Os últimos 17 anos da vida de “António” (nome fictício) apenas contam histórias de medo, coação, agressões, trabalhos forçados, em resumo, escravatura. Desde 2007, o homem foi mantido neste regime por quatro elementos de uma família, em Bragança, detidos esta semana pela Polícia Judiciária do Porto, entretanto colocados em liberdade por um juiz de instrução daquela cidade.
Segundo informações recolhidas pela VISÃO, o Ministério Público de Bragança pediu a aplicação da prisão preventiva para os quatro suspeito. Na base deste pedido estava o testemunho direto da vítima e outras provas recolhidas pela Judiciária do Porto. “O depoimento é sereno, coerente, consegue enquadrar os factos no tempo e no espaço e descrever as situações a que foi sujeito”, adiantou à VISÃO fonte próxima da investigação. Porém, após interrogatório judicial, um juiz de instrução da comarca de Bragança apenas aplicou como medida de coação a proibição de contactos com a vítima.
Em comunicado – emitido a 1 de maio, Dia do Trabalhador – a PJ já tinha adiantado que a ” investigação permitiu apurar que ao longo de 17 anos a vítima sofreu, às mãos dos arguidos, maus tratos físicos e psicológicos, foi explorada como força de trabalho, tendo inclusive sido “alugada” a terceiros para a prestação de trabalhos agrícolas, recebendo os arguidos a respetiva contrapartida financeira pelos serviços prestados pela vítima”.
A mesma fonte referiu que tais “serviços” eram alugados por “50 euros/hora” e podiam ir desde “limpeza de terrenos, corte de lenha ou pequenas obras de construção civil”.
A viver, primeiro numa barraca e depois num furgão, numa sucata, em Bragança, há uns anos o homem sofreu um acidente de trabalho que lhe provocou lesões nas pernas. “Os arguidos nunca terão permitido que fosse medicamente assistido, nem que fosse a um hospital”, contou a mesma fonte, adiantando que “as lesões acabaram por, com o tempo, curar-se, mas deixando sequelas graves ao nível da mobilidade”.
Apesar do clima que, nos últimos anos, foi sujeito – “envolvendo medo, intimidação, ameaças e agressões”, refere a mesma fonte – o homem, a quem foi diagnosticado um ligeiro atraso cognitivo – consegiu fugir do local onde se encontrava aprisionado, acabando por deambular pela cidade. Sinalizado pela PSP, acabaria por ser reencaminhado para um Centro de Protecção e Acompanhamento de Vítimas. Aqui, após terem escutado a história do homem, as técnicas alertaram de imediato a Polícia Judiciária que, durante alguns dias, recolheu o seu depoimento e procurou outros relatos na cidade.
Os suspeitos acabaram por ser detido por suspeitas da prática dos crimes de tráfico de pessoas, escravidão e falsificação de documentos. Nas buscas realizadas a habitações e a um acampamento, a Judiciária apreendeu telemóveis que serão analisados nas próximas semanas.