A experiência de 25 anos na segurança ensinara Luís D. (nome fictício) a não se deixar maçar pela marcha lenta dos ponteiros do relógio. Colocado naquele posto há menos de duas semanas – em substituição de um colega de baixa médica –, o vigilante rapidamente se habituara ao silêncio das noites, somente interrompido, em intervalos regulares, pelo murmúrio distante das ondas do mar. As madrugadas à guarda do principal terminal de contentores do porto de Setúbal decorriam solitárias e monótonas. Se fosse no início da carreira, talvez Luís D. pensasse em entreter-se à conversa com as almas perdidas de marinheiros e piratas. Hoje, o homem de 50 anos, profissional maduro e experiente, preferia enxotar a imaginação para longe, e manter-se desperto e alerta durante aquela maratona noturna de oito horas.
No dia 3 de abril de 2022, porém, o turno não seria igual aos outros.