Em menos de 30 segundos apresenta-se assim: “Chamo-me Sandra Correia, sou empreendedora e a terceira geração de uma empresa familiar. Eu inovei a cortiça. Tenho uma marca chamada Pelcor e o meu sonho é ter uma loja na 5.ª Avenida.” Aos 42 anos, esta algarvia diz: “Por acaso, nasci no mundo da cortiça. Mas se tivesse nascido no mundo das peles teria feito qualquer coisa com peles. O facto de ter sido na cortiça acabou por ajudar bastante”, atira Sandra à Exame.
Há pouco mais de 10 anos, olhou para o excedente de discos de cortiça da empresa da família, a Novacortiça (em São Brás de Alportel), utilizados para a produção de rolhas de champanhe e arranjou solução para a baixa procura daquele produto num ano menos bom para o setor do champanhe. A história, depois, já é sabida: transformou pele de cortiça num guarda-chuva. E nasceu a Pelcor.
Hoje, Sandra é tão reconhecida pelos acessórios de moda da marca que arrecadou uma distinção do Parlamento Europeu como Melhor Empresário da Europa em 2011. Ou pelo convite que recebeu no ano passado da administração de Barack Obama, Presidente dos Estados Unidos, para participar num curso de três semanas reservado apenas aos maiores empreendedores de alto rendimento de todo o mundo, A New Beginning: Entrepeneurship and Business Innovation. “Foi aí que percebi o que era: uma empreendedora.”
Nos últimos tempos, além de se dividir entre o Algarve e Lisboa, onde tem a loja da Pelcor, a empresária tem passado mais tempo nos Estados Unidos. Acaba de abrir o primeiro escritório internacional da insígnia fora de portas, em Nova Iorque. Lá para o final do ano conta inaugurar a primeira loja, provavelmente no bairro nova-iorquino de SoHo. Chegará o dia da 5.ª Avenida… A Pelcor está a assumir-se como uma insígnia de moda, e não como uma marca que faz acessórios em cortiça. O objetivo agora é expandir a Pelcor no mundo. O Dubai será o passo seguinte. Por estes dias, Sandra Correia está a desenhar o modelo de franchising com que quer vingar no caminho da internacionalização. “Queremos avançar rapidamente”, diz. No seu discurso irreverente, marcado pelo sotaque algarvio e sem olhar muito ao politicamente correto, Sandra Correia conta os planos para a Pelcor. E sobre o que é ser empreendedora.
É mais fácil hoje descolar a cortiça do rótulo de setor tradicional?
Continua a ser difícil. Claro que esta matéria-prima, pelas suas características, definirá sempre o produto. As pessoas continuam a meter tudo dentro do mesmo saco: “Ah, é cortiça.” Mas não é assim: a qualidade da cortiça é diferente, as formas de aplicação muito variadas. Podemos estar a falar de rolhas mas também de uma recente inovação portuguesa, a malha de cortiça, que serve para fazer vestuário, aplicada a outros materiais. E isso já não é só cortiça, mas sim uma inovação elevada a produto internacional. Já passámos a fase em que o tecido de cortiça era uma inovação. Temos é de pegar nesta matéria-prima e desenvolvê-la recorrendo a algumas técnicas e saberes, até tradicionais, como o tricô ou o croché.
Primeiro, o seu trabalho foi reconhecido lá fora. São os estrangeiros que mais apetência têm para consumir este tipo de produto. O que é que eles veem na cortiça e nós não durante muito tempo?
Como os americanos dizem: primeiro estranha-se, a seguir entranha-se e depois ama-se. São culturas que sempre olharam para o lado mais sustentável do consumo: agrada-lhes o facto de ser um produto eco friendly, reciclável. Aliás, na Pelcor estamos a apostar muito numa linha vegan de acessórios, para aqueles consumidores que não usam produtos com origem animal, como peles, couro, lã, seda ou camurça. Nos Estados Unidos, este nicho de mercado é gigantesco. Quando se toca neste tipo de produto, acabamos por criar uma relação afetuosa. Mas isto é numa fase em que ainda estamos a olhar para aquilo como cortiça.
Qual o patamar seguinte?
