A Direção Nacional da PSP emitiu um comunicado no qual “nega categoricamente o arrombamento de quaisquer portas” e põe em dúvida que as imagens que mostram um agente a falar com moradores tenham sido feitas à porta de casa de Odair Moniz, o homem que morreu depois de ser baleado pela PSP na Cova da Moura. Mas o desmentido formal da polícia entra em choque direto com o relato de várias testemunhas e com o que mostram efetivamente as imagens a que a VISÃO teve acesso.
“Relativamente à notícia veiculada de entrada de polícias em habitações no Bairro do Zambujal, a Polícia informa que ocorreu apenas a entrada numa casa, que não a que está referida nas notícias veiculadas, em apoio aos Bombeiros Voluntários da Amadora, que se deslocaram ao local para apoio médico a uma criança e por solicitação da família”, escreve a Direção Nacional da PSP, para negar o “arrombamento de quaisquer portas”.
A entrada à força e sem qualquer mandado judicial de três agentes, encapuzados, com capacetes e sem identificação visível, foi relatada à VISÃO por Débora Silva e Sílvia Silva, sobrinha e cunhada e Odair, que estavam na casa da viúva no momento em que essa entrada terá acontecido. E confirmada pela advogada da família, Catarina Morais, que foi entretanto chamada precisamente devido a essa situação.
Quando, já depois das 21h, a VISÃO estava ao telefone com Catarina Morais, apareceram pela terceira vez agentes da polícia à entrada da casa de Odair Moniz. Nessa altura, a advogada desligou o telefonema para voltar a intervir e os agentes não entraram na casa.
Mas ainda antes disso, houve segunda tentativa da polícia de entrar na casa de Odair Moniz, sob o pretexto de procurar as pessoas que estariam por trás dos desacatos que levaram à queima de um autocarro no Bairro do Zambujal, em protesto contra a violência policial.
Imagens das televisões mostram porta de Odair arrombada
“No que concerne às imagens que andam a circular nas redes sociais de uma equipa da PSP num hall de um prédio – e não dentro de qualquer habitação –, supostamente no Bairro do Zambujal, pode verificar-se, apenas, que os polícias encontram-se a dialogar com os cidadãos ali presentes, no sentido de serenar e manter a tranquilidade pública”, escreve a Direção Nacional da PSP.
Nas imagens, que foram partilhadas nas redes sociais do movimento Vida Justa, é possível ver de costas a advogada Catarina Morais a falar com um agente da polícia. Nessa altura e como a VISÃO escreveu, a polícia não passou do hall de entrada e foi, como é audível no vídeo, confrontada com o arrombamento da porta.
Segundo o relato de Débora Silva, que diz ter sido agredida com um cassetete nas costas e no rabo, e da advogada Catarina Morais, um dos fatores que levaram a polícia, nessa segunda vez, a não passar da entrada do prédio, foi a presença de uma equipa de reportagem da TV Record, que estava a filmar a porta arrombada do apartamento de Odair Moniz.
“Se não fosse a TV Record, eles voltavam e iam dar-nos porrada”, disse Débora à VISÃO.
De resto, a SIC Notícias recolheu também declarações de uma familiar de Odair Moniz, à entrada do apartamento, filmando a porta da casa arrombada.
Familiares e amigos de Odair vão apresentar queixa contra a polícia
Segundo os relatos que Catarina Morais recolheu, foram cerca de 15 os agentes que se aproximaram do apartamento, “mas só três entraram” na casa depois de rebentarem a porta com cassetetes. “Vinham encapuzados e com capacete. Os que tinham shotguns ficaram à porta”, conta a advogada à VISÃO.
A advogada diz que tanto Débora, como Joel (um jovem de 20 anos amigo do filho mais velho de Odair Moniz) ficaram com marcas visíveis da agressão policial e vão apresentar queixa.
A morte de Odair Moniz, baleado pela polícia depois de uma perseguição relativamente à qual não é ainda claro o que a espoletou, levou a uma onda de protestos em vários bairros da Grande Lisboa, durante a noite de terça-feira.
Estes bairros, maioritariamente habitados por pessoas racializadas e pobres, estão classificados pela polícia como Zonas Urbanas Sensíveis, o que significa que tem uma presença policial mais musculada, com agentes com equipamento especial.
Uma abordagem que tem sido apontada por vários ativistas que trabalham nesta área, entre os quais Flávio Almada do movimento Vida Justa, como potenciadora de tensões entre moradores e forças policiais, muitas vezes desembocando em cenas de violência que, em alguns casos, resultaram em mortes.
Dois polícias feridos com pedras, dois cidadãos esfaqueados
Segundo a Direção Nacional, a PSP “durante o final do dia de ontem e a madrugada de hoje, deteve três suspeitos da prática dos crimes de dano qualificado e ofensa à integridade física qualificada, e registou 60 ocorrências de desordem e incêndio em mobiliário urbano (maioritariamente caixotes do lixo) na Área Metropolitana de Lisboa, nos concelhos de Lisboa, Amadora, Oeiras, Odivelas, Loures, Cascais, Sintra e Seixal tendo sido ainda apreendido diverso material inflamável”.
Em resultado destes protestos, dois polícias ficaram feridos, nos concelhos da Amadora e de Oeiras , “por arremesso de pedras”, duas viaturas ficaram policiais danificadas (uma com quebra de vidro e outra baleada), dois autocarros da Carris foram roubados e incendiados, oito automóveis e uma moto foram incendiados, dois cidadãos (passageiros de um dos autocarros incendiados) foram vítimas de esfaqueamento, “ainda que sem gravidade, alegadamente pelos indivíduos que roubaram e incendiaram a viatura pesada de passageiros” e houve “inúmeros caixotes de lixo incendiados, assim como outro mobiliário urbano”.