A história do campeonato de surf Capítulo Perfeito remonta a 2012, na praia de Supertubos, em Peniche. Organizado pelo surfista Rui Rocha, o pequeno e nacional campeonato de surf tinha na sua génese um conceito inédito, a busca por um dia de “ondas perfeitas”: ondas tubulares – popularmente conhecidas por tubos -, “a manobra mais bonita do surf, mas a mais difícil de ser feita”.
A partir de uma pequena prova de surf, há mais de uma década, o Capítulo Perfeito cresceu, expandiu-se a outras praias, adotou novas práticas e transbordou as fronteiras portuguesas e é hoje uma referência no mundo da modalidade, muito procurado por desportistas nacionais e internacionais. Rui Costa – que afirma não gostar de fazer este papel – defende que este é mesmo “o evento de sonho dos surfistas”. Não há nenhum surfista que não queira competir”, contou à VISÃO no arranque da 11ª edição.
Inserido na categoria de specialty events, a prova realiza-se no melhor dia do inverno português, em que estão reunidas as condições “perfeitas” para proporcionar um espetáculo a atletas e ao público presente na praia. Condição que implica a mobilidade do evento que, sem data definida, tem um período de espera de dois meses, podendo ocorrer entre janeiro e março. “Nessa altura criámos este conceito que começou só com surfistas portugueses, nos Supertubos, em que para além da questão de procurar o ´dia perfeito´, pensámos na questão de trazer o público e envolvê-lo e, nisso fomos pioneiros”, contou Costa.
Também inédita em Portugal é a forma como foi feita, no seu início, a seleção dos surfistas, sujeitos à votação do público. Através de uma comissão de notáveis – composta por jornalistas de surf, treinadores e ex-surfistas – é escolhido um grupo de surfistas portugueses para ir a votos, onde os espectadores podem escolher o atleta que querem ver participar. “A partir do momento em que o público vota, querem ver seguir o evento e o surfista que escolheram”, defende o organizador.
O que é uma “onda perfeita”?
Mas afinal o que é uma “onda perfeita”? Para o organizador e surfista experiente, esta não é uma definição consensual. “No nosso caso, o que nos procuramos é única e exclusivamente ondas tubulares e os surfistas que escolhemos são reconhecidos por serem muito bons neste tipo de ondas. Há surfistas muito bons, mas que não têm valências neste tipo de ondas”, refere.
Para um dia digno de “Capítulo Perfeito” é necessária a convergência de diversos fatores: o vento favorável – na direção de terra para o mar, para “proporcionar o enrolar da onda” e a “formação dos tubos” -; a ondulação – que, na praia de Carcavelos, deverá ter a direção de oeste; os fundos da praia – ou seja, um ‘beach break’, uma praia com fundo de areia; e, claro, as marés. Em Portugal, é possível encontrar este tipo de ondas em Carcavelos, Peniche (praia dos Supertubos) e Nazaré (praia do Norte).
Desde o início do evento que as novas tecnologias e formas de avaliação meteorológica têm melhorado e facilitado a busca pelo melhor dia para a realização do campeonato. Mas para além de garantir a existência destes fatores, a organização tem ainda de assegurar que estes se mantêm na condição ideal no decorrer do dia da competição, que se inicia de manhã e dura até ao pôr do sol. “Por exemplo, a Ericeira tem ondas muito boas, mas são de maré, ou seja, num sítio há maré vazia e noutro maré cheia e as marés têm 6 horas de variação. Essa praia não tem condições para nove horas com este tipo de ondas com as condições que nós procuramos”, refere o surfista. Quando estas características estão reunidas é feito um “call” 72 horas antes do evento, montado em tempo recorde.
Apesar de ter “mobilidade no seu ADN”, o Capítulo Perfeito encontrou, nos últimos anos, as condições ideais para a sua realização na praia de Carcavelos. Com os apoios do Turismo de Portugal e da Câmara Municipal de Cascais, o evento é um verdadeiro promotor da região. No ano passado, assistiram à prova do Capítulo Perfeito cerca de 20 mil pessoas na praia de Carcavelos. Já a transmissão online, para todo o mundo, contou com mais 40 mil pessoas a assistirem ao Webcast da organização. “A Câmara de Cascais tem interesse em projetar uma praia tão icónica como Carcavelos, local onde começou a aparecer o surf em Portugal. E os estrangeiros gostam da proximidade de ter em Carcavelos uma onda perfeita e de estarem perto de Lisboa. Todos estes fatores levaram a que o Capítulo Perfeito fique em aqui nos próximos anos”, sublinha.
A organização alerta, contudo, para a falta de investimento que existe em Portugal na modalidade. “É um projeto que é português, que tem reconhecimento internacional, e que projeta o País. Foi crescendo com marcas portuguesas – na sua maioria – e com muito investimento local e isso deixa-nos orgulhosos, mas obviamente que precisamos sempre de mais investimento”. O campeonato conta com o patrocínio de grandes marcas como a Billabong, Corona e a Go Chill (do grupo Nabeiro) e Electrikfatbike.
