Versão alargada de uma entrevista publicada em outubro de 2019 na edição 426 da revista Exame
Jason Traub, o líder da 23 Capital, explica à EXAME o potencial que o futebol tem para os investidores financeiros. Esta instituição especializada em dar crédito e em prestar assessoria financeira, em áreas como o desporto, a música e o entretenimento, tem trabalhado de perto com o Benfica. Montou a operação dos encarnados para antecipar receitas dos direitos televisivos. O CEO da empresa explica, em respostas por escrito à EXAME, como funciona esta instituição especializada em conceder crédito ao futebol e a outros setores.
A indústria do futebol atrai cada vez mais investimento. O que pode explicar o maior fluxo de dinheiro a entrar neste setor?
O aumento dos níveis de receita gerados por direitos televisivos e contratos de patrocínios contribuiu definitivamente para o fluxo de liquidez na indústria. Com o aumento destes valores na última década, houve também uma maior sofisticação financeira no setor sobre como se poderiam alavancar estes ativos intangíveis de forma a concretizar o seu valor total. Compreender como estes direitos comerciais são estruturados permite aproveitar estes ativos ao máximo. Através do nosso profundo conhecimento quer do setor do futebol como dos ativos intangíveis associados à indústria, a 23 Capital permite libertar a liquidez dos clubes e melhorar o desempenho financeiro e desportivo.
A 23 Capital tem grandes investidores como o Quantum Capital. O futebol é uma classe de ativos que ainda tem valor por descobrir? É expectável que mais grandes investidores venham a alocar capital no futebol?
Olhando para o onde o financiamento do futebol está agora e onde estava há dez ou mesmo há cinco anos, há um mundo de diferença. O sucesso e interesse nas ligas de topo a nível global, a emergência e crescimento dos direitos televisivos e os direitos de propriedade intelectual deverão provavelmente atrair mais investimento e gerar mais valor. No entanto, para os que estão a entrar no mercado, é necessário um especialista com conhecimento do setor para poderem gerir o risco de forma apropriada. O futebol tem sido visto como um investimento de vaidade que traz fama e, com alguma esperança, retorno financeiro. No entanto, o financiamento da 23 Capital ao setor é baseado em rigorosos perfis de risco que nos levam a trabalhar apenas com a Premier League ou clubes de topo equivalentes no resto da Europa. Isso assegura-nos que trabalhamos com clubes que têm uma forte equipa de gestão e um sólido desempenho financeiro.
A 23 Capital é um importante player no negócio de financiar o futebol. Como este tipo de atividade pode ajudar a desenvolver a indústria e o desporto?
Disponibilizamos capital e soluções não apenas para o futebol mas também para outros desportos, além da música e do entretenimento. Emprestámos mais de dois mil milhões de dólares em financiamento direto, incluindo alguns dos maiores clubes europeus. Não somos um fundo. Não gerimos dinheiro de entidades terceiras alinhadas com um mandato. Somos uma empresa financeira especializada. Veja-nos mais como um banco que levanta as próprias linhas de crédito e pools de dinheiro que nos permitem financiar diretamente os setores do desporto, da música e do entretenimento.
A financeirização do futebol tem riscos? Não pode destruir a “alma” do jogo e a própria base de adeptos ao contribuir para um aumento da rotação de jogadores e das comissões para entidades que não estão diretamente envolvidas?
A 23 Capital disponibiliza liquidez a clubes alinhados com o seu próprio bem-estar, bem como continuidade de solidez, permitindo que concretizem as suas estratégias – seja a compra de um jogador, o fortalecimento do balanço ou melhorias do estádio. A nossa abordagem aos princípios básicos de crédito, combinada com a nossa profunda expertise sobre o setor, tornam-nos, acredito, um stakeholder credível na continuação do sucesso financeiro do futebol (um guardião do risco). Assim, isso não quer dizer que se retire valor ao futebol (independentemente das quantias imateriais que o financiamento tem relativamente aos valores absolutos no futebol).
O Benfica foi um dos primeiros clientes da 23 Capital em negócios que envolveram jogadores agenciados pela Gestifute. Como surgiu a relação entre o Benfica e a 23 Capital? A 23 Capital também trabalha de perto com agentes como Jorge Mendes?
Nós trabalhamos sempre e quase exclusivamente de forma direta com a gestão dos clubes e não estamos envolvidos em negociações específicas para as transferências de jogadores. Estamos apenas no negócio de fornecimento de liquidez aos clubes de topo. Não podemos fazer comentários sobre a Gestifute ou agentes específicos, já que a nossa relação de negócio é apenas com o clube. Em relação ao SL Benfica, sempre tivemos um excelente relacionamento, e tenho um grande respeito pelo clube e pela equipa de gestão. Fizemos parceria com o SL Benfica para fornecer cerca de 100 milhões de euros, através de uma facilidade de financiamento sem recurso a cinco anos, envolvendo a monetização dos direitos televisivos para atingir uma maior eficiência de balanço.
Uma das maiores preocupações no desporto são os investimentos através de offshores. A 23 Capital emitiu instrumentos financeiros nas ilhas Caimão para se financiar. Quais as razões para isso e quais os controlos relativamente ao risco de branqueamento de capitais que a 23 Capital tem em curso? Conhece os beneficiários últimos de todos os seus investidores?
A 23 Capital Ltd. é uma entidade com domicílio fiscal no EUA e regulada pela FCA [Autoridade de Serviços Financeiros do Reino Unido]. O recurso a várias bolsas de valores no mundo tem diferentes motivos que correspondem a diversos requisitos de negócio. No entanto, para nós, a simplicidade oferecida pela C.I.S.E. [Bolsa de Valores das Ilhas Caimão] é relevante. De facto, e como sublinhou, é mais importante ter confiança em quem são os beneficiários últimos dos investidores. No que diz respeito à 23 Capital Ltd., os nossos instrumentos financeiros não negoceiam de forma livre e, assim, estamos cientes de todos os beneficiários últimos. Todos eles representam investidores institucionais altamente regulados e todos eles têm atividades substanciais onshore. Tomamos medidas importantes para construirmos a nossa credibilidade como um stakeholder bem conceituado no futebol e somos fortes defensores da promoção da transparência e dos mais elevados padrões de boa governação.
É possível obter informação sobre quem são os principais acionistas da 23 Capital?
No final de 2017, a 23 Capital trouxe dois parceiros significativos: a Quantum Partners LP, um fundo de investimento privado geridos pela Soros Fund Management LLC (e as suas afiliadas) e a Corrum Capital que se juntaram aos acionistas fundadores.