Já não sei o que fazer para ajudar um amigo próximo. É certo que ele nunca foi uma pessoa alegre e extrovertida e ultimamente tem passado por maus bocados na vida, mas não acontece um pouco a todos? Desde que a mulher saiu de casa, devido a uma comissão de serviço fora do país, ele anda com uma neura que não se aguenta. É uma carga de tal modo má que até parece inseticida!
Quero dizer com isto que fico exausto depois de um jantar com ele. Se procuro animá-lo, parece que fica pior. Se os amigos são mesmo para as ocasiões, o que sugere que eu faça e que esteja ao meu alcance?
Notou-o e bem. Quanto mais tenta melhorar as coisas, piores ficam. Acontece aos melhores: a necessidade de agradar, de não deixar ficar mal um amigo ou um colega próximo, pode ter a melhor das intenções, mas raramente chega a bom porto: desgasta-o a si e não se traduz necessariamente numa mudança de polaridade emocional no outro. Pelo contrário, ele irá “alimentar-se” com isso, mantendo o mesmo registo a que já o habituou, e você passa a ser uma válvula de escape dele, mesmo que nenhum dos dois possa ter logo consciência disso.
Se costuma ter tendência para se dar – ou encontrar à esquina – pessoas com tendência para ver a realidade com óculos escuros, talvez esteja na hora de fazer acertos na sua abordagem, para não cair para o lado, “intoxicado”. Não contrarie a neura do seu amigo: alguma razão o leva a insistir nisso, e sendo ele adulto, pode sempre procurar ajuda profissional sem descarregar nos amigos como prática “higiénica”, a menos que estes se ponham a jeito.
Se esta for uma situação pontual, que requer alguma atenção extra da sua parte, o melhor a fazer é reformular o discurso dele sem esperar que o resultado seja ao ponto de deitar foguetes nem esperar uma festa. Procure adjetivos menos carregados para dar outra forma – e leveza – ao conteúdo do que é dito e espere passos pequenos por parte do seu amigo, que é capaz de levar algum tempo a “recuperar” (ou a desconstruir) o humor.
Do que não deve esquecer-se é de cuidar da sua própria disposição, para não entrar também em modo “neura”, que se contagia e facilmente se torna um hábito, se não estiver atento ao efeito da repetição. Nada melhor do que cultivar hábitos que lhe devolvam o que necessita ou deseja – umas boas gargalhadas ou simples momentos de paz de espírito – e estabeleça os seus limites. O seu moral agradece. O do seu amigo, mesmo que a um ritmo diferente, provavelmente também.
Clara Soares, jornalista, psicóloga e autora do blog
Psicologia Clara