Há uns tempos, Rosário Oliveira ofereceu boleia a duas senhoras. Elas aceitaram de imediato e contaram-lhe que eram professoras da escola primária ali próxima, dando início a uma conversa banal entre desconhecidas. Chegadas ao destino, as mulheres agradeceram efusivamente e a dona do carro respondeu-lhes: “Paguem para a frente, façam o bem as outras pessoas”, estendendo-lhes umas pulseiras brancas com a frase Pay it Forward escrita a azul.
Não era por acaso que a contabilista, de 39 anos, andava com aquelas pulseiras na mala. Muitos anos antes, tinha visto o filme Favores em Cadeia (Pay it Forward, no original, 2000), uma adaptação do romance homónimo de Catherine Ryan Hyde, e ficado tocada pela mensagem. No filme, um professor de Estudos Sociais (Kevin Spacey) atribui uma tarefa aos seus alunos de 11 anos: terem uma ideia capaz de mudar o mundo e pô-la em ação. Um deles, Trevor (Haley Joel Osmont), lembra-se de criar favores em cadeia, começando por dar de comer a um sem-abrigo. “Pensei que era uma visão do mundo que devia ser posta em prática, mas, na altura, nada fiz”, reconhece Rosário Oliveira.
Quando, em junho de 2012, descobriu a página do movimento na internet, ficou tão entusiasmada que contactou imediatamente com Charley Johnson, um americano de Salt Lake City que, um ano antes, decidira fechar a sua bem-sucedida empresa e tornar o mundo melhor. “Foi ele quem me desafiou a criar a página [de Facebook] oficial do Pay it Forward Portugal, onde tento, cada dia, cativar mais alguém”, conta.
Cultivar a gentileza
Charley tinha 30 anos, um bom carro e a casa dos seus sonhos, mas não estava feliz. Lembrou-se de pegar na ideia da pulseira Livestrong (da fundação criada pelo ciclista Lance Armstrong para apoiar doentes com cancro) e pôr as pessoas a usá-la como um lembrete físico da necessidade de fazer boas ações. Quem recebesse um “muito obrigado”, tirava-a do seu pulso e passava-a a essa pessoa, pedindo-lhe que fizesse, também ela, um favor.
Desde 2006, foram enviadas mais de 2,5 milhões de pulseiras, que podem ser encomendadas no site www.pifexperience.org, por meio dólar (35 cêntimos). Rosário Oliveira já comprou dezenas delas, que vai oferecendo. “Arrancar com este projeto foi assumir a minha maneira de ser, exteriorizar aquilo que penso que deve ser o nosso dia a dia”, diz. “Com as pulseiras, a ideia é passar a palavra, criar um efeito em cadeia que leve as pessoas a pensarem todos os dias qual é o ato de boa vontade que vão fazer.”
Pode ser algo muito simples, como aquela vez em que o seu “camarada de armas” no Porto, Romeu Cristóvão, parou o carro só para avisar uma senhora que deixara cair o cachecol na rua. “Cultivar a gentileza faz a diferença, mas também pode ser ajudar financeiramente ou arranjar um emprego. E não precisa de ser na nossa bolha“, nota Rosário. “Muito do que me aconteceu de bom na vida foi graças a desconhecidos.”
CAFÉS SUSPENSOS
No livro Il Caffè Sospeso (o café suspenso), uma recolha de crónicas antigas do escritor e realizador italiano Luciano De Crescenzo, publicada em 2008, lê-se: “Quando um napolitano está feliz por alguma razão, em vez de pagar um café, aquele que vai beber, paga dois, um para si e outro para o cliente que vier depois.
É como oferecer um café ao resto do mundo. ” De Crescenzo relançava, assim, uma tradição que terá mais de um século e levou a que, cinco anos depois, o irlandês John Sweeney criasse o movimento Suspended Coffees, que rapidamente se estendeu ao resto do mundo.
Por cá, ainda falta um símbolo para pôr à porta ou na montra dos estabelecimentos que aceitem cafés suspensos, lamenta Ricardo Pité, que gere a página de Facebook portuguesa. Doutro modo, dificilmente quem mais precisa saberá que basta entrar nas pastelarias Pabiru, na Lousã, e Mordido, em Odivelas, para beber um café de graça.