Na corrida para se tornarem as seguradoras do futuro, as instituições do setor têm de ser rápidas a inovar e a tirar partido das (cada vez maiores) soluções tecnológicas. A conclusão é de um estudo da Deloitte com perspetivas globais para a indústria seguradora. A sociedade e a economia aparentam estar em constante mudança, o que cria desafios mas também oportunidades. Cristina Gamito, sócia e líder do setor segurador da Deloitte, explica à EXAME as principais conclusões do estudo e analisa como as seguradoras portuguesas se estão a adaptar a uma nova era.
No estudo 2019 Insurance Outlook, a Deloitte nota que as seguradoras estão a alavancar a utilização da cloud. Como se situam as seguradoras portuguesas neste ponto? Quais as poupanças e os ganhos de eficiência que se podem ter com a transição de informação para a cloud?
Hoje em dia, sete em cada dez empresas a nível mundial estão a usar esta tecnologia no suporte ao seu negócio, pelo que a cloud faz já parte do ambiente tecnológico. Em Portugal, de acordo com a informação disponível, cerca de dois terços das empresas utilizam serviços de cloud computing e estes estão a crescer em linha com o que constatamos no mercado internacional. A utilização da cloud destaca-se, atualmente, como opção primordial em processos de transformação digital, não só pela flexibilidade na disponibilização de aplicações e ferramentas analíticas mas também pela maior eficiência e pelo controlo de custos no uso das infraestruturas. As suas principais vantagens, além da redução de custos num modelo de contratos de “pay as you consume”, são a velocidade e a flexibilidade para inovar e criar novas capacidades de negócio. Estas vantagens vão continuar a incentivar a crescente utilização da cloud. Este movimento é reforçado pela expectativa de que as grandes empresas tecnológicas possam direcionar os seus investimentos para desenvolver alternativas inovadoras baseadas na tecnologia da cloud, alargando o espetro de potenciais utilizações desta tecnologia.
Tal como na banca, começaram a aparecer players mais ágeis, tecnológicos e menos burocráticos a oferecer serviços relacionados com seguros. O setor português está bem preparado para lidar com estes concorrentes? Quais os maiores desafios e as maiores oportunidades?
Nos dias de hoje, todos os setores económicos devem olhar para os temas da inovação e da concorrência de forma holística e não apenas para os seus concorrentes tradicionais. Acreditamos que as seguradoras portuguesas estão atentas ao mundo da inovação. No mercado há bons exemplos de suporte ao empreendedorismo e ao ecossistema de fintech/insurtech. A tendência é para uma personalização cada vez maior das ofertas. Por exemplo, estima-se que um em cada quatro clientes pretenda uma cobertura que possa ativar e desativar sempre que queira. Os consumidores querem ter um maior controlo sobre as suas coberturas de seguro e é por este ângulo que muitas insurtech estão a aproveitar para entrar no mercado desenvolvendo ofertas “real-time, as needed”. Estes são dados apontados pelo estudo Insurance Outlook de 2019 da Deloitte. As seguradoras terão de se adaptar ao mercado, aos clientes e às suas necessidades e acompanhar a dinâmica do setor no que diz respeito à digitalização e à personalização de negócio. Este é um processo que tem vindo a ser desenvolvido nos últimos anos, mas que naturalmente necessita ainda de alguma maturidade. No entanto, e tocando no ponto da burocracia, o mercado segurador depara-se hoje com desafios na área da privacidade de dados que obrigam à formalização de processos de gestão de dados. Não vejo isto como um impedimento à inovação, mas são medidas que os reguladores e o mercado exigem para salvaguardar a privacidade e o controlo da informação por parte de cada um de nós. É necessário responder à constante pressão sobre o preço, melhorar a qualidade de serviço ao cliente e adaptar-se à crescente regulação, mantendo níveis de rentabilidade interessantes e alinhados com as necessidades de capital. Todos estes aspetos são, naturalmente, desafios, mas trazem consigo múltiplas oportunidades. O caminho é inovar, encontrar novas fontes de receita e ser cada vez mais relevante para os clientes. Os incumbentes têm o conhecimento de negócio, a base de clientes e os dados, o que se traduz numa enorme vantagem competitiva desde que consigam ter a agilidade para inovar e sobretudo para estabelecer as parcerias e alianças que permitam acelerar o processo de inovação.
“A tendência é para uma personalização cada vez maior das ofertas. Por exemplo, estima-se que um em cada quatro clientes pretenda uma cobertura que possa ativar e desativar sempre que queira.”
As seguradoras têm tido problemas em desenvolver produtos inovadores? Com a afirmação das insurtech vão ter de acelerar esse processo? Que novos tipos de produtos os consumidores podem esperar?