Quando olhamos para um artigo e dizemos: “Uau, isto é moda, é trendy, tem um design fantástico. Olha, que engraçado, isto é cortiça!” Se misturarmos a cortiça com outros materiais, entramos no nível do produto de moda, do lifestyle, encontramos o novo “new black”. E passamos para outro mercado, concorrendo com marcas de luxo como a Furla, a Diane Von Furstenberg ou a Christian Louboutin. É esse o caminho que a Pelcor está a seguir. Hoje, o desafio já não é fazer produtos em cortiça, porque qualquer pessoa já os pode fazer. É construir uma marca de grande qualidade, que, por acaso, usa a cortiça. Há dois anos, quando fui buscar a Eduarda Abbondanza, então diretora da Moda-Lisboa, para diretora criativa da Pelcor, ninguém acreditava nisto. Nem a própria Eduarda, que foi muito difícil de convencer. Só eu. Esta evolução de um produto de cortiça, uma mala, para uma marca, com design, com o próprio trabalho sobre a cortiça. Essa é uma cultura que estamos a criar. Não há ninguém que a tenha, praticamente. Temos de convencer até a própria indústria a fazer certas experiências sobre a base da cortiça.
Está também no caminho da internacionalização. Acaba de abrir o escritório da marca nos Estados Unidos.
Qual o seu plano?
Estamos finalmente a colher a estratégia que plantámos, depois de um trabalho que começou em 2010, sobretudo virado para os Estados Unidos. Com a entrada da Pelcor na loja do MoMA, o Museu de Arte Moderna de Nova Iorque, através da exposição Destination for Portugal, que aí teve lugar em 2010, outras portas do mercado americano se abriram. Entrámos logo pela porta grande, faltava-nos chegar às outras. Enveredámos por vários caminhos, recuámos. Existem algumas empresas portuguesas de tecnologia em Silicon Valley, mas não existe um historial de marcas nacionais de moda e lifestyle nos Estados Unidos. Tivemos de desbravar o caminho às apalpadelas. Começámos pelas feiras de moda, onde continuamos presentes, como a que acontece durante a New York Fashion Week. Penso que encontrámos agora a fórmula certa para entrarmos nos Estados Unidos, e não tem nada a ver com a tradicionalmente usada na Europa, que é basicamente a distribuição.
Como se entra, então, nos Estados Unidos da América?
Para que os acessórios de moda entrem nas department stores, nos Macy’s e nos Bloomingdale’s desta vida, não bastam os distribuidores é preciso também estarmos nos showrooms onde estas cadeias compram as coleções. Temos de as contactar, convencê-las a que nos recebam, o que não é nada fácil. Fechar contrato com elas ainda é mais difícil. Mas nós já conseguimos isso.
E para quando a loja em Nova Iorque?
Lá mais para o final do ano. Ainda vou ter a minha loja na 5.ª Avenida, mas estamos a estudar agora o mercado imobiliário no Soho. Acho, na verdade, que condiz mais com a nossa imagem e postura. Abrimos também uma subsidiária, a Pelcor US, com sede em Delaware. E abrimos agora, em abril, o nosso escritório perto de Park Avenue. Já temos um colaborador norte-americano, estamos a criar emprego naquele país, o que ainda nos abre mais portas.
Já anunciou a sua vontade de entrar no Dubai também.
O projeto, apesar de estar completamente planeado, está neste momento parado. Nova Iorque tem-me levado o tempo, o trabalho e as forças todas. Mas conto avançar para os Emirados Árabes Unidos para o ano. Quero abrir lá uma loja em 2015.
Lojas próprias?
Estas duas, sim. Serão, no fundo, as sedes do master franchising que estamos agora a planear, e queremos que sejam reproduzidas pelos franchisados. Assim poderemos crescer mais rapidamente.
Quais os países onde quer avançar com o franchising?
Quero muito desenvolver os mercados asiáticos, como o Japão, a China, a Indonésia, a Malásia, Singapura. E também o Médio Oriente.
A diplomacia económica está a funcionar para a Pelcor?
Completamente. A AICEP tem ajudado imenso, quer nos Estados Unidos quer nos Emirados Árabes.
E em termos de apoio financeiro?
Os apoios do QREN têm sido fundamentais. Tivemos um primeiro investimento para o projeto de internacionalização de meio milhão de euros, entre 2011 e 2013. Começámos um novo em janeiro de 2014, para dar continuidade ao anterior, e é outro meio milhão de euros para um ano e meio.
O trabalho de ir lá para fora, de negociar com os clientes e de fechar contratos tem sido feito por quem?
