A família de Odair Moniz estava em casa, no bairro do Zambujal, a chorar o homem, cozinheiro de profissão, morto pela PSP na Cova da Moura. À porta, umas quinze pessoas, entre familiares e amigos viam ao fundo os bombeiros a apagar o fogo, ateado em protesto contra a violência policial. Uma dessas pessoas era Débora Silva, de 19 anos, sobrinha de Odair, que reparou num grupo de polícias armados que subia a rua em direção à casa do tio. Ela e os amigos tiveram o instinto de correr para casa. Fecharam a porta, mas os agentes arrombaram-na e Débora acabou agredida e com marcas no corpo para o provar.
“Quando vimos que estavam a subir, corremos para dentro da casa”, relata Débora Silva à VISÃO, garantindo que antes disso “não houve troca de palavras nem de nada” com os agentes que os seguiram até ao apartamento onde morava Odair Moniz. “Entrámos, fechámos a porta, mas eles rebentaram-na”.
Débora diz ter sido agredida “nas costas e no rabo” enquanto tentava fugir para a sala. Joel, um amigo do filho mais velho de Odair, também “foi agredido num braço e num dedo”.
Viúva fez os agentes saírem, mostrando foto de Odair
Na casa, estavam várias pessoas mais velhas e Mónica, a viúva de Odair Moniz. Foi Mónica quem, segundo Débora, travou os polícias, mostrando uma fotografia do companheiro e gritando aos agentes que estavam a entrar “na casa de um homem que morreu”.
Catarina Morais, a advogada chamada pela família, já estava no apartamento, onde entretanto tinha entrado também uma equipa de reportagem da TV Record, quando os polícias voltaram a tentar entrar na casa.
“A TV Record estava a filmar a porta rebentada. Começámos a gritar que estávamos a filmar e eles já não entraram. Só veio um, que começou a falar com a minha tia Silvia”, relata Débora Silva.
Catarina Morais corrobora a história. Diz que os homens que rebentaram a porta de entrada ao ponto de não ser possível fechá-la “não estavam identificados” e “não traziam nenhum mandado judicial”.
Segundo os relatos que recolheu, foram cerca de 15 os agentes que se aproximaram do apartamento, “mas só três entraram” na casa depois de rebentarem a porta com cassetetes. “Vinham encapuzados e com capacete. Os que tinham shotguns ficaram à porta”, conta a advogada à VISÃO.
Já com a câmara da TV Record a gravar, Catarina Morais diz que o polícia que falou com a família limitou-se a pedir para que “fizessem um luto cívico”.
“Se não fosse a TV Record, eles voltavam e iam dar-nos porrada”
Momentos mais tarde e, enquanto a VISÃO falava ao telefone com Catarina Morais, os polícias voltaram a aproximar-se da casa. Mas não entraram. Família e amigos de Odair sentem medo, mas não arredam pé da porta da casa.
“Se não fosse a TV Record, eles voltavam e iam dar-nos porrada”, vai repetindo Débora.
Catarina Morais garante ter documentadas as agressões físicas, que deixaram marcas visíveis em Débora e Joel e garante que vai ser apresentada queixa.
Contactado pela VISÃO, o gabinete da ministra da Administração Interna, Margarida Blasco, diz estar ainda a recolher informação sobre o sucedido, remetendo esclarecimentos para mais tarde.
Investigação aponta para uso desproporcional e injustificado de força
Segundo a CNN, a investigação da Polícia Judiciária à morte de Odair Moniz, baleado na Cova da Moura, depois de ter sido perseguido por agentes da PSP, sugere que terá havido um uso desproporcional e injustificado de força, com recurso a meios letais.
Segundo a primeira notícia sobre o caso, feita pela CNN, a PSP perseguia Odair por suspeitas de furto de um carro. No entanto, essa referência desapareceu do comunicado emitido pelo Comando Distrital da PSP de Lisboa, que se refere à vítima apenas como “suspeito”, sem indicar de quê.
Autocarro incendiado em protesto contra a polícia
Esta terça-feira, após uma vigília em memória de Odair Moniz, no bairro do Zambujal, os protestos contra a violência policial subiram de tom. Ouviram-se petardos e tiros lançados ao ar, tendo chegado o corpo de intervenção da PSP ao local por volta das 17h.
Duas horas depois, os ânimos estavam longe de serenar. Um autocarro da Carris foi queimado, gerando várias explosões. E, segundo o Observador, depois de se voltarem a ouvir tiros, uma pessoa terá sido detida por posse de material combustível já depois das 21h. Ou seja, cerca de uma hora depois de os três agentes terem forçado a entrada em casa da viúva de Odair.
A PSP emitiu um comunicado sobre os incidentes no Zambujal já pouco depois das 22h de terça-feira, sem qualquer referência ao episódio ocorrido em casa de Odair Moniz, apesar de ter sido dado conhecimento dele ao MAI pela VISÃO.
PSP apela à calma no Zambujal
Em comunicado, a PSP diz que “repudia e não tolerará os atos de desordem e de destruição praticados por grupos criminosos, apostados em afrontar a autoridade do Estado e em perturbar a segurança da comunidade”.
E fala em “situações de desordem no interior do Bairro do Zambujal”, referindo-se ao autocarro da Carris que foi incendiado depois de, segundo o relato do Observador, quatro pessoas terem pedido aos passageiros que aí se encontravam para sair da viatura.
“De imediato a Polícia, que já se encontrava com um efetivo robustecido no interior do Bairro, acionou o Corpo de Bombeiros da Amadora no sentido extinguir este incêndio, preservando o local do crime para diligências de investigação. Apesar de vários esforços, não foi possível até ao momento detetar e intercetar os suspeitos deste crime violento, tendo, todavia, sido já efetuada uma detenção por posse de material combustível, que indiciava a sua utilização para deflagração de incêndio”, lê-se na nota da PSP, que lamenta ainda a morte de Odair Moniz, a quem agora já nomeia, deixando cair o termo “suspeito” usado no mesmo comunicado.
“Conforme já referimos publicamente, a PSP lamenta a morte do cidadão Odair Patriky Moniz Moreno Fernandes, a qual se encontra a ser investigada pelas autoridades judiciárias, deixando ainda uma palavra de solidariedade aos nossos dois polícias envolvidos no incidente, bem como a todos os polícias envolvidos na reposição e manutenção da ordem pública no concelho da Amadora”, escreve a PSP, que apela “à calma de todos os cidadãos” e se afirma “apostada em manter as parcerias de muitos anos com as comunidades no concelho da Amadora”.