para perceber se o estou a fazer bem. Deixemos o dinheiro de lado: num curso, como sei que estou a fazer bem as coisas? Passo de ano. Os resultados são o indicador e, geralmente, vêm acompanhados de uma maior rentabilidade. Quanto melhor alguém for, quanto mais valor trouxer, geralmente mais o mercado retribui. O dinheiro é um indicador.
Na cultura do sucesso, continua a existir aversão ao risco e estigma sobre quem falha. Para esses que tropeçam, como voltar ao caminho?
De uma forma: tomando consciência de que o fracasso não é o contrário do sucesso. Faz parte do processo do sucesso. Os ganhadores são-no porque perdem mais vezes do que os perdedores, e os perdedores são-no porque evitam perder. O preço do sucesso é o preço da aprendizagem, do erro. Quem evita o fracasso está a evitar o êxito… Qual é o programa de televisão mais conhecido aqui?
Será O Programa da Cristina?…
Imagine que me dizem: “Amanhã tens de apresentar esse programa.”
O que faria?
Alguma coisa faria [risos]! Não o faria muito bem, não tenho conhecimento nem experiência. Mas não se trata do que faria, e sim do resultado.
Independentemente do ponto de que partamos, podemos todos ambicionar chegar ao mesmo destino? Ser a Cristina Ferreira, por exemplo?
Nem todos querem lá chegar. E há outra coisa de que poucos falam: muita gente que diz que quer coisas verdadeiramente não as quer, porque não sabe o que há por detrás, não está disposta a pagar o preço. Muitas quererão ser como a Cristina [Ferreira], em prime time; de certeza que ganha muito dinheiro. Mas, se calhar, ela – eu não conheço a sua história – começou a trabalhar como estagiária num programa da manhã, a fazer entrevistas. E fazia-o com gosto, tinha essa determinação.
Que papel é que estas competências que aborda nos livros terão dentro de umas décadas, quando – previsivelmente – tivermos todos de trabalhar com, para ou por máquinas?
Uma vez mais, só mudará a embalagem. E não é preciso ir ao futuro, vamos ao passado: nos séculos XII e XIII, os princípios eram os mesmos. Para uma empresa, continuará a ser fundamental vender. Coisa diferente é como se vende, que pode ser com ferramentas tecnológicas, dados ou inteligência artificial. As máquinas não têm intuição; haverá sempre intervenção humana.
As formas de desenvolvimento pessoal mudam muito de geografia para geografia, consoante o quadro de valores?
Uma coisa são os princípios e fundamentos, outra é a aplicação em cada cultura. As mais individualistas, como a norte-americana, são mais focadas em trabalho, no sucesso profissional. Como são mais orientadas, é mais fácil haver casos de sucesso.
Que papel pode ter a componente espiritual no percurso de desenvolvimento pessoal? Quem é crente tem, à partida, alguma vantagem?
Muitas, creio. Para mim, há uma energia, uma inteligência universal que ordena o universo, que está em tudo e em todos e com quem estamos em comunicação permanente através do inconsciente. Se esse vínculo e essa relação − a que uns chamam Deus; outros, poder supremo; outros, inteligência divina − forem sãos, vão aparecer as pessoas e as circunstâncias precisas.
“Crescimento pessoal e comodismo são incompatíveis”
Não faltam gurus do desenvolvimento pessoal e coaches. Em que é que Francisco é diferente dos outros?
Hoje – não no passado –, apresento-me como alguém que ajuda as pessoas, as empresas, as organizações a tentar alcançar o seu máximo potencial, através de conferências, formações e coaching. A mensagem que tento levar é a de aprender, além da minha experiência, com os melhores. Trabalhei parte da minha vida numa revista muito conhecida, a Executive Excellence em Espanha, e isso permitiu-me aceder a muita gente que chegou muito longe, dos mundos das empresas, do desporto, da economia, da gestão. E, depois de identificar tanta gente, começámos a identificar padrões de atuação e comportamento. O êxito deixa pistas, e quem as conhece está em melhores condições para definir as suas próprias metas.
Uma das suas 600 dicas para o desenvolvimento pessoal e profissional é “proteja a sua concentração”. Seguindo esta dica, consegue resumir as 600 em apenas cinco?
A clareza, pois não saber o que se quer é a causa número um para não conseguir; o foco
− as pessoas bem-sucedidas acumulam conhecimento, mas os resultados ressentem-se se se dispersam; depois, a disciplina − fazer o que há a fazer, mesmo que não apeteça. O grau de autorresponsabilidade, que é indicativo do grau de poder pessoal. E estar em contextos ganhadores − o ambiente determina em grande medida o nosso sucesso.
E esses ambientes somos nós que temos de os procurar, quem não está bem muda-se?
Os limites não estão nas pessoas, estão nos ambientes que determinam as nossas crenças e influenciam o que conseguimos. Se o ambiente não é favorável, procuramos a mudança. Há soluções fáceis e outras, nem tanto. Podemos não nos ligar às pessoas que não partilham os nossos objetivos, limitar essa ligação ou procurar a associação forte com aquelas que procuram um modelo de vida semelhante.
Quando refere disciplina, quer dizer fazer sacrifícios…
Se alguém quiser ter um corpo firme e não fizer nada… Disciplina é isso. O problema é que o ser humano tem uma tendência natural para fazer o que é fácil. Uma vida pode ser cómoda – e é uma opção! –, mas não está associada ao crescimento. Crescimento pessoal e comodismo são incompatíveis. A palavra mais importante associada ao sucesso é o compromisso, fazer o que é preciso e quando é preciso. Demora-se sempre mais tempo do que se esperava, o que leva a que alguns desistam a meio do caminho.
Basta seguirmos essas regras, com essa disciplina, e no espaço de um ano, dois, mudar a nossa vida?
O principal pecado que se comete nos processos de transformação pessoal é esse: a impaciência. Não sei quanto demora, a posição de partida das pessoas é diferente. Quem estiver num nível abaixo, provavelmente vai ter de trabalhar mais e durante mais tempo. Se não se semeia hoje, não se colhe amanhã. E entre uma coisa e a outra há períodos de seca, de dúvida.
Artigo publicado originalmente na edição 432 da EXAME – abril de 2020