Os surfistas, os prémios e as novidades desta edição
Após o sucesso das primeiras edições, o evento foi aberto, em 2015, a surfistas estrangeiros, também eles inicialmente sujeitos a votação. Mas, com tamanho crescimento internacional, a organização decidiu, nos anos seguintes, alterar o critério e passar a ser a própria a escolher os atletas internacionais – e alguns nacionais – de forma a “chegar aos grandes mercados de surf, como o americano, australiano, europeu e Brasil”. “Fomos melhorando as condições do evento, a qualidade dos surfistas que trazemos e, se começámos por ser nós a contactar os surfistas, hoje somos nós que somos contactados”.
Este ano a competição, na qual participam 16 surfistas (nacionais e internacionais), conta com grandes nomes do desporto mundial como Rob Machado, Balaram Stack, Clay Marzo, Craig Anderson e Noah Beschen, bem como uma “wilcard”, uma estrela internacional de surf, que só será conhecida 72 horas antes do evento. Com esta participação misteriosa – uma novidade desta edição – a organização visa dar uma componente misteriosa ao campeonato de surf mais aguardado do ano bem como reconhecer o talento e o trabalho de um surfista que se tenha destacado recentemente noutras competições, sobretudo no Havaí, onde decorrer atualmente a temporada de surf. “Já se especula muito quem é, e é uma grande novidade que vai deixar algum mistério até ao dia do evento”, acredita Costa.
Sem nunca abandonar a tradição iniciada em 2012, o Capítulo Perfeito continua a colocar um surfista português à votação do público. Esta edição, para além dos convidados nacionais como Nic Von Rupp, Pedro Boonman João Maria Mendonça e Miguel Blanco, a lista de atletas portugueses conta com João Guedes, o grande vencedor da votação do público. Ex-campeão nacional de surf, Guedes representou Portugal em várias ocasiões e tem-se dedicado recentemente à procura de ondas tubulares. “É uma honra ter sido escolhido pelo público para participar no Capítulo Perfeito. Este reconhecimento é especial porque vem diretamente das pessoas que seguem e apoiam o surf. Estou entusiasmado para retribuir essa confiança dentro de água e dar o meu melhor numa prova tão prestigiada”, referiu após vencer a votação. A lista de portugueses fica completa com Santiago Graça (vencedor da prova de trials), Tiago Stock (vencedor da 10ª edição).
Entre as meias-finais e a final, os espectadores podem contar uma prova inédita na competição, o “Special Women Heat”, uma prova exclusivamente feminina que reúne algumas das melhores surfistas portuguesas. Com a presença de Camila Cardoso, Yolanda Hopkins, Mafalda Lopes, Kika Veselko (que participou na prova em 2024, através da votação do público) o intuito da organização é motivar as novas gerações e contribuir para a evolução do surf feminino em Portugal, particularmente em ondas tubulares. “O Special Women Heat é outra das novidades que nos deixa orgulhosos e que esperamos que sirva de incentivo ao surf feminino em Portugal para procurar e melhorar neste tipo de ondas”, explicou Costa.
Este ano, os atletas em competição poderão almejar um prémio no valor de 50 mil euros, mais 10 mil face à edição anterior, bem como o troféu Ricardo dos Santos Atitude.
Próximos passos: rumo à internacionalização
O Capítulo Perfeito também não é nenhum estranho a águas internacionais, com um objetivo muito forte de internacionalização do conceito. Com algumas experiências passadas, nomeadamente um evento digital, em 2024, nas ilhas Mentawai, na Indonésia, a organização procura expandir o conceito e revela que novidades podem estar para muito breve. “Neste momento temos três localizações para o evento poder vir a acontecer. Obviamente que a partir do momento em que saímos de Portugal não depende só de nós, mas do interesse que há no conceito”, contou. No entanto, ao ser exportado, “a casa mãe vai ser sempre Portugal, e isso é uma das nossas exigências”, garante Costa.
Um evento sustentável e solidário
Com uma forte componente solidária e sustentável, o Capítulo Perfeito apoia este ano a Associação Olhar, com foco na saúde mental, um “problema transversal que já afetou surfistas e que afeta cada vez mais a sociedade”. O apoio será feito através da venda de t-shirts, adquiridas através das redes sociais do evento, com 50% do valor conseguido a ser revertido para a associação. “A parceria entre o Capítulo Perfeito e a Associação Olhar é um exemplo do impacto positivo que o desporto pode ter na sociedade. A atividade física é extremamente importante para a nossa saúde mental”, explicou João Francisco Lima, embaixador da iniciativa.
Já no lado sustentável, o Capítulo Perfeito não poupa esforços para garantir que tem uma “uma pegada carbónica zero”, compensando tudo o que evento gasta através da compra de créditos que são revertidos em projetos de sustentabilidade mundiais. Durante a sua realização, são também tomadas medidas que que visam gerar o mínimo possível, através da utilização de materiais recicláveis – incluindo o prémio, feito em madeira – e da criação de um “Sponsor Green Point”, um oásis, no meio do areal, que representa o compromisso das marcas associadas ao evento em diminuir a sua pegada.