O desenvolvimento de produtos de seguros obriga a uma fase de reunião de informação para entender os riscos e a forma como nos impactam, e assim definir estratégias de resolução ou mitigação. Hoje, vemos maior pressão para inovar e oferecer novos produtos: proteção dos dispositivos móveis que vão connosco para todo o lado; soluções de seguros apenas para os períodos de utilização (seguros de curta duração que podem ser ativados e desativados); soluções de seguro para a economia partilhada, etc. Temos também os novos riscos, dos quais destacamos a cibersegurança e um maior foco na associação de componentes de serviço aos produtos de seguro tradicionais, muitas vezes focados na prevenção. Embora haja ainda muito espaço para inovar e crescer, as seguradoras portuguesas têm conseguido trazer inovação para o mercado. Por exemplo, na área dos seguros de saúde temos um leque de produtos diversificado, abrangente e complementar a outros sistemas de saúde. No entanto, há ainda trabalho a fazer no desenvolvimento de produtos inovadores para as gerações mais novas. No estudo Insurance Outlook da Deloitte verifica-se que, comparativamente com outros setores, as seguradoras estão aquém no que diz respeito à implementação de soluções tecnológicas, dificultando a relação com as gerações mais novas, nomeadamente a geração Y (18-34 anos).
O talento de que o setor segurador vai necessitar nos próximos anos terá um perfil muito diferente do que era tradicional até aqui? As seguradoras portuguesas estão a fazer essa transição? Quais os novos perfis pretendidos pela indústria seguradora?
No estudo, verificamos que mais do que aumentar o seu talento nesta era digital, a maior parte das seguradoras está a ter dificuldade em reter os seus profissionais. Isto não invalida, no entanto, que cerca de dois terços das seguradoras estejam a planear aumentar o número de profissionais no próximo ano. O mercado de trabalho está, provavelmente, no período mais complicado da última década no que toca a contratações para a área de tecnologia. A Inteligência Artificial e a robótica estão rapidamente a entrar no mercado e a automatizar o trabalho, alterando a forma de trabalhar de muitos profissionais. O setor segurador, como todos os negócios de informação, sempre foi muito dependente de conhecimento tecnológico. Mas esse conhecimento é hoje mais abrangente e engloba nova valências, incluindo diversas áreas de engenharia, para tudo o que está relacionado com os novos dispositivos inteligentes e a conectividade, mas também com as componentes de design, comunicação e marketing. Desenvolver uma aplicação ou um sistema não é só criar código e algoritmos, mas um processo multidisciplinar muito abrangente. Face a esta nova realidade, assistimos à criação e ao reforço das equipas de IT e de negócio nas seguradoras, com todas as valências necessárias para os processos de transformação digital. Também ligado à transformação tecnológica, mas explorando outra dimensão, a dos dados e a da informação, vemos as seguradoras a reforçarem as suas equipas de data scientists para acompanharem a revolução tecnológica e, assim, retirarem, valor da informação disponível.
É provável que as seguradoras portuguesas, ou as entidades que as controlam, tenham de comprar insurtech de forma a acelerar a sua digitalização?
É inegável que as insurtech têm tido uma grande capacidade de adaptação às necessidades de uma sociedade digital em constante mutação e conseguem ter uma visão, sem dúvida, inovadora da realidade. Agentes como estes têm um importante impacto no ecossistema financeiro. Os seguros estão hoje mais próximos do cliente, mais personalizáveis e interativos, e isso deve-se, em grande parte, ao papel que as insurtech e outras empresas tecnológicas têm vindo a desempenhar no setor. Há dez anos, muito possivelmente, uma grande maioria dos agentes neste setor negaria que esta evolução aconteceria de forma tão rápida e abrangente. Qualquer transformação digital vive, necessariamente, de sinergias entre os seus vários agentes que podem resultar de aquisições, mas também de alianças ou parcerias. No caso do setor segurado serão insurtech, reguladores, consultoras, seguradoras, entre outros, que em conjunto, num trabalho articulado, criarão as condições necessárias para que a inovação tenha um impacto positivo nos diferentes intervenientes, sejam eles clientes, colaboradores, parceiros ou outros.
A nível global, os reguladores estão a dar uma atenção especial à conduta de mercado? Que desafios é que isso traz para as seguradoras e que soluções terão de desenvolver para cumprir esses requisitos mais apertados em termos regulatórios?
A conduta de mercado continua a ser, naturalmente, uma preocupação dos reguladores a nível global. Na Europa, recentemente, e com impacto em Portugal, a EIOPA (The European Insurance and Occupational Pensions Authority) tem estado em consultas públicas para efetuar revisões a nível da regulação do código de conduta, tendo como principal interlocutor o IRSG (Insurance and Reinsurance Stakeholder Group). Esta revisão das orientações relacionadas com o pilar de governação deverá ser finalizada o mais tardar na revisão de Solvência II. As companhias de seguros terão de demonstrar que o modelo de governo é suficientemente robusto para identificar riscos emergentes e para os mitigar. Os reguladores deverão exigir evidências de um constante desafio por parte das várias linhas de defesa e por parte dos administradores independentes.