O mundo dá muitas voltas e, nos últimos três anos e meio, parece que ainda girou mais depressa. A pandemia obrigou-nos a repensar comportamentos e empurrou-nos para o digital de uma maneira que ninguém podia prever. Foi tudo tão rápido que, além de termos ficado enferrujados no cara a cara, nem sempre sabemos o que devemos fazer online.
“A netiqueta [etiqueta na rede] fazia sentido quando o digital estava a começar e ainda se encontrava agarrado a uma secretária. Era um conjunto de regras que ainda valem – mas hoje há muitas mais, sempre não escritas”, nota Maria João Nogueira, especialista em estratégia digital, redes sociais e reputação online de pessoas e empresas. A primeira bola que a partner na PWT (empresa de consultoria digital) tira do saco é que o digital não é muito diferente da vida real. “Há uma dose de bom senso e de educação transversal, independentemente da plataforma. Depois, será uma questão de ter sensibilidade para ver o que a outra pessoa espera – analisar o contexto, ler o ambiente e fazer a interpretação.”
E vale a pena fazê-lo. Quem não segue de forma sistemática as boas práticas acaba por ver a sua reputação afetada, “e a reputação é o que temos de mais importante no online”, lembra a especialista. “Se uma pessoa tem um blogue cheio de palavrões, ele vai ser encontrado pelo recrutador que anda à procura do seu rasto digital”, exemplifica. “E, uma vez na internet, para sempre na internet.” Agora que andamos com a internet na mão, o telemóvel passou a ser uma entidade com muita relevância, lembra, por sua vez, a psicóloga Ivone Patrão. “Ele tem o poder de entrar numa relação e nem sempre damos conta disso”, sublinha a investigadora do ISPA – Instituto Universitário de Psicologia Aplicada.
ENTRE FAMÍLIA E AMIGOS
- Pode enviar emails e mensagens a qualquer hora porque existem ferramentas de sobra para as pessoas evitarem ser incomodadas. Até pode experimentar telefonar. “O ónus é de quem recebe, mas há regras de boa educação em termos de horários”, lembra Maria João Nogueira. “Em contexto pessoal, só telefono entre as 10h e as 22h, a não ser que seja uma emergência. Já era assim com o telefone fixo.”
- Mensagens em maiúsculas são geralmente consideradas malcriadas porque é como se estivéssemos a gritar. Entre adolescentes, significam apenas que o assunto é importante ou excitante.
- O que é escrito no círculo de amigos fica no círculo de amigos. Partilhar um screenshot é uma quebra de confiança.
- Se não quer ser apanhado na coscuvilhice, não escreva – telefone. Ou, no máximo, envie um áudio pelo WhatsApp.
- Dito isto, use os áudios com parcimónia. Não parta do princípio de que os outros têm disponibilidade para os ouvir.
- Vai receber uma chamada em alta-voz e não está sozinho? Avise a pessoa do outro lado da linha, mesmo que seja a sua mãe. Ou sobretudo se for ela.
- Não espalhe fake news. Certifique-se de que a informação é verdadeira antes de a partilhar num grupo de WhatsApp.
- Se já tinha visto aquele meme ou vídeo engraçado, reaja à mesma com um “ahahah”. Continua a ter piada, para quê comentar “ah, já conhecia”?
No WhatsApp,use os áudios com parcimónia. Não parta do princípio de que os outros têm disponibilidade para os ouvir
- Deixe o telemóvel longe da vista, se estiver com alguém. “O telemóvel é muito intrusivo, basta ele estar em cima da mesa para passar a mensagem de que alguma coisa mais importante vai acontecer”, diz Maria João Nogueira.
- Evite o phubbing. Estar à espera de uma chamada/mensagem importante não é sinónimo de não largar o telefone (phone), ignorando a pessoa com quem está (snubbing). “A tecnologia inunda todas as interações, e isso vai estragando e minando a relação, porque a outra pessoa sente que há pouca empatia”, lembra Ivone Patrão.
- Mesmo que seja uma chamada ou mensagem importante, peça licença antes de pegar no telemóvel.
NO TRABALHO
- Não escreva apenas “olá” ou “bom dia” na primeira mensagem. Diga logo ao que vai, para baixar o eventual nível de stresse;
- Numa reunião à distância, mantenha o microfone desligado, para o som ambiente não se intrometer. Ligue-o apenas quando quiser intervir.
- Se não tiver rede suficiente para manter a câmara ligada no Zoom ou no Teams, avise. Se nem sequer der para ser ouvido sem cortes, participe apenas por chat.