É todo meu. Claro que tenho os meus colaboradores, pois somos uma equipa de 12 pessoas. Mas é um trabalho de persistência, tem de existir alguém com uma visão global daquilo que se pretende para a marca. Esse é o trabalho que só um empreendedor pode fazer. Por isso, quando me dizem que sou empresária, eu respondo que sou uma empreendedora. Sou a pessoa com uma visão global, que percebe que o caminho é por aqui e não pelo outro lado, e que e isto é muito importante tem de tomar a decisão certa na hora. Claro que os meus colaboradores estão a meu lado, participam nas reuniões, cumprem as funções no backoffice, mas sou eu que tenho de estar lá, contar que esta é a minha marca e que sou a terceira geração de uma empresa familiar. Mais ninguém pode fazer isto, porque sou eu que tenho a alma. Só delego depois de as decisões estarem tomadas e de o caminho estar aberto. E vou até onde for preciso. Foi assim que entrámos nos Estados Unidos, pelo MoMA. O museu pediu algumas amostras à Pelcor e fui eu própria levá-las e aproveitei para pedir uma reunião. Acredito que também foi por isso que escolheram a Pelcor. Todos os anos temos novas coleções no catálogo do MoMA e nas suas lojas, em Nova Iorque e Tóquio.
Há uns meses, a convite do Departamento de Estado norte-americano, participou num programa aberto só para empreendedores de alto rendimento.
Mudei muito nessas três semanas. Percebi, naquele momento, o que era e aquilo que nunca tinha conseguido assumir: sou, de facto, uma empreendedora. Recebi há um ano um telefonema da Embaixada dos Estados Unidos em Portugal. Disseram-me que a Casa Branca desenvolve um programa, criado pelo Presidente Obama, o International Leadership Program, que teve quatro edições e, entretanto, terminou. Nele já participaram nomes como Durão Barroso ou Paulo Portas. Esta iniciativa integra um módulo dedicado aos empreendedores, A New Begginning, escolhidos em colaboração com as embaixadas americanas nos vários países. Durante três semanas, além de participar num programa intenso de formação, que incluiu um MBA sobre o tema de aceleração de empresas, estive em contacto com várias empresas em Nova Iorque, Dallas e Portland. E, mais importante, convivi com diferentes culturas, as mesmas dos 27 colegas de outros países que participaram, desde o Gana a Singapura.
Que experiências trouxe de lá?
Mudou-me completamente a forma de agir, de fazer negócios, de pensar. Foi libertador descobrir que existem pessoas que têm a mesma paixão que eu, que pensam diferente, como eu. Em Portugal, até há pouco tempo, chamavam-me louca. Aquelas pessoas compreendem-me. Querem fazer coisas como eu. Como aquele foi o último ano deste programa, e porque mostrei vontade, o Departamento de Estado deu-me autorização para trazer este programa para Portugal. E, se quiser, poder replicá-lo no resto do mundo.
No que consiste?
Chama-se A New Beginning for Portugal e já tem 250 membros. Até agora existimos apenas na Internet, mas estamos prestes a lançar uma plataforma virtual própria para estarmos em contacto uns com os outros e podermos cumprir sonhos. Porque é disso que se trata: um grupo de pessoas que quer cumprir um sonho, ligadas em rede. Ao pôr em contacto várias pessoas com sonhos que até podem estar interligados, fazemos networking, encontramos parcerias, agimos. Foi isso que aprendi nos Estados Unidos e que quero fazer em Portugal: transformar sonhos em negócios.
A cortiça e a Pelcor são o seu sonho?
Por acaso nasci no mundo da cortiça. Mas se tivesse nascido no mundo das peles, teria feito qualquer coisa com peles. O facto de ter sido na cortiça acabou por ajudar bastante. A Novacortiça nasceu com o meu avô e com o meu pai. Não é minha. Nunca foi o meu negócio nem a minha inspiração. O meu sonho era fazer algo pela cortiça e algo que fosse meu. Diferente. E tive uma ideia, quando nos debatíamos com um excedente de matéria-prima: fiz um guarda-chuva. Dei marketing e design à cortiça. E encontrei a Pelcor, que é, esse, sim, o meu sonho.
E quanto vale esse sonho?
O grupo Novacortiça faturou, em 2013, 4,8 milhões de euros: 25% deste valor devem-se à Pelcor, que cresceu no ano passado 20% na faturação. Ainda não é o que ambiciono, mas estamos a crescer.
Este artigo é parte integrante da edição de maio da Revista EXAME