Tenho uma menina com 9 anos e dou-me bem com o meu ex marido, de quem me divorciei, tinha ela um ano de idade. O medo da noite e de ficar sozinha já são desde pequena, o que se agravou a partir dos oito anos. Fica comigo, mas tem dificuldade em adormecer. Preocupam-me os seus “rituais”: acorda vezes sem conta, vai à casa de banho, deita-se, levanta-se, volta à casa de banho e bebe água.
Além disso rói a pele dos dedos e, nos casos piores, chega a fazer feridas. Já tentei castigá-la, premiá-la para a motivar a controlar-se, mas nada funciona.
Não acho isto normal, nem o facto de, ultimamente, andar cheia de “peneiras”. Só me pede roupas novas, bandoletas, malas, anéis e coisas que eu não uso, sou MUITO prática. Não dou porque não posso, até por estar desempregada. Prefiro vê-la peneirenta do que “escondida” mas, até que ponto devo ir? Pode ajudar-me com algum destes problemas?
Benedita Lopes
Compreendo a sua preocupação relativamente à questão do sono e dos medos da sua filha. Tê-la a dormir consigo não estará a surtir o efeito pretendido e pode, inclusivamente, agravar a situação. Os rituais compulsivos nocturnos (mas também diurnos, manifestos pelo roer das unhas) sugerem um conflito interno e uma agressividade reprimida, orientada para dentro. O sintoma pode mascarar uma forte dependência emocional, que não se resolve simplesmente com castigos nem com reforços positivos. Desconfortável por um lado, essa dependência é mantida por outro, pela tensão e angústia presentes, “aliviados” pelos comportamentos repetitivos.
Ocorre-me perguntar como é a relação da sua filha com o pai. E se os tais medos precoces que refere, incluindo o de adormecer e de ficar sozinha, não serão fruto de um sentimento de abandono e perda, aquando da separação dos pais, que não terá sido devidamente compreendida ou aceite. Por isso ela se mantém “agarrada” a si, embora esteja a despertar para a novidade, própria dos seus nove anos. O desejo de embelezar-se, o chamar a si as atenções através do corpo, são comportamentos esperados e até devem ser valorizados, desde que na justa medida. O facto de a Benedita ser muito prática e sentir-se, provavelmente, culpada, por não ver as (legítimas) reivindicações da sua filha satisfeitas no que toca às “peneiras”, não a deve preocupar. É a maneira que ela tem de ensaiar a sua individualidade, de ser diferente de si. Já os comportamentos compulsivos, os “rituais”, precisarão, com algum grau de certeza, de aconselhamento psicológico. Estar desempregada não tem de ser um entrave intransponível, na medida em que existem serviços que têm em conta estas situações, seja pela via da junta de freguesia, centro de saúde ou associações profissionais (psicoterapia, psicologia), avalizados para encaminhar o problema da sua filha, por valores simbólicos.