- Não encha os emails com emojis. “Se estamos num ambiente profissional, devemos usar uma linguagem mais sofisticada. É aplicar ao digital o que já fazia na vida real”, diz Maria João Nogueira.
- Termine os seus emails de maneira simples e cordata. Um bom truque é deixar-se “ir com a corrente”. Exemplo: se o interlocutor se despediu com “cumprimentos”, não responda com “beijos” (o inverso é igualmente válido).
- Evite mensagens a desoras e agende os telefonemas. Existe legislação que proíbe importunar fora do horário de trabalho.
- Pense seriamente na hipótese de ter dois perfis nas redes sociais, um pessoal e um profissional. Ou pense duas vezes antes de publicar seja o que for.
NAS REDES SOCIAIS
- Quando chegar a uma rede nova, não comece logo a disparar em todas as direções, ensina Maria João Nogueira. “Demore a ler o ambiente – quem está ali, o que se costuma dizer.”
- E nunca, mas nunca, se ponha em bicos dos pés. “Esta regra é sobretudo aplicável ao X, Bluesky, Mastodon e Instagram. Há uma tática, que muita gente usa para se fazer notada, que é começar a seguir, depois fazer unfollow e voltar a seguir. É um comportamento desagradável”, lamenta a mesma especialista.
- Tente não interromper o curso da timeline fazendo 27 publicações seguidas. Isso não é bem-visto porque estão pessoas a conversar e essa interrupção é intrusiva.
- Peça autorização antes de partilhar uma fotografia ou um vídeo embaraçante de um amigo. Os potenciais “gostos” podem não valer uma amizade.
- Não tem de partilhar uma story no Instagram só porque foi identificado. Se não lhe apetecer fazê-lo, tudo bem, os seus amigos vão perceber.
- A comunicação digital leva facilmente a mal-entendidos. Resolva-os com um telefonema ou mesmo com um encontro cara a cara.
- Não custa promover um amigo online, se lhe apetecer. Mas ninguém deve ser cravado nesse sentido.
- Se quer deixar de ver uma determinada pessoa online, ponha-a em mute. Não precisa de fazer unfollow (sim, ela vai aperceber-se disso).
- Mas se decidir deixar de seguir uma pessoa, remova-a de imediato dos seus seguidores. Caso contrário, parece que está a trabalhar para o ratio.
- Mantenha-se longe das gerações abaixo da sua. Não siga os seus sobrinhos adolescentes nem os amigos dos seus filhos.
- Não envie fotografias íntimas não solicitadas. Quando elas não são vistas como uma agressão, são uma tentativa vã de engate ou de venda de serviços.
- Nunca se faça passar por outra pessoa.
- Não faça doxxing. Claro que revelar os dados privados de terceiros é ilegal.
- Resista a insultar ao abrigo de uma conta privada – a pessoa vai sempre acabar por ficar a saber, porque alguém lhe enviou um screenshot.
- Não roube conteúdos. E, sempre que possível, refira de que forma chegou àquela informação, incluindo um link ou nomeando alguém.
- Não acredite em tudo o que lê. “O que está online não é o que se vê – é o que o outro quer apresentar”, diz Ivone Patrão.
- O sharenting é uma escolha. Deve-se ter a noção de que a partilha (sharing) por parte dos pais (parenting) de dados, sobretudo de fotografias dos filhos, pode levar ao seu uso indevido. “Não quero ser alarmista, mas as pessoas muitas vezes não estão informadas sobre os riscos”, afirma a psicóloga.
ENTRE DESCONHECIDOS
- Se achar graça a uma pessoa numa festa, pode perguntar-lhe como consegue encontrá-la nas redes sociais. É precisamente para isso que elas existem.
- Caso não lhe apeteça partilhar essa informação, invente uma mentira branca. Qualquer coisa como “ah, não ando muito na internet” é suficientemente vago para não magoar.
- Resista a bombardear os fundos dos arquivos do seu potencial novo crush com “gostos” indiscriminados. Menos é mais.
- Está a ver aquele GIF de uma mulher a cuspir o café? Não o use se quer impressionar uma pessoa que acabou de conhecer. Já ninguém consegue achar-lhe piada.
- Não entre em debate com trolls. Perde tempo e sanidade mental com essas pessoas que só estão interessadas em desestabilizar as discussões.
- Antes de entrar numa discussão online, pergunte-se: será que esta pessoa só tem 13 anos? Sim, muitas vezes é esse o caso.