O debate em torno da saída limpa ou ao abrigo de um programa cautelar do memorando de entendimento que o país assinou com a troika não pode ser reduzido às vantagens políticas que o governo ou a oposição tirarão de uma dessas duas opções. Está muito mais em jogo. E nem a almofada financeira que o Ministério das Finanças entretanto decidiu constituir e que atinge já 17 mil milhões de euros (seis mil milhões dos quais estão cativos para uma eventual recapitalização do setor bancário) afasta a necessidade de ser muito bem debatido o caminho que o país pretende seguir depois de 17 de maio.
Os mercados são de humores, esquizofrénicos, e aproveitam oportunidades. E se hoje vemos muitos investidores interessados em comprar dívida pública portuguesa, isso não significa que o mesmo interesse se manterá eternamente e que não teremos de pagar taxas de juro mais elevadas no futuro quando tentarmos obter financiamentos dos investidores internacionais após a saída do programa de ajustamento. As taxas de juro que Portugal paga pelo empréstimo de 78 mil milhões de euros concedido pela troika são de 3% no caso do EFSM, de 2,2% no caso do EFSF e de 3,8% no caso do FMI. As taxas de juro da dívida pública portuguesa no momento em que escrevo são de 3,853%.
A melhoria das taxas de juro resulta de vários fatores: da declaração de Mario Draghi, no verão de 2012, afirmando que o BCE utilizaria todos os meios à sua disposição para defender o euro; da ideia de que não haverá mais nenhum bail-out em países da União Europeia e que a crise do euro está afastada; do excesso de liquidez que neste momento existe a nível internacional e de sinais menos positivos que se têm vindo a verificar nos países emergente, e também dos sinais positivos que a economia portuguesa tem vindo a dar.
Pouco importa qual é o fator mais importante. O relevante é que as taxas de juro da dívida portuguesa se estão a aproximar do nível de 3,5%, que foi aquele de que a dívida irlandesa beneficiava quando Dublin anunciou a saída limpa do seu programa de ajustamento. Digamos, pois, que, para lá de considerações políticas, parecem estar a reunir-se condições económicas muito concretas para que Lisboa opte por uma saída limpa, sem cautelar.
Ora, é aqui que entram as agências de rating. Em 2008, o mercado mundial de rating era dominado pelas três grandes (Standard and Poor’s, Moody’s e Fitch), que não só falharam completamente na antevisão da crise como deram classificações à dívida de empresas e países que entraram rapidamente em colapso. Contudo, desde aí pouco ou nada se alterou. Apareceu a agência chinesa de rating, apareceu uma agência que junta investidores do Sul do planeta e é liderada pela companhia portuguesa SaeR, mas a União Europeia continuou a olhar para as classificações atribuídas pelas três grandes para decidir se podia ou não comprar dívida de alguns países e empresas.
Em 2008, o Banco Central Europeu juntou às três grandes a pequena agência canadiana de rating DBRS, quebrando assim a ditadura da troika das agências. E a DBRS depressa se mostrou decisiva. Em 2011, por exemplo, se a agência canadiana descesse o rating das dívidas espanhola e italiana para o mesmo nível das três grandes, os bancos daqueles dois países veriam de imediato cortado em 5% o valor dos colaterais que apresentavam junto do BCE para obter financiamento e teriam de aumentar esses colaterais, tornando ainda mais exigente a gestão da sua situação financeira.
Ora, ao abrigo do programa de ajustamento, o BCE tem aceite como colateral todos os títulos de dívida portuguesa apresentados pelos bancos portugueses. Mas se Portugal optar por uma saída limpa, esse regime de exceção desaparece e os ratings voltam a contar, e muito e o BCE não aceita como colateral títulos de dívida que sejam classificados como “lixo” pelas quatro agências de rating. Pois bem: as três grandes consideram como lixo a dívida portuguesa. Mas a DBRS coloca-a um nível acima de lixo. E, se mantiver essa classificação, isso quer dizer que os bancos portugueses, no caso de uma saída limpa, continuarão a beneficiar do financiamento por parte do BCE a taxas muito favoráveis, podendo utilizar como colateral os títulos de dívida pública portuguesa.
Faz toda a diferença. E faz tanta diferença que não se percebe porque é que a Comissão Europeia não encorajou e estimulou uma agência europeia de rating, até porque a Roland Berger tentou criar uma. A crise do euro teria sido seguramente menor e a devastação social e económica também. A pergunta é, pois, dirigida a Durão Barroso, porque a responsabilidade é dele. Mas até agora só se ouve um ensurdecedor silêncio como resposta.
Este artigo é parte integrante da edição de maio da Revista EXAME