Ouvimos falar delas nos jornais: mulher A foi assassinada, mulher B foi agredida, mulher Z foi morta a tiro pelo marido por “tédio”. Foi esta última história, sem coração, lida no jornal há oito anos, que despertou João Francisco Vilhena.
O fotógrafo, de quem recordamos os belíssimos retratos de José Saramago na paisagem lunar de Lanzarote, compilou estas notícias, e criou um corpo de trabalho fortemente autoral, revelado na exposição O amor Mata,que inaugurou esta quinta-feira, 17, na Galeria das Salgadeiras, em Lisboa. Aí, apresenta oito dípticos fotográficos de médio formato: representações simbólicas, contrastadas, sem rostos mas batizadas com o nome de vítimas reais – Maria, Alice, Fátima… “Uma opção desde o início, pois outro tipo de abordagem parecer-me-ia demasiado bárbara e intervencionista. A escolha pelos objetos, que têm a beleza própria das suas linhas mas que carregam a morte de uma mulher atrás de si, obriga a uma reflexão diferente”, diz o artista. Acrescenta: “Percebi que este trabalho tinha de ter uma dupla linguagem: entre a luz e a escuridão, entre a beleza e a morte.”
De um lado, há uma pistola, uma faca, um saca-rolhas, fotografados com “uma luz semelhante à das naturezas-mortas”. Do outro, há cruzes de pedra dos cemitérios, que evocam “a nossa formação judaico-cristã, e que recordam que o que sobra de nós é uma cruz sobre a terra”. Entre as imagens, um subtil diálogo de linhas e de reflexos. Há ainda a instalação: uma imagem a cores de um coração, acompanhada pelo som de um batimento cardíaco – são os do próprio João. Uma metáfora para a morte, a religião, a compaixão de quem recorda – e observa.